ActivityPub Viewer

A small tool to view real-world ActivityPub objects as JSON! Enter a URL or username from Mastodon or a similar service below, and we'll send a request with the right Accept header to the server to view the underlying object.

Open in browser →
{ "@context": "https://www.w3.org/ns/activitystreams", "type": "OrderedCollectionPage", "orderedItems": [ { "type": "Create", "actor": "https://www.minds.com/api/activitypub/users/650525645859729410", "object": { "type": "Note", "id": "https://www.minds.com/api/activitypub/users/650525645859729410/entities/urn:activity:788550977962643457", "attributedTo": "https://www.minds.com/api/activitypub/users/650525645859729410", "content": "O discurso de John Galt<br /><br />“Há 12 anos vocês perguntam: ‘Quem é John Galt?’ Bem, quem está falando é John Galt. Eu sou o homem que ama a vida. Sou o homem que não sacrifica seu amor nem seus valores. Sou o homem que os privou de vítimas e, portanto, destruiu seu mundo, e, se vocês querem saber por que estão sendo destruídos – vocês que odeiam o conhecimento –, eu sou aquele que vai lhes dizer por quê.”<br />“Vocês ouvem dizer que vivemos uma era de crise moral. Vocês mesmos já disseram isso, com um misto de medo e esperança de que essas palavras nada signifiquem. Exclamam que os pecados do homem estão destruindo o mundo e maldizem a natureza humana por ela se recusar a exercer as virtudes que exigem dela. Como para vocês virtude é sacrifício, exigem cada vez mais sacrifícios a cada desastre que acontece. Em nome de uma volta à moralidade, vocês sacrificaram todos aqueles males que consideravam ser a causa de seu sofrimento. Sacrificaram a justiça em nome da piedade. Sacrificaram a independência em nome da unidade. Sacrificaram a razão em nome da fé. Sacrificaram a riqueza em nome da necessidade. Sacrificaram o amor-próprio em nome do auto sacrifício. Sacrificaram a felicidade em nome do dever.<br />“Vocês destruíram tudo aquilo que consideravam mau e atingiram tudo o que consideravam bom.<br />Por que então lhes causa horror o mundo que os cerca? Este mundo não é produto de seus pecados, e sim produto e imagem de suas virtudes. É o seu ideal moral concretizado na íntegra, na sua total perfeição. Vocês lutaram por isso, sonharam com isso, desejaram isso, e eu… eu sou o homem que satisfez esse seu desejo.<br />“Seu ideal tinha um inimigo implacável, que seu código moral tinha por objetivo destruir. Eu afastei esse inimigo. Eu o retirei da sua frente e do seu alcance. Retirei a fonte de todos os males que vocês sacrificavam, um por um. Pus fim à sua luta. Parei o seu motor. Privei seu mundo da mente humana.<br />“Vocês afirmam que o homem não vive de sua mente? Pois retirei do mundo os homens que o fazem.<br />Vocês dizem que a mente é impotente? Pois retirei do mundo aqueles cujas mentes não o são. Afirmam que há valores mais elevados do que a mente? Pois retirei do mundo aqueles para quem não há.<br />“Enquanto arrastavam para seus altares de sacrifício os homens justos, independentes, racionais, ricos e cheios de amor-próprio, fui mais rápido do que vocês e os alcancei antes. Eu lhes disse a natureza do jogo que estavam jogando e do seu código moral, que eles eram generosos e inocentes demais para compreender. Mostrei-lhes como viver com base numa outra moralidade – a minha. Eles optaram por obedecer a ela.<br />“Todos os homens que desapareceram, os homens que vocês detestavam, porém temiam perder, fui eu quem os retirou do seu mundo. Não tentem nos encontrar. Não queremos ser encontrados. Não digam que é nosso dever servi-los. Não reconhecemos esse dever. Não digam que pertencemos a vocês.<br />Não é verdade. Não nos peçam para voltar. Estamos em greve, nós, os homens possuidores de mentes.<br />“Estamos em greve contra o auto sacrifício. Estamos em greve contra a doutrina de recompensas imerecidas e deveres não recompensados. Estamos em greve contra o dogma de que desejar a felicidade para si próprio é algo mau. Estamos em greve contra a doutrina de que a vida é culpa.<br />“Há uma diferença entre a nossa greve e todas aquelas que vocês vêm fazendo há séculos: a nossa consiste não em fazer exigências, e sim em atender exigências. Somos maus, segundo a sua moralidade.<br />Resolvemos não lhes fazer mais mal. Somos inúteis, de acordo com a sua economia. Resolvemos não explorá-los mais. Somos perigosos e merecemos viver acorrentados, segundo a sua política. Resolvemos não ameaçá-los, nem continuar a usar essas correntes. Somos apenas uma ilusão, segundo a sua filosofia.<br />Resolvemos não cegá-los mais e deixá-los livres para encarar a realidade – a realidade que vocês queriam, o mundo tal qual o veem agora, um mundo sem mente.<br />“Concedemos tudo o que vocês exigiam de nós, nós que sempre lhes demos tudo, mas só agora o compreendemos. Não temos exigências a lhes fazer, não apresentamos quaisquer propostas de negociação, nenhuma solução conciliatória. Vocês não têm nada a nos oferecer. Não precisamos de vocês.<br />“Então agora vocês estão gritando. Não, não era isso que vocês queriam? Então um mundo sem mente, um mundo de ruínas não era seu objetivo? Vocês não queriam que nós os abandonássemos? Seus canibais, sei que vocês sempre souberam o que queriam. Mas agora a brincadeira terminou, porque agora nós também sabemos.<br />“Durante séculos de pragas e catástrofes, causadas pelo seu código moral, vocês vêm exclamando que seu código foi violado, que as pragas eram castigos por causa dessas violações, que o homem era fraco e egoísta demais para derramar todo o sangue que esse código exigia. Vocês amaldiçoavam o homem, condenavam a existência, abominavam esta Terra, mas jamais ousaram questionar seu código. Suas vítimas assumiam a culpa e continuavam a trabalhar, recebendo suas maldições como recompensa pelo seu martírio, enquanto vocês continuavam a choramingar, dizendo que seu código era nobre, apenas a natureza humana não era boa o suficiente para praticá-lo. E ninguém levantou a voz para perguntar:<br />‘Bem, por quais padrões?’<br />“Vocês queriam conhecer a identidade de John Galt. Eu sou o homem que fez essa pergunta.<br />“Sim, é verdade que vivemos numa época de crise moral. Sim, é verdade que vocês estão sendo<br />punidos pelo mal que cometeram. Mas não é o homem que está sendo julgado, não é a natureza humana que vai ser julgada culpada. É o seu código moral que finalmente chegou ao clímax, ao beco sem saída que é seu destino. E, se vocês querem continuar vivos, o que precisam fazer agora não é voltar à moralidade – visto que jamais conheceram o que tal coisa significa –, e sim descobri-la.<br />“Os únicos conceitos de moralidade que conhecem são o místico e o social. Vocês aprenderam que a moralidade é um código de comportamento imposto pelo capricho de um poder sobrenatural ou da sociedade para servir os desígnios de Deus ou o bem-estar do próximo, para agradar a uma autoridade do outro mundo ou da casa ao lado – mas não para servir à própria vida e ao próprio prazer. Vocês aprenderam que o seu próprio prazer se encontra na imoralidade, os seus próprios interesses residem no mal, e que todo código moral tem que ser voltado não para vocês, mas contra vocês, não para promover a vida, mas para abatê-la.<br />“Durante séculos, a luta da moralidade foi travada entre aqueles que afirmavam que a sua vida pertence a Deus e aqueles que afirmavam que ela pertence ao próximo. Entre aqueles que pregavam que o bem é se sacrificar em nome de fantasmas no céu e aqueles que pregavam que o bem é se sacrificar em nome dos incompetentes na Terra. E ninguém veio para lhes dizer que a sua vida pertence a vocês e que o bem consiste em vivê-la.<br />“Ambas as partes em conflito estavam de acordo quanto a uma coisa: a moral exige que se abandone o interesse próprio e a mente. A moral e a vida prática são conflitantes. A moralidade não faz parte do domínio da razão, e sim da fé e da força. Ambas as partes concordavam que não é possível haver uma moralidade racional, que não há certo e errado na razão – que na razão não há razão para se agir conforme a moral.<br />“Ainda que brigassem por vários motivos, todos os moralistas se uniam na luta contra a mente do homem. Era a mente do homem que todos os sistemas e dogmas deles visavam saquear e destruir. Agora vocês têm que optar: ou morrer ou aprender que ser contra a mente é ser contra a vida.<br />“A mente do homem é o instrumento básico de sua sobrevivência. A vida lhe é concedida, mas não a sobrevivência. Seu corpo lhe é concedido, mas não o seu sustento. Sua mente lhe é concedida, mas não o seu conteúdo. Para permanecer vivo, ele tem de agir, e, para que possa agir, tem de conhecer a natureza e o propósito de sua ação. Ele não pode se alimentar sem conhecer qual é seu alimento e como tem de agir para obtê-lo. Não pode cavar um buraco, nem construir um cíclotron, sem conhecer seu objetivo e os meios de atingi-lo. Para permanecer vivo, ele tem de pensar.<br />“Mas pensar é um ato de escolha. A chave daquilo que vocês denominam, com tanta leviandade, ‘natureza humana’, o segredo de polichinelo com que vocês convivem, porém não ousam assumir, é o fato de que o homem é um ser cuja consciência tem poder de escolha. A razão não atua automaticamente.<br />Pensar não é um processo mecânico. As conexões lógicas não são feitas por instinto. A função do estômago, dos pulmões, do coração é automática, mas a função da mente não é. A qualquer momento, em qualquer etapa da vida, vocês são livres para pensar ou se esquivar do esforço de pensar. Porém não são livres para escapar da sua natureza, do fato de que a razão é o seu meio de sobrevivência – de modo que para vocês, como seres humanos, a questão do ‘ser ou não ser’ é a questão de ‘pensar ou não pensar’.<br />“Um ser cuja consciência tem poder de escolha não possui um curso automático de comportamento.<br />Ele precisa de um código de valores para orientar seus atos. ‘Valor’ é aquilo que se age para ganhar ou conservar; ‘virtude’ é o ato por meio do qual se ganha ou se conserva o valor. ‘Valor’ pressupõe uma resposta à pergunta: valor para quem e por quê? Pressupõe um padrão, um objetivo e a necessidade de ação em oposição a uma alternativa. Onde não há alternativas não pode haver valores.<br />“Só há duas alternativas fundamentais no universo – existência ou não existência –, que só se aplicam a uma única classe de entidades: os organismos vivos. A existência da matéria inanimada é incondicional, mas a existência da vida não é: ela depende de um curso de ação específico. A matéria é indestrutível, muda de forma, mas não pode deixar de existir. É apenas o organismo vivo que se defronta com duas alternativas constantes: vida ou morte. A vida é um processo de ação que se autossustenta e gera a si própria. Se um organismo fracassa nesse processo, ele morre. Os elementos químicos que o compõem permanecem, mas a vida desaparece. É apenas o conceito de ‘vida’ que torna possível o conceito de ‘valor’. Só para um ser vivo as coisas podem ser boas ou más.<br />“A planta precisa de alimento para viver. O sol, a água, as substâncias químicas de que ela precisa são os valores que a natureza dela a faz buscar. Sua vida é o padrão de valor que orienta seus atos. Mas a planta não pode escolher um curso de ação. Há alternativas nas condições que ela encontra, porém não nas suas funções: ela age automaticamente para preservar sua vida e não pode agir em prol de sua autodestruição.<br />“O animal possui meios que lhe possibilitam preservar sua vida. Seus sentidos lhe oferecem um código de ação automático, um conhecimento automático do que é bom ou mau. Ele não tem o poder de aumentar esse conhecimento nem de se esquivar dele. Quando seu conhecimento se revela inadequado, ele morre. Porém, enquanto está vivo, ele age com base em seu conhecimento, com segurança automática e sem poder de escolha. Ele é incapaz de ignorar seu próprio bem, de optar pelo mal e agir para destruir a si próprio.<br />“O homem não possui nenhum código de sobrevivência automático. O que o distingue de todos os outros seres vivos é a necessidade de agir em face de alternativas por meio da escolha de sua vontade. Ele não possui um conhecimento automático do que é bom ou mau para ele, de quais são os valores em que se baseia sua vida, de que curso de ação tais valores precisam. Vocês vivem falando em instinto de autopreservação, não é? Pois instinto de autopreservação é justamente aquilo que o homem não tem.<br />‘Instinto’ é uma forma de conhecimento automática e infalível. Um desejo não é um instinto. Um desejo de viver não dá a vocês o conhecimento necessário para viver. E até mesmo o desejo de viver do homem não é automático: o mal secreto de que são culpados hoje é justamente o fato de que vocês não têm este desejo. O seu medo de morrer não é amor à vida e não lhes dará o conhecimento necessário à preservação dela. O homem é obrigado a adquirir conhecimentos e a optar entre cursos de ação por meio de um processo de raciocínio, processo esse que a natureza não pode obrigá-lo a utilizar. O homem tem o poder de agir em prol de sua autodestruição – e é assim que ele vem agindo durante a maior parte da sua história.<br />“Um ser vivo que considerasse mau o seu meio de sobrevivência não poderia sobreviver. Uma planta que se esforçasse para destruir suas raízes ou uma ave que tentasse quebrar as próprias asas não permaneceriam muito tempo vivas. Porém a história do homem tem sido uma luta voltada para a negação e a destruição de sua mente.<br />“Afirma-se que o homem é um ser racional, porém a racionalidade é uma questão de opção – e as alternativas que sua natureza lhe oferece são estas: um ser racional ou um animal suicida. O homem tem que ser homem – por escolha, ele tem que ter sua vida como um valor; por escolha, tem que aprender a preservá-la; por escolha; tem que descobrir os valores que ela requer e praticar suas virtudes. Por escolha.<br />“Um código de valores aceito por escolha é um código moral.<br />“Sejam vocês quem forem, vocês que estão me ouvindo agora, estou me dirigindo ao que restar de incorrupto em vocês, ao vestígio de humanidade, à sua mente. E digo: existe, sim, uma moralidade da razão, uma moralidade própria ao homem, e a vida do homem é o seu padrão de valor.<br />“Tudo aquilo que é apropriado à vida de um ser racional é bom; tudo aquilo que a destrói é mau.<br />“A vida do homem, tal como exige sua natureza, não é a vida de um brutamontes irracional, de um marginal saqueador nem de um místico parasitário, e sim a vida de um ser pensante. Não uma vida por meio da força nem da fraude, e sim por meio da realização. Não a sobrevivência a qualquer preço, visto que há apenas um preço que paga a sobrevivência do homem: a razão.<br />“A vida do homem é o padrão da moralidade, mas a própria vida é o objetivo dela. Se a existência na Terra é a sua meta, vocês têm que escolher seus atos e valores com base no padrão daquilo que é próprio ao homem – com o objetivo de preservar, concretizar e desfrutar o valor insubstituível que é a sua vida.<br />“Como a vida exige um curso de ação específico, qualquer outro caminho a destruirá. Um ser que não tenha a própria vida como motivo e meta de seus atos age com o motivo e o padrão da morte. Um ser assim é metafisicamente monstruoso, um ser que luta para se opor, negar e contradizer o fato de sua própria existência, correndo às cegas numa trilha de destruição, incapaz de gerar o que quer que seja que não a dor.<br />“A felicidade é o estado de sucesso da vida; a dor é um agente da morte. A felicidade é aquele estado da consciência que decorre da realização dos valores que se tem. Uma moralidade que ousa lhes dizer que vocês devem procurar a felicidade na renúncia à sua felicidade – valorizar o fracasso de seus valores – é uma insolente negação da moralidade. Uma doutrina que lhes dá como ideal o papel de animal a ser sacrificado em holocausto no altar dos outros lhes dá a morte como padrão. Por obra e graça da realidade e da natureza da vida, o homem – todo homem – é um fim em si, existe por si, e a realização de sua própria felicidade é seu mais elevado objetivo moral.<br />“Mas nem a vida nem a felicidade podem ser alcançadas pela busca de caprichos irracionais. Assim como o homem é livre para tentar sobreviver de qualquer maneira aleatória – mas há de morrer se não viver de acordo com as exigências de sua natureza –, ele também é livre para buscar sua felicidade em qualquer fraude irracional. Nesse caso, porém, a tortura da frustração é tudo o que ele encontrará, a menos que busque a felicidade própria do homem. O objetivo da moralidade é ensinar não a sofrer e morrer, e sim a gozar a vida e viver.<br />“Deixem de lado esses parasitas de salas de aula subsidiadas que vivem dos lucros das mentes de outrem e proclamam que o homem não precisa de moralidade, nem de valores, nem de códigos de comportamento. Eles, que se fazem passar por cientistas e afirmam que o homem não passa de um animal, não o incluem na lei da existência que concedem ao mais humilde inseto. Eles reconhecem que toda espécie de ser vivo tem um modo de sobrevivência exigido por sua natureza e não afirmam que um peixe é capaz de viver fora d’água nem que um cão pode viver sem seu olfato, porém declaram que o homem, o mais complexo dos seres, pode sobreviver de qualquer maneira imaginável, não tem identidade nem natureza e pode perfeitamente viver com seu meio de sobrevivência destruído, sua mente sufocada e colocada à disposição de quaisquer ordens que resolvam dar.<br />“Deixem de lado todos esses místicos corroídos pelo ódio, que se fazem passar por amigos da humanidade e pregam que a mais elevada virtude de que o homem é capaz é não dar valor à própria vida. Eles lhes dizem, por acaso, que o objetivo da moralidade é refrear o instinto humano de autopreservação? É para a própria preservação que o homem precisa de um código moral. O único homem que deseja agir segundo a moralidade é o homem que deseja viver.<br />“Não, vocês não são obrigados a viver. Essa é a sua escolha básica. Mas, se optam por viver, então são obrigados a levar a vida como homens – por suas ações e pelos juízos de sua mente.<br />“Não, não são obrigados a viver como homens; esse é um ato de escolha moral. Mas vocês não podem viver como nenhuma outra coisa – e a alternativa é esse estado de morto-vivo que agora veem dentro de si próprios e ao seu redor, esse estado de coisa incapaz de existir, que não é mais humano e é algo menos que um animal, que só conhece a dor e se arrasta na agonia da autodestruição irracional.<br />“Não, vocês não são obrigados a pensar; esse é um ato de escolha moral. Mas alguém teve de pensar para mantê-los vivos. Se vocês optam pela inconsequência, fraudam a existência e repassam essa dívida para algum homem moralmente correto, na esperança de que ele sacrifique sua dívida bem para que vocês possam sobreviver ao próprio mal.<br />“Não, vocês não são obrigados a ser homens, mas hoje em dia aqueles que o são não estão mais aí. Eu retirei do mundo de vocês seus meios de sobrevivência: as suas vítimas.<br />“Se querem saber como fiz isso e o que eu disse a essas pessoas para fazê-las desistir, ouçam o que digo. Basicamente, eu lhes disse o que estou dizendo a vocês agora. Eram homens que haviam sempre seguido o meu código, porém não tinham consciência da grande virtude que esse código representa. O que lhes ofereci não foi uma reavaliação, mas apenas a identificação de seus valores.<br />“Nós, os homens possuidores de mentes, estamos em greve contra vocês em nome de um único axioma, que é a raiz de nosso código moral, do mesmo modo como a raiz do de vocês é o desejo de se esquivar dele: o axioma segundo o qual a existência existe.<br />“A existência existe, e o ato de apreender essa afirmação implica dois axiomas corolários: que existe algo que se percebe, e que aquele que percebe existe como possuidor de uma consciência, sendo esta a faculdade de perceber aquilo que existe.<br />“Se nada existe, não pode haver consciência: uma consciência que não tenha nada de que possa ser consciente é uma contradição. Uma consciência consciente apenas de si própria é uma contradição: para que possa se identificar com a consciência, ela tem de previamente ser consciente de algo. Se aquilo que se afirma perceber não existe, o que se tem não é consciência.<br />“Qualquer que seja o grau de conhecimento que se tem, estas duas coisas – existência e consciência – são axiomas inevitáveis; são os elementos básicos irredutíveis e imprescindíveis a toda e qualquer ação empreendida, em qualquer parte do conhecimento e em sua totalidade, desde o primeiro raio de luz que se percebe ao nascer até a mais vasta erudição que se pode ter adquirido ao fim da vida. Quer se conheça a forma de um seixo, quer a estrutura de um sistema solar, os axiomas permanecem os mesmos: a coisa existe e vocês a conhecem.<br />“Existir é ser alguma coisa, em oposição ao nada da não existência. É ser uma entidade de natureza específica dotada de atributos específicos. Há séculos, o homem que foi o maior dos filósofos, apesar de seus erros, enunciou a fórmula que define o conceito de existência e a regra de todo conhecimento: A é A. Uma coisa é o que é. Vocês jamais apreenderam o significado dessa afirmação. Estou aqui para completá-la: a Existência é Identidade, a Consciência é Identificação.<br />“Seja o que for o que se quer considerar, um objeto, um atributo ou uma ação, a lei da identidade<br />permanece a mesma: Uma folha não pode ser uma pedra ao mesmo tempo que é uma folha; não pode ser toda vermelha e toda verde ao mesmo tempo e não pode congelar e queimar simultaneamente. A é A.<br />“Vocês gostariam de saber o que há de errado no mundo? Todos os desastres que destruíram seu mundo decorreram da tentativa de seus líderes de fugir do fato de que A é A. Todo o mal secreto que vocês temem encarar dentro de si mesmos e toda a dor que sofreram decorreram da sua tentativa de fugir do fato de que A é A. O objetivo daqueles que lhes ensinaram a fugir desse fato era fazê-los esquecer que o Homem é o Homem.<br />“O homem só pode sobreviver adquirindo conhecimento, e a razão é seu único meio de conseguir tal coisa. A razão é a faculdade que percebe, identifica e integra os dados fornecidos pelos sentidos do homem. A tarefa dos sentidos é dar a ele a prova de que ele existe, porém a tarefa de identificar sua existência cabe à sua razão. Seus sentidos lhe dizem apenas que algo é, mas sua mente tem que aprender o que aquilo que é é.<br />“Toda atividade racional é um processo de identificação e integração. O homem, por exemplo, percebe uma mancha colorida. Ao integrar os dados fornecidos por sua visão e seu tato, ele aprende a identificá-la como um objeto sólido. Aprende a identificar que tal objeto é uma mesa. Aprende que a mesa é feita de madeira; que a madeira consiste em células, que as células consistem em moléculas, que as moléculas consistem em átomos. No decorrer de todo esse processo, a tarefa de sua mente se resume em dar respostas a uma única pergunta: O que é? O meio de que dispõe para determinar a verdade de suas respostas é a lógica, e esta se baseia no axioma de que a existência existe. A lógica é a arte da identificação não contraditória. Uma contradição não pode existir. Um átomo é o que é, e o universo também; nem um nem outro podem contradizer sua própria identidade; tampouco pode uma parte contradizer o todo. Nenhum conceito formado pelo homem é válido a menos que ele o integre sem contradição no somatório de seu conhecimento. Chegar a uma contradição é confessar um erro de raciocínio; manter uma contradição é abdicar da própria mente e se exilar do domínio da realidade.<br />“A realidade é aquilo que existe. O irreal não existe – é apenas a negação da existência, que é o conteúdo de uma consciência humana que tenta abandonar a razão. A verdade é o reconhecimento da realidade e a razão é o único meio de conhecimento de que dispõe o homem, seu único padrão de verdade.<br />“A pergunta mais perversa que vocês podem fazer agora é: A razão de quem? A resposta é: a sua. Por maior ou menor que seja a soma dos seus conhecimentos, é a sua própria mente que tem de adquiri-los.<br />Vocês só podem trabalhar com os seus próprios conhecimentos. São apenas os seus próprios conhecimentos que vocês podem afirmar possuir ou podem pedir que os outros levem em consideração.<br />A sua mente é o seu único juiz da verdade – e, se os outros discordam do seu veredicto, a realidade é a última instância de apelação. Nada senão a mente de um homem pode realizar aquele processo complexo, delicado e crucial de identificação que é o pensamento. Nada senão seu próprio discernimento pode orientar esse processo. Nada senão sua integridade moral pode orientar seu discernimento.<br />“Vocês falam em ‘instinto moral’ como se fosse algum atributo independente que se opusesse à razão.<br />A razão do homem é sua faculdade moral. Um processo racional é um processo de escolha constante em resposta à pergunta: verdadeiro ou falso? Certo ou errado? Uma semente deve ser plantada na terra para germinar – certo ou errado? Uma ferida deve ser desinfetada para salvar a vida do ferido – certo ou errado? A natureza da eletricidade atmosférica permite que ela seja convertida em energia cinética – certo ou errado? Foram as respostas dadas a perguntas desse tipo que lhes deram tudo o que vocês têm agora – e as respostas vieram de uma mente humana, uma mente intransigentemente dedicada àquilo que é certo.<br />“Um processo racional é um processo moral. Vocês podem cometer um erro em qualquer momento desse processo, tendo como única proteção o seu próprio rigor, ou então vocês podem tentar falsear o processo, utilizar dados falsos e se esquivar do esforço da busca – mas, se a dedicação à verdade é o que caracteriza a moralidade, então não existe uma forma de dedicação maior, mais nobre e mais heroica do que o ato de assumir a responsabilidade de pensar.<br />“Aquilo que vocês denominam alma ou espírito é a sua consciência, e o que denominam livre-arbítrio é a liberdade que sua mente tem de pensar ou não, a única vontade que vocês têm, sua única liberdade, a escolha que determina todas as escolhas que vocês fazem, que determina a sua vida e o seu caráter.<br />“Pensar é a única virtude básica do homem, da qual todas as outras decorrem. É seu vício básico, a fonte de todos os seus males. É aquele ato sem nome que todos vocês praticam, porém se esforçam para jamais admitir: o ato de silenciar, de suspender voluntariamente a própria consciência, de se recusar a pensar. Não ser cego, mas se recusar a ver; não ser ignorante, mas se recusar a saber. É o ato de tirar de foco a mente e induzir uma névoa interior para fugir da responsabilidade do discernimento – com base na premissa jamais expressa de que uma coisa deixa de existir se vocês se recusarem a identificá-la, de que A não é A enquanto não pronunciarem o veredicto ‘A é A’. O não pensar é um ato de aniquilamento, um desejo de negar a existência, uma tentativa de apagar a realidade. Porém a existência existe; a realidade não se deixa apagar, mas acaba apagando aquele que deseja apagá-la. Quem se recusa a dizer ‘É’ se recusa a dizer ‘Sou’. Quem não utiliza seu discernimento nega a si próprio. O homem que afirma ‘Quem sou eu para saber?’ está afirmando: ‘Quem sou eu para viver?’<br />“Esta, a qualquer momento, em qualquer questão, é a sua escolha moral básica: pensar ou não pensar, existência ou não existência, A ou não A, entidade ou zero.<br />“Na medida em que um homem é racional, a vida é a premissa que orienta seus atos. Na medida em que ele é irracional, a premissa que orienta seus atos é a morte.<br />“Vocês que dizem que a moralidade é social e que o homem não precisaria de moralidade numa ilha deserta, saibam que é numa ilha deserta que ela seria mais necessária. Se o homem tentar afirmar, sem haver vítimas para pagar por ele, que uma pedra é uma casa, que a areia é roupa, que a comida cairá na sua boca sem que ele precise se esforçar, que amanhã ele terá uma colheita mesmo devorando todo o seu grão hoje, a realidade o apagará, tal como ele merece. A realidade lhe mostrará que a vida é um valor a ser comprado e que o pensamento é a única moeda nobre o bastante para comprá-la.<br />“Se eu quisesse utilizar a sua linguagem, diria que o único mandamento moral do homem é: ‘Pensarás.’ Porém um ‘mandamento moral’ é uma contradição. A moral é o escolhido, não o forçado; é o compreendido, não o obedecido. A moral é o racional, e a razão não aceita mandamentos.<br />“A minha moralidade, a moralidade da razão, está contida num único axioma: a existência existe – e numa única escolha: viver. O restante decorre dessas duas coisas. Para viver, o homem precisa de três coisas como valores supremos e dominadores de sua vida: razão, determinação e amor-próprio. Razão, seu único instrumento para adquirir conhecimento; determinação, sua escolha da felicidade que esse instrumento busca realizar; amor-próprio, sua certeza inabalável de que sua mente tem competência para pensar e sua pessoa merece a felicidade, ou seja: merece viver. Esses três valores implicam e requerem todas as virtudes do homem, e todas elas decorrem da relação entre existência e consciência: racionalidade, independência, integridade, honestidade, justiça, produtividade, orgulho.<br />“Racionalidade é o reconhecimento do fato de que a existência existe, de que nada pode alterar a verdade e nada pode ter mais valor do que o ato de perceber a verdade, o pensamento de que a mente é o único árbitro de valores e único guia para a ação; de que a razão é um absoluto que não admite transigências; de que uma concessão ao irracional invalida a consciência e a faz falsificar a realidade ao invés de percebê-la; de que a fé, esse suposto atalho que leva ao conhecimento, é apenas um curto-circuito que destrói a mente; de que a aceitação de uma invenção mística é um desejo de aniquilamento da existência que aniquila a consciência.<br />“Independência é o reconhecimento do fato de que a responsabilidade de discernir é sua e nada pode ajudá-los a se esquivar dessa responsabilidade; de que nenhum substituto pode pensar por vocês; de que nenhum substituto pode viver a sua vida; de que a forma mais vil de autodegradação e autodestruição é subordinar a sua mente à de outro, aceitar uma autoridade sobre seu cérebro, aceitar as afirmações de outro como fatos, suas opiniões como verdades, seus decretos como intermediários entre sua consciência e sua existência.<br />“Integridade é o reconhecimento do fato de que vocês não podem falsificar a sua consciência, do mesmo modo que honestidade é o reconhecimento do fato de que vocês não podem falsificar a existência; de que o homem é uma entidade indivisível, uma unidade integrada de dois atributos – matéria e consciência –, e que ele não pode admitir uma ruptura entre corpo e mente, entre ato e pensamento, entre sua vida e suas convicções; de que, como um juiz que não dá importância à opinião pública, ele não pode sacrificar suas convicções em prol dos desejos dos outros, ainda que seja a totalidade da humanidade a implorar ou a ameaçar; de que coragem e confiança são necessidades práticas, de que coragem é a forma prática de ser fiel à existência e à verdade, e confiança é a forma prática de ser fiel à própria consciência.<br />“Honestidade é o reconhecimento do fato de que o irreal é irreal e não pode ter valor, de que nem o amor nem a fama nem o dinheiro são valores quando obtidos de modo fraudulento; de que uma tentativa de adquirir um valor enganando a mente de outrem é um ato que eleva suas vítimas a uma posição acima da realidade, um ato por meio do qual vocês se tornam marionetes da cegueira das vítimas, escravos da condição delas de seres que não pensam e fogem da realidade, enquanto a inteligência, a racionalidade e a perceptividade delas passam a ser os inimigos que lhes inspiram medo; de que não interessa viver como dependente, principalmente quando se depende da estupidez dos outros, ou como um tolo cuja fonte de valores são os tolos que ele consegue enganar; de que honestidade não é um dever social, não é um sacrifício por amor aos outros, e sim a virtude mais profundamente egoísta que se pode praticar: é se recusar a sacrificar a realidade da própria existência em prol da consciência enganada dos outros.<br />“Justiça é o reconhecimento do fato de que não se pode falsear o caráter dos homens assim como não se pode falsear o caráter da natureza; de que é necessário julgar todos os homens de modo tão consciencioso quanto se julgam objetos inanimados, com o mesmo respeito pela verdade, a mesma visão incorruptível, pelo mesmo processo de identificação puro e racional; de que todo homem deve ser julgado por aquilo que é e tratado como tal; de que, do mesmo modo como não se paga mais por um pedaço de escória enferrujada do que por um de metal reluzente, assim também não se dá mais valor a um canalha do que a um herói; de que o seu julgamento moral é a moeda que paga os homens por suas virtudes e seus vícios, e esse pagamento exige de vocês uma honra tão escrupulosa quanto a que demonstram nas suas transações financeiras; de que não desprezar os vícios dos homens é um ato de falsificação moral, e não admirar as virtudes humanas é um ato de peculato; de que colocar qualquer outro interesse acima da justiça é desvalorizar a sua moeda moral e fraudar o bem em prol do mal, visto que somente o bem pode sair perdendo quando a justiça é fraudada, e somente o mal pode lucrar – e que o fundo do buraco no fim daquele caminho, o ato de falência moral, é punir os homens por suas virtudes e recompensá-los por seus vícios, que essa é a entrega à depravação total, a Missa Negra do culto à morte, a dedicação da consciência à destruição da existência.<br />“Produtividade é a aceitação da moralidade, o reconhecimento do fato de que vocês optam por viver; de que o trabalho produtivo é o processo por meio do qual a consciência do homem controla sua existência, um processo constante de aquisição de conhecimento, um dar forma à matéria para adequá-la aos objetivos que se tem, um processo de traduzir uma ideia em forma concreta, um refazer da Terra à imagem dos valores que se tem; de que todo trabalho é criativo, se feito por uma mente que pensa, e nenhum trabalho é criativo, se feito por um zero que se repete, num estupor desprovido de pensamento crítico, numa rotina aprendida com outrem; de que o seu trabalho deve ser escolhido por vocês, e as alternativas são tão múltiplas como é vasta a sua mente; de que nada mais lhes é possível e nada menos é humano; de que obter por meios desonestos um emprego acima das capacidades da sua mente é se tornar um macaco corroído pelo medo, que imita os movimentos dos outros e rouba o tempo dos outros, e aceitar um emprego que exige menos do que o máximo da sua capacidade mental é desligar seu motor e se condenar a um outro tipo de movimento: o apodrecimento; de que o seu trabalho é o processo de atingir os seus valores e perder a sua ambição pelos valores é perder a sua ambição de viver; de que seu corpo é uma máquina, mas a sua mente é o motorista, e vocês devem ir tão longe quanto ela puder levá-los, tendo a realização como meta da sua estrada; de que o homem que não tem objetivo é uma máquina que desce uma ladeira descontrolada, à mercê do primeiro pedregulho ou da primeira vala que encontrar; de que o homem que sufoca sua mente é uma máquina emperrada enferrujando aos poucos; de que o homem que deixa que um líder determine seu percurso é um veículo amassado sendo rebocado para o ferro-velho, e o homem que toma outro homem como sua meta é um mochileiro a quem nenhum motorista deve jamais dar carona; de que o seu trabalho é o objetivo da sua vida, e vocês jamais devem parar para qualquer assassino que se arrogue o direito de detê-los; de que qualquer valor que encontrem fora do seu trabalho, qualquer outra causa ou amor, só pode ser um viajante com quem desejem compartilhar sua viagem, dotado do próprio motor e seguindo a mesma direção de vocês.<br />“Orgulho é o reconhecimento do fato de que vocês mesmos são o seu mais elevado valor e, como todo valor, precisa ser merecido; de que, de todas as realizações que vocês podem concretizar, a que torna todas as outras possíveis é a criação do seu caráter; de que o seu caráter, os seus atos, as suas emoções são produtos das premissas da sua mente; de que, assim como o homem tem de produzir os valores físicos de que necessita para se manter vivo, ele também precisa adquirir os valores do caráter que tornam sua vida merecedora de existir; de que, assim como o homem é um ser que cria a própria riqueza, ele também cria a própria alma; de que não tendo consciência automática de seu amor-próprio, ele precisa fazer jus a esse sentimento, moldando sua alma à imagem de seu ideal moral, à imagem do Homem, o ser racional que nasce capaz de criar, porém tem de criar por escolha; de que a primeira precondição do amor-próprio é aquele radiante egoísmo da alma que deseja o que há de melhor em todas as coisas, nos valores da matéria e do espírito, uma alma que busca acima de tudo a conquista de sua própria perfeição moral, não tendo nenhum valor mais alto do que ela própria – e que a prova de que se atingiu o amor-próprio é constatar que a alma estremece de desprezo e rebeldia ante o papel de animal oferecido em sacrifício, ante a vil impertinência de qualquer doutrina que proponha imolar o valor insubstituível que é a sua consciência, e a glória incomparável que é a sua existência, em prol das evasivas cegas, da decadência e estagnação de outrem.<br />“Estão começando a ver quem é John Galt? Sou o homem que fez jus àquilo pelo qual vocês não lutaram, à coisa a que renunciaram, que traíram, corromperam, porém não conseguiram destruir totalmente, e que agora vocês escondem como seu segredo culposo, tendo que viver se desculpando para todo canibal profissional, para que ninguém descubra que, no âmago do ser, vocês ainda desejam dizer o que agora estou dizendo para toda a humanidade: me orgulho de meu valor e do fato de que quero viver.<br />“Esse desejo – que vocês têm, porém escondem por julgá-lo mau – é o único vestígio de bem que há em vocês, porém é preciso aprender a merecê-lo. O único objetivo moral do homem é a própria felicidade, mas apenas a própria virtude pode atingi-la. A virtude não é um fim em si. Ela não é sua própria recompensa, nem um sacrifício em prol do mal. A vida é a recompensa da virtude – e a felicidade é o objetivo e a recompensa da vida.<br />“Assim como seu corpo experimenta duas sensações fundamentais, o prazer e a dor, como sinais de que está bem ou mal, barômetro que indica suas alternativas básicas, vida ou morte, a sua consciência também conhece duas emoções fundamentais, alegria e sofrimento, como resposta às mesmas alternativas. Suas emoções são estimativas daquilo que fomenta sua vida ou a ameaça, calculadoras instantâneas que lhes dão o resultado de seu lucro ou de seu prejuízo. Vocês não têm escolha quanto à sua capacidade de sentir que algo é bom ou mau para vocês, mas o que vão considerar bom ou mau, o que lhes dará prazer ou dor, o que lhes inspirará amor ou ódio, desejo ou medo depende do seu padrão de valor. As emoções são inerentes à sua natureza, porém seu conteúdo é ditado por sua mente. Sua capacidade emocional é um motor vazio e seus valores são o combustível com o qual sua mente o enche.<br />Se vocês escolhem uma mistura de contradições, seu motor ficará entupido, a transmissão será corroída e vocês serão destroçados na sua primeira tentativa de andar numa máquina que foi corrompida pelo próprio motorista, que são vocês.<br />“Se vocês tomam o irracional como padrão de valor e o impossível como conceito do que é bom, se desejam recompensas que não merecem ganhar, uma fortuna ou um amor que não merecem, uma falha na lei da causalidade, um A que se torne não A a seu bel-prazer, se desejam o contrário da existência, vocês o obterão. Não exclamem, então, que a vida é frustração e a felicidade é impossível para o homem; verifiquem seu combustível: ele os levou aonde vocês queriam chegar.<br />“A felicidade não se atinge por meio de caprichos emocionais. Ela não é a satisfação de todo e qualquer desejo irracional que vocês tentem satisfazer às cegas. Felicidade é um estado de alegria não contraditória – uma alegria sem castigo nem culpa, que não entra em conflito com nenhum dos seus valores e não contribui para sua própria destruição –, não o prazer proporcionado pela fuga da sua consciência, e sim pela utilização plena dessa consciência; não o prazer de falsear a realidade, e sim o de atingir valores que são reais; não o prazer de um bêbado, e sim o de um produtor. A felicidade só pode ser atingida por um homem racional, o que não deseja objetivos que não sejam racionais, que não busca nada senão valores racionais, que só encontra prazer e alegria em atos racionais.<br />“Do mesmo modo que sustento minha vida não por meio do roubo nem de esmolas, e sim por meu próprio esforço, também não tento basear minha felicidade na desgraça dos outros nem nos favores que os outros me concedam, porém a ela faço jus por minhas realizações. Do mesmo modo que não considero o prazer dos outros o objetivo da minha vida, também não considero o meu prazer o objetivo das vidas dos outros. Assim como não há contradições nos meus valores nem conflitos nos meus desejos, também não há vítimas nem conflitos de interesse entre homens racionais, que não desejam o imerecido nem se encaram uns aos outros com uma volúpia de canibal, homens que nem fazem sacrifícios nem os aceitam.<br />“O símbolo de todos os relacionamentos entre tais homens, o símbolo moral do respeito pelos seres humanos, é o comerciante. Nós, que vivemos dos valores e não do saque, somos comerciantes, tanto na matéria quanto no espírito. O comerciante é o homem que faz jus àquilo que recebe e não dá nem toma para si o que é imerecido. O comerciante não pede que lhe paguem por seus fracassos, nem que o amem por seus defeitos. Ele não desperdiça seu corpo como sacrifício nem sua alma como esmola. Do mesmo modo que ele só dá seu trabalho em troca de valores materiais, ele também só dá seu espírito – seu amor, sua amizade, sua estima – em pagamento e em troca de virtudes humanas, em pagamento de seu próprio prazer egoísta, que recebe de homens merecedores de seu respeito. Os parasitas místicos que, em todas as eras, insultaram o comerciante e o desprezaram, ao mesmo tempo que honraram os mendigos e os saqueadores, sempre souberam o motivo secreto de sua zombaria: o comerciante é a entidade que eles temem – o homem justo.<br />“Vocês me perguntam: que obrigação moral eu tenho para com meus semelhantes? Nenhuma, senão aquela que devo a mim mesmo, aos objetos materiais e a toda a existência: a racionalidade. Trato os homens como requerem minha natureza e as exigências deles: por meio da razão. Não busco nem desejo nada deles senão os relacionamentos nos quais eles escolham entrar por livre e espontânea vontade. Só sei lidar com suas mentes – e assim mesmo quando isso é do meu interesse – quando eles veem que meu interesse coincide com o deles. Quando isso não acontece, não entro em relação nenhuma. Quem discordar de mim que siga o seu caminho, que eu não me desvio do meu. Só venço por meio da lógica, e só a ela me rendo. Não abro mão da minha razão, nem lido com homens que abrem mão da sua. Nada tenho a ganhar com idiotas e covardes; não tento ganhar nada dos vícios humanos: a estupidez, a desonestidade, o medo. O único valor que os homens podem me oferecer é o produto de sua mente.<br />Quando discordo de um homem racional, deixo que a realidade seja nosso árbitro final. Se eu estiver certo, ele aprenderá; se eu estiver errado, aprenderei; um de nós ganhará, porém nós dois lucraremos.<br />“Tudo está aberto à discordância, menos um ato mau, o ato que homem nenhum pode cometer contra os outros, aprovar nem perdoar. Enquanto os homens quiserem viver em comunidade, nenhum homem pode tomar a iniciativa – estão me ouvindo? –, nenhum homem pode tomar a iniciativa de usar a força física contra os outros.<br />“Interpor a ameaça da destruição física entre um homem e sua percepção da realidade é negar e paralisar seu meio de sobrevivência. Forçá-lo a agir contra seu discernimento é como forçá-lo a agir contra a própria visão. Todo aquele que, com qualquer objetivo e em qualquer grau, tome a iniciativa de lançar mão da força, é um assassino que parte da premissa da morte, mais ainda do que o assassino propriamente dito: a premissa de destruir a capacidade de viver do homem.<br />“Não venham me dizer que sua mente os convenceu de que vocês têm o direito de forçar minha mente. A força e a mente são coisas opostas. A moralidade termina onde começa a forma da arma.<br />Quando vocês afirmam que os homens são animais irracionais e se propõem a tratá-los como tais, definem desse modo o próprio caráter e não podem mais invocar o argumento da razão – como também não podem fazê-lo todos aqueles que defendem contradições. Não pode existir um ‘direito’ de destruir a origem dos direitos, o único meio de julgar o que é certo e o que é errado é a mente.<br />“Forçar um homem a abrir mão da própria mente e aceitar, em troca, a vontade de outro, usando, para chegar a esse fim, uma arma em vez de um silogismo, o terror em vez da demonstração, tendo a morte como argumento final, é tentar existir desafiando a realidade. A realidade exige do homem que ele aja em prol de seus próprios interesses racionais. A arma que vocês lhe apontam vai exigir que ele aja contra seus interesses. A realidade ameaça o homem de morte se ele não agir com base no próprio discernimento racional; vocês o ameaçam de morte se ele agir com base no discernimento moral dele.<br />Vocês o colocam num mundo em que o preço da vida dele é a desistência de todas as virtudes exigidas pela vida; e a morte, por um processo de destruição gradual, é tudo o que vocês e seu sistema conseguirão atingir, pois fazem da morte o poder reinante, o argumento decisivo numa sociedade humana.<br />“O ultimato dado pelo ladrão ao viajante: ‘A bolsa ou a vida’, ou o que o político dá a uma nação: ‘A instrução de seus filhos ou a vida’, têm o mesmo significado, que sempre é: ‘A sua mente ou a vida’ – e uma coisa não é possível sem a outra.<br />“Se existem graus de maldade, é difícil dizer quem é mais desprezível: o facínora que se arroga o direito de forçar a mente do outro ou o degenerado que concede ao outro o direito de forçar sua mente.<br />Esse é o absoluto moral que não está em discussão. Não dou razão àqueles que se propõem a me privar da razão. Não entro em discussão com aqueles que acham que podem me proibir de pensar. Não dou minha aprovação moral ao assassino que deseja me matar. Quando um homem tenta lidar comigo por meio da força, eu revido através da força.<br />“É apenas como retaliação que a força pode ser usada – e somente contra a pessoa que foi a primeira a usá-la. Não, não compartilho da maldade dela nem me rebaixo ao seu conceito de moralidade. Apenas lhe concedo sua escolha, a destruição, a única destruição que ela tinha o direito de escolher: a dela mesma. Ela usa a força para se apossar de um valor; eu a uso apenas para destruir a destruição. O assaltante tenta enriquecer me matando; eu não me torno mais rico quando mato o assaltante. Não busco valores por meio do mal, nem submeto meus valores ao mal.<br />“Em nome de todos aqueles que produzem, graças a quem vocês estão vivos, e que, em pagamento, receberam de vocês o ultimato da morte, eu agora revido com um único ultimato, que é o nosso: ‘Nosso trabalho ou suas armas.’ Vocês podem escolher uma coisa ou outra, mas não as duas. Não tomamos a iniciativa de usar da força contra os outros nem nos submetemos àqueles que usam da força contra nós.<br />Se vocês querem voltar a viver numa sociedade industrial, terão que fazê-lo segundo as nossas condições morais. Nossas condições e nossas premissas são a antítese das suas. Vocês vêm utilizando o medo como arma e trazendo a morte aos homens para puni-los por terem rejeitado a moralidade de vocês. Nós oferecemos a eles a vida como recompensa por aceitarem a nossa.<br />“Vocês que cultuam o zero jamais descobriram que realizar a vida não é equivalente a evitar a morte.<br />O prazer não é ‘a ausência da dor’, a inteligência não é ‘a ausência da estupidez’, a luz não é ‘a ausência da escuridão’, uma entidade não é ‘a ausência de uma nulidade’. Construir não é coisa que se realize simplesmente pelo fato de não demolir. Não adianta passar séculos parado, sem demolir: nem sequer uma viga se erguerá. E agora vocês não podem mais dizer a mim, o produtor: ‘Produza e nos alimente, que em troca nós não destruiremos sua produção’, pois eu responderei, em nome de todas as vítimas que vocês fizeram: ‘Morram com seu próprio vazio.’ A existência não é uma negação de negações. O mal, e não o valor, é que é uma ausência e uma negação; o mal é impotente e só dispõe do poder que lhe permitimos arrancar de nós. Morram, porque aprendemos que um zero não pode hipotecar a vida.<br />“Vocês querem se esquivar da dor. Nós queremos atingir a felicidade. Vocês existem para evitar o castigo. Nós existimos para fazer jus a recompensas. As ameaças não nos farão trabalhar, o medo não é nosso incentivo. Não queremos evitar a morte, e sim viver.<br />“Vocês, que perderam a noção dessa diferença, que afirmam que medo e prazer são incentivos igualmente poderosos – e acrescentam, em voz baixa, que o medo é mais ‘prático’ –, vocês não querem viver, e apenas o medo da morte ainda os faz se ater à vida que amaldiçoaram. Vocês fogem, em pânico, correm por dentro da armadilha de seus dias, procurando a saída que fecharam, fugindo de um perseguidor que não ousam identificar, em direção a um terror que não ousam assumir, e quanto maior o terror, mais vocês temem o único ato que poderia salvá-los: o de pensar. O objetivo da sua luta é não saber, não apreender o nome daquilo que agora vou dizer bem claramente a vocês: a sua moralidade, a moralidade da morte.<br />“A morte é o padrão dos seus valores, a morte é seu objetivo escolhido, e vocês são obrigados a viver correndo, visto que não há como fugir do perseguidor que quer destruí-los, nem da consciência de que o perseguidor são vocês mesmos. Parem de correr, agora – não há mais um lugar para onde vocês possam correr. Desnudem-se, coisa que temem fazer, porém é assim, nus, que eu os vejo, e olhem para isso que vocês ousaram chamar de código moral.<br />“A maldição é o princípio da sua moralidade, a destruição é seu objetivo, meio e fim. Seu código começa amaldiçoando o homem por ser mau, depois exige que ele pratique o bem, que é definido como algo impossível de ser praticado por ele. Como primeira prova de virtude, o código exige que o homem aceite a depravação sem provas. Exige que ele parta não de um padrão de valor, e sim de um padrão de mal, que é o próprio homem, por meio do qual ele terá então de definir o bem, que é aquilo que ele não é.<br />“Não importa quem venha a lucrar com a renúncia da glória do homem e com sua alma<br />atormentada, se um Deus místico com algum desígnio incompreensível ou se um indivíduo qualquer cujas feridas pustulentas, por algum motivo incompreensível, imponham obrigações ao homem. O bem não é coisa que o homem possa compreender – seu dever é aceitar com humildade anos de penitência, expiando a culpa de sua existência para qualquer cobrador de dívidas ininteligíveis, tendo como único conceito de valor o zero: o bem é aquilo que é não humano.<br />“O nome desse absurdo monstruoso é pecado original.<br />“Um pecado que careça de poder de escolha é um atentado à moralidade e uma contradição insolente: aquilo que está fora do âmbito da escolha está fora do domínio da moralidade. Se o homem é mau de nascimento, ele não tem vontade, nem tem o poder de alterar sua condição. E, se ele não tem vontade, não pode ser bom nem mau. Um robô é amoral. Considerar pecado humano algo que não depende de sua escolha é escarnecer da moralidade. Considerar a natureza do homem um pecado é escarnecer da natureza. Puni-lo por um crime que ele cometeu antes de nascer é escarnecer da justiça.<br />Considerá-lo culpado de algo em que não existe a possibilidade de inocência é escarnecer da razão.<br />Destruir a moralidade, a natureza, a justiça e a razão por meio de um único conceito é um ato de maldade difícil de ser igualado. No entanto, é essa a base do seu código moral.<br />“Não se escondam por trás da evasiva covarde de que o homem nasce dotado do livre-arbítrio, porém com uma tendência ao mal. Livre-arbítrio dotado de tendência é um jogo com cartas marcadas que força o homem a ter o trabalho de jogar, a arcar com a responsabilidade do jogo e a pagar por ele, porém a decisão já favorece previamente uma tendência da qual ele não pode escapar. Se a tendência é escolha sua, ele não pode possuí-la de nascença. Se não é escolha sua, então ele não tem livre-arbítrio.<br />“Qual a natureza da culpa que seus mestres denominam pecado original? Quais os males adquiridos pelo homem quando ele decaiu de um estado por eles considerado perfeito? Segundo o mito, o homem comeu do fruto da árvore da ciência – ele adquiriu uma mente e se tornou um ser racional. Essa ciência era o conhecimento do bem e do mal – ele, então, se tornou um ser moral. Foi condenado a ter de ganhar o pão por meio do trabalho – e assim se tornou um ser produtivo. Foi condenado a experimentar o desejo – e assim adquiriu a capacidade do prazer sexual. Os males pelos quais seus mestres amaldiçoam o homem são a razão, a moralidade, a criatividade e o prazer – todas as virtudes cardeais da sua existência. O mito da queda do homem não visa explicar nem condenar os vícios do homem, não considera seus erros sua culpa. Ele condena, sim, a essência de sua natureza de homem. Fosse ele o que fosse, aquele robô do Jardim do Éden, que existia sem mente, sem valores, sem trabalho, sem amor, não era homem.<br />“A queda do homem, segundo seus mestres, consistiu na aquisição das virtudes necessárias à existência. Estas, segundo os padrões deles, constituem o pecado do homem. O mal do homem – acusam eles – é o fato de ele ser homem. Sua culpa – segundo eles – é estar vivo.<br />“É essa, para eles, a moralidade da misericórdia, a doutrina do amor ao homem.<br />“Eles argumentam que não estão dizendo que o homem é mau – o mal está apenas naquele objeto alheio: o corpo do homem. Não, não querem matar o homem, apenas fazê-lo perder seu corpo. Querem aliviar sua dor e apontam para o instrumento de tortura ao qual o amarraram: as duas rodas que o puxam em sentidos opostos, a doutrina que separa a alma do corpo.<br />“Cortaram o homem em dois e opuseram uma das metades à outra. Ensinaram-lhe que seu corpo e sua consciência são dois inimigos envolvidos num conflito mortal, dois antagonistas de naturezas opostas, com exigências contraditórias, necessidades incompatíveis. Ensinaram-lhe que beneficiar um é prejudicar o outro, que a alma pertence a uma esfera sobrenatural, mas o corpo é uma prisão nefasta que o acorrenta a esta Terra – e que o bem consiste em vencer seu corpo, miná-lo por meio de anos de luta paciente, escavando um túnel que permitirá a fuga gloriosa para a liberdade do túmulo.<br />“Ensinaram ao homem que ele é um desajustado irrecuperável composto de dois elementos, ambos símbolos da morte. Um corpo sem alma é um cadáver; uma alma sem corpo é um fantasma. Porém é esta a imagem que fazem da natureza humana: um campo de batalha no qual lutam um cadáver e um fantasma – um cadáver dotado de uma vontade malévola e um fantasma dotado da concepção de que tudo o que o homem conhece é inexistente, que apenas o incognoscível existe.<br />“Vocês compreendem qual a faculdade humana que essa doutrina foi feita para ignorar? Era a mente do homem que tinha de ser negada, para que ele não pudesse se sustentar. Ao abrir mão da razão, ele ficava à mercê de dois monstros além de seu entendimento e fora de seu controle: ao capricho de um corpo movido por instintos inexplicáveis e de uma alma movida por revelações místicas. Ele se tornava a vítima passiva de uma batalha entre um robô e um ditafone.<br />“E agora que ele rasteja por entre os destroços, tentando às cegas encontrar uma maneira de viver, seus mestres lhe oferecem como ajuda uma moralidade a qual proclama que ele não encontrará nenhuma solução e que não deve procurar nenhuma realização na Terra. A existência verdadeira, dizem-lhe, é aquela que não pode perceber. A verdadeira consciência é a faculdade de perceber o não existente – e o fato de ele não conseguir compreender isso passa a ser a prova de que sua existência é má e de que sua consciência é impotente.<br />“Como produtos da separação entre a alma e o corpo, há dois tipos de mestres da moralidade da morte: os místicos de espírito e os místicos dos músculos, a quem vocês chamam de espiritualistas e materialistas, os que acreditam na consciência sem existência e os que acreditam em existência sem consciência. Ambos exigem que vocês abram mão de sua mente, uns em troca de revelações, os outros em troca de reflexos – revelações deles, reflexos deles. Por mais que proclamem um suposto antagonismo irreconciliável entre suas posições, seus códigos morais são semelhantes, como também são semelhantes seus objetivos: na matéria, a escravização do corpo do homem; no espírito, a destruição de sua mente.<br />“O bem, dizem os místicos do espírito, é Deus, um ser cuja única definição é estar além do poder de concepção do homem – definição essa que invalida a consciência do homem e anula seus conceitos de existência. O bem, dizem os místicos dos músculos, é a sociedade – algo que definem como um organismo que não possui forma física, um superser que não se concretiza em nenhum indivíduo específico e sim em todos em geral, mas nunca em vocês. A mente do homem, dizem os místicos do espírito, deve se subordinar à vontade de Deus. O padrão de valor do homem, dizem os místicos do espírito, é o bel-prazer de Deus, cujos padrões estão além do poder de compreensão humano e têm de ser aceitos pela fé. O padrão de valor do homem, dizem os místicos dos músculos, é o bel-prazer da sociedade, cujos padrões estão além do direito de julgar do homem e têm de ser obedecidos como um absoluto. O objetivo da vida do homem, dizem ambos, é se tornar um zumbi abjeto que serve um objetivo que ele desconhece, por motivos que não pode questionar. Sua recompensa, dizem os místicos do espírito, lhe será dada após a morte. Sua recompensa, dizem os místicos dos músculos, será dada aqui mesmo na Terra – a seus bisnetos.<br />“O egoísmo, dizem ambos, é o mal do homem. O bem do homem, dizem ambos, é abrir mão de seus desejos individuais, negar a si próprio, renunciar a si próprio, render-se. O bem do homem é negar a vida que ele vive. O sacrifício, exclamam ambos, é a essência da moralidade, a mais elevada virtude ao alcance do homem.<br />“Todo aquele que está agora ao alcance da minha voz, que seja vítima e não assassino, está me ouvindo falar ao pé do leito de morte de sua mente, a um passo daquele abismo negro no qual agora estão se afogando, e, se ainda resta em vocês o poder de lutar para não perderem os últimos vestígios daquilo que tinham como seu, usem-no agora. A palavra que os destruiu é sacrifício. Usem o que resta da sua força para entenderem o significado dessa palavra. Vocês ainda estão vivos. Ainda têm uma chance.<br />“‘Sacrifício’ não significa rejeitar o que não tem valor, e sim o que é precioso. ‘Sacrifício’ não significa rejeitar o mal em prol do bem, e sim o bem em prol do mal. ‘Sacrifício’ é abrir mão daquilo a que vocês dão valor em favor daquilo a que não dão valor.<br />“Se vocês trocam um centavo por um dólar, isso não é sacrifício; se trocam um dólar por um centavo, isso é sacrifício. Se alcançam a carreira que sempre quiseram após anos de esforço, isso não é sacrifício; se renunciam a ela em favor de um rival, isso é sacrifício. Se vocês têm uma garrafa de leite e a dão para seu filho que está morrendo de fome, isso não é sacrifício; se a dão para o filho do seu vizinho e deixam o seu filho morrer, isso é sacrifício.<br />“Se dão dinheiro a um amigo para ajudá-lo, isso não é sacrifício; se dão dinheiro a um estranho que não vale nada, isso é sacrifício. Se dão ao seu amigo uma quantia que não vai lhes fazer muito falta, isso não é sacrifício; se a quantia que dão é tal que vão passar por certa dificuldade, então isso só é um ato virtuoso até certo ponto, segundo esse tipo de padrão moral; se o dinheiro que dão vai lhes causar uma verdadeira catástrofe – isso, sim, é a verdadeira virtude do sacrifício.<br />“Se vocês renunciam a todos os desejos pessoais e dedicam a sua vida àqueles que amam, isso ainda não é a virtude completa – vocês ainda se apegam a um valor seu, o seu amor. Se dedicam sua vida a pessoas que nem conhecem, isso é um ato mais virtuoso. Se dedicam sua vida a homens que detestam, esse é o ato mais virtuoso que podem praticar.<br />“Sacrificar-se é abrir mão de um valor. O sacrifício integral é abrir mão inteiramente de todos os valores. Se vocês querem chegar à virtude integral, não podem almejar nenhuma gratidão em troca de seu sacrifício, nenhum elogio, nenhum amor, nenhuma admiração, nenhum amor-próprio, nem mesmo o orgulho de se sentirem virtuosos, porque o menor sinal de lucro dilui a sua virtude. Se vocês optam por uma forma de vida que não macule a sua com nenhum prazer, que não lhe traga nenhum valor material nem espiritual, nenhum lucro, nenhuma recompensa – se atingem esse estado de zero total, atingem o ideal da perfeição moral.<br />“Dizem-lhes que a perfeição moral é inatingível para o homem – e, segundo esse padrão, é verdade.<br />Vocês não poderão atingi-la em toda a sua vida, porém o valor da sua vida e da sua pessoa é medido em função de quanto conseguem se aproximar daquele zero ideal, que é a morte.<br />“Se, porém, vocês partirem de uma ausência de sentimentos, da posição de um legume que pede para ser comido, sem valores para rejeitar e sem desejos para renunciar, não conquistarão a coroa do sacrifício. Não é sacrifício rejeitar aquilo que não se quer. Não é sacrifício dar a sua vida pelos outros, se a morte é o seu desejo pessoal. Para atingir a virtude do sacrifício, é preciso querer viver, é preciso amar a vida, arder de paixão por este mundo e por todos os esplendores que ele lhes pode proporcionar – é preciso sentir cada volta da faca que lhes corta fora os desejos e lhes arranca do corpo o seu amor. Não é apenas a morte que a moralidade do sacrifício lhes propõe como ideal, e sim a morte por tortura lenta.<br />“Não venham me dizer que isso só diz respeito à vida neste mundo. É a única vida que me interessa.<br />A mim e a vocês.<br />“Se vocês querem salvar os últimos vestígios de sua dignidade, não chamem suas melhores ações de ‘sacrifícios’ – essa palavra os rotula de imorais. Se uma mãe compra comida para seu filho que tem fome em vez de um chapéu para si própria, isso não é sacrifício: ela dá mais valor ao filho do que ao chapéu.<br />Porém isso é um sacrifício para o tipo de mãe que dá mais valor ao chapéu, que preferia ver o próprio filho morrer de fome, e só lhe dá comida por obrigação. Se um homem morre lutando pela própria liberdade, isso não é sacrifício – ele não está disposto a viver como escravo. Porém isso é um sacrifício para o tipo de homem que está disposto a viver como escravo. Se um homem se recusa a vender suas convicções, isso não é um sacrifício, a menos que ele seja o tipo de homem que não tem convicções.<br />“O sacrifício só pode ser conveniente para os que nada têm a sacrificar – nem valores, nem padrões, nem discernimento –, aqueles cujos desejos são caprichos irracionais, concebidos às cegas; é, portanto, fácil abrir mão deles. Para um homem de estatura moral, cujos desejos provêm de valores racionais, o sacrifício implica abrir mão do certo em prol do errado, do bem em favor do mal.<br />“A doutrina do sacrifício é uma moralidade para o imoral – uma moralidade que admite sua própria falência quando confessa que não pode conferir aos homens nenhum interesse pessoal nas virtudes e nos valores, e que suas almas são valas imundas de depravação, que cabe a eles aprender a sacrificar. Ela própria admite que não consegue ensinar aos homens a serem bons e pode apenas submetê-los a castigos constantes.<br />“Estarão vocês pensando, num estupor confuso, que a sua moralidade só lhes exige o sacrifício dos valores materiais? E o que é que vocês pensam que os valores materiais sejam? A matéria só tem valor como meio de satisfazer os desejos humanos. A matéria é apenas um instrumento dos valores humanos.<br />A serviço de quê lhes pedem que entreguem os instrumentos materiais que a sua virtude produziu? A serviço daquilo que vocês consideram mau: de um princípio em que não acreditam, de uma pessoa que não respeitam, da realização de um objetivo que se opõe ao seu – caso contrário, a sua dádiva não é um sacrifício.<br />“A sua moralidade lhes diz que vocês devem renunciar ao mundo material e divorciar os seus valores da matéria. O homem cujos valores não se exprimem em uma forma material, cuja existência nenhuma relação tem com seus ideais, cujos atos contradizem as suas convicções, não passa de um hipócrita barato – porém é esse o homem que obedece à sua moralidade e divorcia seus valores da matéria. Os homens que amam uma mulher, porém dormem com outra; os homens que admiram o talento de um trabalhador, porém contratam outro; os homens que consideram uma causa justa, porém fazem doações a uma outra; os homens que têm altos padrões de criação, porém só produzem porcarias – são esses os homens que renunciaram à matéria, os homens que acreditam que os valores de seu espírito não podem ser concretizados em termos de realidade material.<br />“Vocês afirmam que tais homens renunciaram ao espírito? É claro que sim. Não se pode ter uma coisa sem a outra. O homem é uma entidade indivisível de matéria e consciência. Quem renuncia à sua consciência se torna um ser irracional. Quem renuncia a seu corpo se torna um hipócrita. Quem renuncia ao mundo material o entrega ao mal.<br />“E é precisamente esse o objetivo da sua moralidade, o dever que o seu código moral exige de vocês.<br />Dar àquilo que não se ama, servir ao que não se admira, submeter-se ao que se considera mau – entregar o mundo aos valores dos outros, negar, rejeitar, renunciar a seu eu. Seu eu é a sua mente; quem renuncia a ela se torna um pedaço de carne pronto para ser engolido pelo primeiro canibal que passar.<br />“É à sua mente que eles querem que vocês renunciem, todos os que pregam a doutrina do sacrifício, quaisquer que sejam os rótulos que atribuam ou os objetivos que proclamem. Tanto faz se exigem isso de vocês para conquistar suas almas ou seus corpos, se lhes prometem uma outra vida no céu ou a barriga cheia neste mundo. Aqueles que começam dizendo ‘É egoísmo buscar satisfazer seus próprios desejos, é necessário sacrificá-los aos desejos dos outros’ terminam afirmando ‘É egoísmo se ater às suas convicções, é necessário sacrificá-las às convicções dos outros’.<br />“É bem verdade que a coisa mais egoísta que há é a mente independente que não reconhece nenhuma autoridade mais elevada do que a sua própria, nenhum valor mais elevado do que seu critério de verdade. Pedem a vocês que sacrifiquem sua integridade intelectual, sua lógica, sua razão, seu padrão de verdade – para se tornarem prostitutos cujo padrão é o máximo de bem para o maior número de pessoas.<br />“Se vocês procurarem, no seu código moral, uma resposta à pergunta ‘O que é o bem?’, a única resposta que encontrarão será: ‘O bem dos outros.’ O bem é tudo aquilo que os outros desejam, tudo aquilo que vocês acreditam que eles acham que desejam, ou tudo o que acham que eles deviam achar. ‘O bem dos outros’ é uma fórmula mágica que transforma qualquer coisa em ouro, uma fórmula a ser recitada como garantia de glória moral que redime qualquer ato, até mesmo o massacre de todo um continente. O seu padrão de virtude não é um objeto, nem um ato, nem um princípio, mas uma intenção. Vocês não precisam de provas, nem razões, nem sucesso, não precisam realizar concretamente o bem dos outros – basta saber que o que os motivou foi o bem dos outros, não o seu. A sua única definição de bem é uma negação: o bem é o ‘não bom para mim’.<br />“O seu código moral, que afirma defender valores morais eternos, absolutos e objetivos e despreza o condicional, o relativo e o subjetivo – o seu código propõe como absoluta a seguinte regra de conduta moral: se vocês desejam algo, isso é mau; se os outros desejam algo, isso é bom; se a motivação de seu ato é o seu bem-estar, não o realizem; se a motivação é o bem-estar dos outros, então vale tudo.<br />“Do mesmo modo que essa moralidade de duplo padrão divide o indivíduo ao meio, ela divide a humanidade em duas hostes inimigas: de um lado, vocês; do outro, o restante da humanidade. Vocês são os únicos degredados que não têm direito de desejar nem de viver. Vocês são os únicos servos; os outros são os senhores. Vocês são os únicos que dão; os outros só tomam. Vocês são os eternos devedores; os outros são os credores que nunca conseguirão satisfazer. Vocês não podem questionar o direito deles de lhes cobrar um sacrifício, nem a natureza de seus desejos e necessidades: esse direito é conferido a eles por uma negativa, o fato de que eles são ‘não vocês’.<br />“Para aqueles que poderiam se aventurar a fazer perguntas, o código contém um prêmio de consolação, uma armadilha: é para a própria felicidade que vocês têm que servir à felicidade dos outros.<br />A única maneira de se ter prazer é ceder aos outros, a única maneira de conquistar a prosperidade é abrir mão da sua riqueza em favor dos outros. A única maneira de proteger sua vida é proteger todos os homens, menos vocês mesmos – e, se isso não lhes dá prazer, é por culpa sua, e prova que vocês são maus. Se fossem bons, encontrariam felicidade em servir banquetes aos outros e veriam dignidade em se alimentar apenas das migalhas que eles houverem por bem jogar para vocês.<br />“Vocês, que não têm nenhum padrão de amor-próprio, aceitem a culpa e não ousem fazer perguntas.<br />Mas sabem qual é a resposta não admitida e se recusam a admitir o que veem, a admitir que seu mundo é regido pelas premissas ocultas. Vocês sabem, embora não o admitam honestamente e sintam um vago mal-estar obscuro dentro de si próprios, no momento em que oscilam entre transgredir cheios de culpa e praticar de má vontade um princípio malévolo demais para ser explicitado.<br />“Eu, que não aceito o imerecido, nem quando se trata de valores nem quando se trata de culpa, estou aqui para fazer as perguntas que vocês evitam fazer. Por que é moralmente correto servir à felicidade alheia, mas não à sua própria? Se o prazer é um valor, por que ele é moralmente aceitável quando experimentado pelos outros, porém imoral quando experimentado por vocês? Se a sensação de comer um bolo é um valor, por que é um ato imoral de gula para o seu estômago, porém um objetivo moral a ser atingido para o estômago dos outros? Por que desejar é imoral para vocês, mas não o é para os outros? Por que é imoral produzir um valor e ficar com ele, mas não o é dá-lo aos outros? E, se é imoral para vocês ficar com um valor, por que não é imoral para os outros aceitá-lo? Se vocês são altruístas e virtuosos quando o dão, eles não serão egoístas e maus quando o aceitam? Então a virtude consiste em servir o vício? Então o objetivo moral dos bons é se imolar em benefício dos maus?<br />“A resposta monstruosa de que vocês se esquivam é: ‘Não, os que recebem não são maus, desde que não mereçam o valor que lhes deram. Não é imoral para eles aceitar a dádiva, desde que eles sejam incapazes de produzi-la, incapazes de merecê-la, incapazes de lhes dar algo em troca. Não é imoral para eles encontrar prazer nela, desde que eles não a obtenham por direito.’<br />“É este o código secreto da sua doutrina, a outra metade do seu padrão duplo: é imoral viver do próprio trabalho, mas é direito viver do trabalho dos outros. É imoral consumir o próprio produto, porém é direito consumir os produtos dos outros. É imoral fazer jus a uma coisa, mas é direito obter algo que não se mereceu. Os parasitas justificam moralmente a existência dos produtores, mas a existência dos parasitas é um fim em si – é mau lucrar com as próprias realizações, mas é bom lucrar com o sacrifício alheio. É mau criar a própria felicidade, mas é bom gozá-la quando o preço dela é o sangue dos outros.<br />“O seu código divide a humanidade em duas castas e lhes ordena que vivam segundo regras opostas: os que podem desejar qualquer coisa e os que não podem desejar nada; os escolhidos e os malditos; os carregadores e os carregados; os comedores e os comidos. Que padrão determina a sua casta? Que chave mestra lhes permite o ingresso na elite moral? A chave mestra é a falta de valor.<br />“Qualquer que seja o valor em questão, é a sua falta de valor que lhes dá o direito de cobrar daqueles que não têm essa falta. É a sua necessidade que lhes dá o direito de cobrar recompensas. Se vocês são capazes de satisfazer as suas necessidades, sua capacidade anula seu direito de satisfazê-las. Mas uma necessidade que vocês sejam incapazes de satisfazer lhes confere o direito de se colocarem acima das vidas da humanidade.<br />“Se vocês têm êxito, todo aquele que fracassa é seu senhor; se fracassam, todo aquele que tem êxito é seu servo. Seja seu fracasso justo ou não, sejam seus desejos racionais ou não, seja a sua infelicidade imerecida ou consequência de seus vícios, é a infelicidade que lhes dá o direito de ter recompensas. É a dor, qualquer que seja sua causa ou natureza – a dor como absoluto fundamental –, que lhes permite hipotecar toda a existência.<br />“Se vocês conseguem dar fim à sua dor pelo próprio esforço, não obtêm nenhum reconhecimento moral: o seu código despreza seu ato por ser motivado por interesse próprio. Qualquer valor que tentem adquirir, seja riqueza, alimento, amor ou direitos, se vocês o adquirem por meio da sua virtude, o seu código não considera isso uma conquista moral: vocês não causam prejuízo a ninguém, é apenas uma transação comercial, não uma esmola; um pagamento, não um sacrifício. O merecido faz parte da esfera do egoísmo, do comércio, do lucro mútuo; é apenas o imerecido que exige aquela transação moral que consiste em lucro para um e desastre para o outro. Exigir recompensas para a sua virtude é egoísta e imoral; é a sua falta de virtude que transforma sua exigência em direito moral.<br />“Uma moralidade que acredita que uma necessidade confere um direito tem como padrão de valor um vácuo – a não existência. Ela valoriza uma ausência, um defeito: fraqueza, incapacidade, incompetência, sofrimento, doença, desastre, falta, defeito, falha – o zero.<br />“Quem é que paga os que se arrogam esse direito? Aqueles que são amaldiçoados por serem não zeros, na medida em que se afastam desse ideal. Como todos os valores são produtos de virtudes, o grau da sua virtude é usado como medida do seu castigo e o grau dos seus defeitos é usado como medida do seu lucro. O seu código afirma que o homem racional deve se sacrificar em prol do irracional; o independente, do parasita; o honesto, do desonesto; o justo, do injusto; o produtivo, do ladrão e do vagabundo; o íntegro, do calhorda sem princípios; o que tem amor-próprio, do neurótico lamuriento.<br />Vocês se espantam ao ver tanta mesquinharia ao seu redor? O homem que aceita essas virtudes não aceita o código moral de vocês; o que aceita o código moral de vocês não alcança essas virtudes.<br />“Numa moralidade do sacrifício, o primeiro valor sacrificado é a moralidade; o seguinte é o amor próprio.<br />Quando a necessidade é o padrão, todo homem é ao mesmo tempo vítima e parasita. Como vítima, ele precisa trabalhar para satisfazer as necessidades dos outros, colocando a si próprio na posição de parasita cujas necessidades devem ser satisfeitas por outrem. Ele só pode interagir com seus semelhantes adotando um ou outro papel vergonhoso: é ao mesmo tempo mendigo e otário.<br />“Temem o homem que tem um dólar a menos que vocês; aquele dólar, por direito, é dele, que os faz sentirem-se como defraudadores morais. Vocês odeiam o homem que tem um dólar a mais que vocês; aquele dólar é de vocês por direito, ele os faz sentirem-se como vítimas de uma fraude moral. O homem abaixo é uma fonte de culpa; o homem acima, de frustração. Vocês não sabem de que abrir mão e o que exigir, ignoram quando dar e quando agarrar, qual dos prazeres da vida é seu de direito e que dívida para com os outros ainda não foi paga. Rotulando-o de ‘teoria’, vocês se esquivam do conhecimento que, pelo padrão moral, aceitam. Vocês são culpados a cada momento de sua vida. Não há bocado de comida que engulam que não seja necessário a alguém em algum canto da Terra – e vocês abandonam o problema repletos de ressentimento cego, concluindo que a perfeição moral não pode ser atingida nem deve ser desejada, que o jeito é viver tentando se apossar do que for possível, se esquivando dos olhares dos jovens, daqueles que os encaram como se o amor-próprio fosse algo possível e o cobrassem de vocês.<br />A culpa é tudo o que lhes resta na alma – e por isso todo homem que passa por vocês evita os seus olhos.<br />Vocês não entendem por que a sua moralidade não conseguiu instaurar a fraternidade no mundo, nem a boa vontade do homem para com seu semelhante?<br />“A justificativa do sacrifício proposta pela sua moralidade é mais corrupta que a corrupção que ela se propõe justificar. Segundo ela, o seu sacrifício deve ser motivado pelo amor – o amor que vocês deveriam sentir por todos os homens. Uma moralidade que propõe a doutrina de que os valores do espírito são mais preciosos do que a matéria, uma moralidade que lhes ensina a desprezar a prostituta que entrega o corpo indiscriminadamente a todos os homens, essa mesma moralidade exige que vocês entreguem sua alma ao amor promíscuo por todos os homens.<br />“Assim como não pode haver riqueza sem causa, também não pode haver amor sem causa, nem nenhuma emoção sem causa. A emoção é uma reação a um aspecto da realidade, uma estimativa ditada pelos seus padrões. Amar é valorizar. O homem que diz que é possível valorizar sem valores, amar aqueles que vocês consideram desprovidos de valor, é o que afirma que é possível enriquecer consumindo sem produzir e que papel-moeda é tão valioso quanto ouro.<br />“Observem que ele não acha que é possível experimentar um medo sem causa. Quando pessoas desse tipo chegam ao poder, elas sabem muito bem como fabricar terror, dar bons motivos para que vocês sintam o medo por meio do qual elas pretendem controlar vocês. Mas, quando se trata de amor, a mais elevada das emoções, permitem que elas gritem histericamente, em tom de acusação, que vocês são delinquentes morais se são incapazes de sentir um amor sem causa. Quando um homem sente medo sem razão, ele é encaminhado ao psiquiatra, porém não se tem o mesmo cuidado quando se trata de proteger o significado, a natureza e a dignidade do amor.<br />“O amor é a manifestação dos valores que se tem, a maior recompensa a que se pode fazer jus por meio das qualidades morais que se atingiram no caráter e na própria pessoa, o preço emocional pago por um homem pelo prazer que lhe proporcionam as virtudes de outro. A sua moralidade exige que vocês divorciem o seu amor dos seus valores e o entreguem a qualquer vagabundo, não como uma resposta a seu valor, e sim como uma resposta à sua necessidade; não como recompensa, mas como esmola; não como remuneração de virtudes, mas como um cheque em branco concedido aos vícios. A sua moralidade lhes diz que o objetivo do amor é libertá-los das amarras da moralidade, que ele é superior ao discernimento moral, que o verdadeiro amor transcende, perdoa e sobrevive a toda espécie de erro em seu objeto, e quanto maior o amor, maior a depravação permitida ao amado. Amar um homem por suas virtudes é mesquinho e humano, diz essa moralidade; amá-lo por seus defeitos é divino. Amar aqueles que são merecedores de amor não passa de interesse; amar os que não merecem amor é sacrifício. Vocês devem amor aos que não o merecem, e quanto menos o merecem, mais vocês lhes devem amor. Quanto mais asqueroso o objeto do amor, mais nobre o amor; quanto mais permissivo o seu amor, maior a sua virtude – e se vocês conseguem fazer da sua alma um depósito de lixo que aceita tudo em igualdade, se conseguem parar de valorizar os valores morais, vocês chegam ao estado de perfeição moral.<br />“É essa a sua moralidade do sacrifício, e são estes os dois ideais que ela propõe: refazer a vida do seu corpo à imagem de um curral humano, e a vida do seu espírito à imagem de um depósito de lixo.<br />“Era esse o seu ideal, e vocês o atingiram. Por que se queixar agora da impotência do homem, da futilidade das aspirações humanas? Por que não conseguiram prosperar buscando a destruição? Por que não conseguiram encontrar felicidade cultuando a dor? Por que não conseguiram viver tendo a morte como padrão de valor?<br />“O grau da sua capacidade de viver era o grau em que vocês conseguiam violar o próprio código moral, e, no entanto, acreditam que aqueles que o defendem são amigos da humanidade, amaldiçoam a si próprios e não ousam questionar as motivações e os objetivos dos que propõem essa doutrina. Olhem para eles agora, quando vocês estão encarando sua última alternativa – e, se optarem por morrer, morram com plena consciência de que entregaram suas vidas a um inimigo tão mesquinho, por um preço tão barato.<br />“Os místicos de ambas as escolas que pregam a doutrina do sacrifício são germes que atacam pela mesma ferida: o medo de confiar na mente. Eles afirmam que possuem um meio de conhecimento mais elevado do que a mente, uma modalidade de consciência superior à razão – como se tivessem um pistolão especial com algum burocrata do universo que lhes fornecesse informações secretas a que ninguém mais tem acesso. Os místicos do espírito dizem que possuem um sexto sentido que vocês não têm, o qual consiste na negação de todos os conhecimentos adquiridos por meio dos cinco sentidos que vocês possuem. Os místicos dos músculos não se dão ao trabalho de se arrogar algum tipo de percepção extrassensorial: limitam-se a afirmar que os seus sentidos não são válidos e que a sabedoria deles consiste em perceber a sua cegueira por meio de algum método não especificado. Ambos os tipos de místicos exigem que vocês invalidem sua própria consciência e se entreguem ao controle deles. Oferecem-lhes, como prova de seu conhecimento superior, o fato de afirmarem o contrário de tudo o que vocês sabem, e, como prova de sua capacidade superior de lidar com a existência, o fato de que eles os conduzem à miséria, ao auto sacrifício, à fome, à destruição.<br />“Eles afirmam que conhecem uma modalidade de existência superior à vida que vocês levam nesta Terra. Os místicos do espírito a denominam ‘outra dimensão’, que consiste na negação das dimensões.<br />Os místicos dos músculos a denominam ‘o futuro’, que consiste na negação do presente. Existir é possuir identidade. Que identidade são capazes de dar à esfera superior por eles proposta? Estão sempre dizendo o que ela não é, mas nunca dizem o que é. Todas as suas identificações consistem em negações: ‘Deus é aquilo que nenhuma mente humana é capaz de saber’, afirmam e em seguida exigem que isso seja considerado sabedoria. ‘Deus é o não homem, o céu é a não Terra, a alma é o não corpo, a virtude é o não lucro, A é não A, a percepção é a não sensação, o conhecimento é a não razão.’ Suas definições são, na verdade, negações.<br />“Somente uma metafísica de sanguessuga se ateria à concepção de universo em que o zero é um padrão de identificação. A sanguessuga quer fugir da necessidade de dar nome à própria natureza, da necessidade de saber que a substância com base na qual ela constrói seu universo particular é o sangue.<br />“Qual a natureza daquele mundo superior ao qual eles sacrificam o mundo que existe? Os místicos do espírito amaldiçoam a matéria; os dos músculos, o lucro. Os do espírito querem que os homens lucrem renunciando ao mundo; os dos músculos, que os homens herdem o mundo renunciando ao lucro. Os mundos sem matéria e sem lucro por eles propostos são terras em que nos rios corre café com leite, brota vinho das pedras quando eles assim ordenam, caem pastéis do céu quando abrem a boca. No mundo material em que vivemos, em que as pessoas correm atrás do lucro, é necessário um investimento enorme de virtude – de inteligência, integridade, energia e capacidade – para construir uma ferrovia de um quilômetro de extensão. No mundo sem matéria e sem lucro que os místicos propõem, viaja-se de um planeta a outro graças à formulação de um desejo. Se uma pessoa honesta lhes pergunta ‘Como?’, eles respondem, com indignação e escárnio, que ‘como’ é um conceito de realistas vulgares e que o conceito dos espíritos superiores é ‘de algum modo’. Neste nosso mundo circunscrito pela matéria e pelo lucro, as recompensas requerem o pensamento; num mundo libertado de tais restrições, basta desejar.<br />“E é esse todo o segredo deles. O segredo vergonhoso de todas as filosofias esotéricas, de todas as dialéticas e dos sextos sentidos, o segredo de todos os olhares evasivos e das palavras ásperas, o segredo em nome do qual destroem a civilização, a linguagem, indústrias e vidas humanas, em nome do qual furam os próprios olhos e tímpanos, esmagam os próprios sentidos, esvaziam as próprias mentes, o objetivo pelo qual eles dissolvem os absolutos da razão, da lógica, da matéria, da existência, da realidade.<br />Tal segredo é construir, sobre essa neblina plástica, um único absoluto sagrado: o desejo deles.<br />“A restrição da qual eles tentam escapar é a lei da identidade. A liberdade que buscam é a do fato de que A será sempre A, independentemente da raiva ou do medo que sintam; de que um rio jamais lhes dará leite, por maior que seja a fome que sintam; de que a água jamais escorrerá para cima, por maiores que sejam as vantagens que isso lhes proporcionaria. E, se eles querem levar água até o alto de um arranha-céu, serão obrigados a utilizar um processo de pensamento e trabalho, no qual a natureza de um pedaço de cano é importante, mas os sentimentos deles são irrelevantes. Buscam se libertar do fato de que seus sentimentos são incapazes de alterar a trajetória de um único grão de poeira no espaço, ou a natureza de alguma ação por eles realizada.<br />“Aqueles que lhes dizem que o homem é incapaz de perceber uma realidade sem as distorções causadas pelos sentidos querem dizer, na verdade, que se recusam a perceber uma realidade sem as distorções causadas por seus sentimentos. ‘As coisas tais quais são’ são as coisas tais quais percebidas pela sua mente. Se as divorciamos da razão, elas se tornam ‘as coisas tais quais são percebidas pelos seus desejos’.<br />“Não existe uma revolta honesta contra a razão – e quem aceita uma parte qualquer dessa doutrina quer fazer impunemente algo que a sua razão não lhe permitiria tentar. A liberdade que se busca é a de adquirir riquezas por meio do roubo sem que isso implique que se é um canalha, por mais dinheiro que se dê às organizações de caridade, por mais preces que se dirijam a Deus. É a liberdade de dormir com uma prostituta sem que isso implique ser um marido infiel, por mais que se afirme amar a esposa no dia seguinte. É a liberdade de não se precisar ser uma entidade em vez de simplesmente um amontoado de pedaços aleatórios espalhados por um universo onde nada é nada, onde não há compromissos com nada, um universo de pesadelo infantil, em que as identidades se revezam constantemente, em que canalha e herói são papéis assumidos arbitrariamente – a liberdade de não ter que ser homem, de não ter que ser entidade, de não ter que ser.<br />“Por mais que se insista que o objetivo do desejo místico é uma forma mais elevada de vida, a rebelião contra a identidade é um desejo de não existência. O desejo de não ser nada é o desejo de não ser.<br />“Seus mestres, os místicos das duas escolas, invertem a relação de causalidade em sua consciência e depois tentam invertê-la na existência. Tomam suas emoções como causa e suas mentes como efeito passivo. Fazem de suas emoções um instrumento para perceber a realidade. Tomam seus desejos como elementos irredutíveis, como fatos que suplantam todos os fatos. O homem honesto só deseja depois que identifica o objeto de seu desejo. Ele diz: ‘É, portanto desejo.’ Eles dizem: ‘Quero, portanto é.’<br />“Eles querem violar o axioma da existência e da consciência, querem que sua consciência seja um instrumento não de percepção, e sim de criação da existência, e a existência seja não o objeto, e sim o sujeito de sua consciência – querem ser esse Deus que construíram à própria imagem e semelhança, que cria um universo a partir do nada por meio de um capricho arbitrário. Porém é impossível violar a realidade. O que eles conseguem fazer é o oposto do que desejam. Querem adquirir um poder absoluto sobre a existência, porém, ao contrário, perdem o poder de sua consciência. Recusando-se a conhecer, condenam a si próprios ao horror do perpétuo desconhecido.<br />“Esses desejos irracionais que os atraem a essa doutrina, essas emoções que vocês cultuam com idolatria, sobre cujo altar sacrificam a Terra, essa paixão obscura e incoerente dentro de vocês, que supõem ser a voz de Deus ou das suas glândulas, não passa do cadáver de sua mente. Uma emoção que entra em contradição com a sua razão, que vocês não podem explicar nem controlar, é apenas o cadáver daquele pensamento bolorento que não permitiram que sua mente repensasse.<br />“Toda vez que vocês cometeram o mal de se recusar a pensar e a ver, de isentar do absoluto da realidade um pequenino desejo seu, sempre que optaram por dizer: ‘Que eu possa subtrair ao julgamento da razão os biscoitos que roubei, ou a existência de Deus, que me seja permitido um único capricho irracional, e serei um seguidor da razão em relação a tudo o mais’ – foi esse o ato de recusa, de negação que subverteu sua consciência, que corrompeu sua mente. Foi assim que sua mente se transformou num júri comprado que recebe ordens de um submundo secreto, cujo veredicto distorce as provas para se adequarem a um absoluto intocável – e o resultado é uma realidade censurada, fragmentada, em que os pedacinhos que optaram por ver flutuam entre os abismos daquilo que não quiseram ver, unidos por aquele fluido embalsamador da mente que é a emoção isenta do pensamento.<br />“As ligações que se esforçam por ocultar são relações causais. O inimigo que tentam derrotar é a lei da causalidade: ele não lhes permite a realização de milagres. A lei da causalidade é a lei da identidade aplicada à ação. Todas as ações são causadas por entidades. A natureza de uma ação é causada e determinada pela natureza das entidades agentes; uma coisa não pode agir de modo a contradizer sua natureza. Uma ação não causada por uma entidade seria causada por um zero, o que implicaria um zero controlando uma coisa, uma nulidade controlando uma entidade, o inexistente dominando o existente.<br />O que é o universo do desejo dos seus mestres, a causa das doutrinas das ações sem causa, a razão da revolta contra a razão, o objetivo dessa moralidade, dessa política, dessa economia, desse ideal que eles procuram atingir? O reino do zero.<br />“A lei da identidade não permite que vocês comam um bolo e ao mesmo tempo o guardem intacto. A lei da causalidade não lhes permite comer o bolo antes de fazê-lo. Mas se ocultam ambas as leis em seu cérebro, se fingem para si próprios e para os outros não vê-las, então podem tentar proclamar o seu direito de comer seu bolo hoje e o meu amanhã, podem proclamar a doutrina segundo a qual a maneira de fazer um bolo é comê-lo antes, que a maneira de produzir é consumir antes, que todo aquele que deseja algo tem o direito de ter o que deseja, já que nada é causado por nada. O corolário desse princípio do não causado na matéria é o princípio do imerecido no espírito.<br />“Toda vez que vocês se revoltam contra a causalidade, o que os motiva é o desejo fraudulento não de escapar dela, mas, o que é pior, de invertê-la. Vocês querem amor imerecido, como se amor, que é efeito, lhes pudesse atribuir valor pessoal, que é causa. Querem admiração imerecida, como se a admiração, o efeito, pudesse lhes conferir virtude, a causa. Querem riquezas imerecidas, como se a riqueza, o efeito, pudesse lhes conferir capacidade, a causa. Imploram por piedade, não justiça, como se um perdão imerecido pudesse ter o efeito de apagar a causa do seu pedido de misericórdia. E, para permitirem essas suas falsificações mesquinhas, defendem as doutrinas de seus mestres, enquanto eles andam por aí proclamando que os gastos, que são o efeito, é que criam a riqueza, que é a causa; que as máquinas, que são o efeito, criam a inteligência, que é a causa; que os seus desejos sexuais, que são o efeito, criam os seus valores filosóficos, que é a causa.<br />“Quem é que paga a conta dessa orgia? Quem causa o que não tem causas? Quem são as vítimas, condenadas a permanecer sem reconhecimento e morrer no silêncio, para que a agonia deles não perturbe a convicção de vocês de que elas não existem? Somos nós, nós, os homens dotados de mentes.<br />“Nós somos a causa de todos os valores que vocês ambicionam, nós é que realizamos o processo do raciocínio, por meio do qual definimos identidades e descobrimos relações causais. Nós ensinamos vocês a saber, a falar, a produzir, a desejar, a amar. Vocês, que abandonam a razão, se não fosse por nós, que a preservamos, não seriam capazes de realizar nem de conceber sequer seus desejos. Não seriam capazes de desejar as roupas que não teriam sido feitas, o automóvel que não teria sido inventado, o dinheiro que não teria sido criado para trocar as mercadorias que não existiriam, a admiração que não teria sido experimentada por homens que não teriam realizado nada, o amor que só pertence àqueles que preservam sua capacidade de pensar, de escolher, de valorizar.<br />“Vocês, que como selvagens saltam da selva dos seus sentimentos para a Quinta Avenida da nossa Nova York e afirmam que querem ficar com as luzes elétricas, mas querem destruir os geradores, é a nossa riqueza que vocês usam enquanto nos destroem, são os nossos valores que usam enquanto nos amaldiçoam, é a nossa língua que falam enquanto negam a mente.<br />“Do mesmo modo que os místicos do espírito inventaram seu céu à imagem da nossa Terra, imitando nossa existência, e lhes prometeram recompensas criadas por milagre a partir da não matéria, assim também os atuais místicos dos músculos omitem nossa existência e lhes prometem um céu onde a matéria toma forma com base na própria vontade não causada e se transforma em todas as recompensas desejadas pela sua não mente.<br />“Durante séculos, os místicos do espírito viveram como gângsteres, tornando a vida na Terra insuportável, depois cobrando a vocês que lhes dessem consolo e alívio; proibindo todas as virtudes que tornam possível a existência, depois explorando o seu sentimento de culpa; afirmando que a produção e o prazer são pecados, depois chantageando os pecadores. Nós, os homens dotados de mente, éramos as vítimas jamais reconhecidas da doutrina deles – nós que estávamos dispostos a violar o código moral deles e a arcar com o ônus da maldição pelo pecado de ser racional; nós é que pensávamos e agíamos, enquanto eles desejavam e rezavam; nós é que éramos párias morais, que éramos contrabandistas de vida, quando esta era considerada um crime, enquanto eles gozavam da glória moral por terem a virtude de transcender a ganância material e distribuir, por caridade e altruísmo, os bens materiais produzidos pelos que não podiam ser mencionados.<br />“Agora estamos acorrentados e recebemos ordens de produzir, dadas por selvagens que nem sequer nos concedem a identidade de pecadores – selvagens que afirmam que não existimos e então nos ameaçam de nos privar da vida que não possuímos, se não lhes fornecermos os produtos que não produzimos. Agora querem que continuemos a operar estradas de ferro, a saber a hora exata em que um trem chegará após atravessar todo um continente; querem que continuemos a operar siderúrgicas, a saber a estrutura molecular de cada partícula de metal dos cabos que sustentam as suas pontes, dos aviões que os transportam pelo ar – enquanto as tribos dos seus grotescos místicos dos músculos brigam pelos restos mortais do mundo, grunhindo numa não linguagem, dizendo que não há princípios, não há absolutos, não há conhecimento, não há mente.<br />“Descendo abaixo do nível do selvagem, que acredita que as palavras mágicas que ele pronuncia têm o poder de alterar a realidade, eles acreditam que esta pode ser alterada pelo poder das palavras que não pronunciam – e sua ferramenta mágica é o silêncio, o fingimento de que nada pode existir se não admitirem sua existência.<br />“Assim como materialmente eles se alimentam de riquezas roubadas, espiritualmente eles também se alimentam de conceitos roubados e afirmam que a honestidade consiste em se recusar a saber que se está roubando. Assim como se utilizam dos efeitos ao mesmo tempo que negam as causas, também empregam os nossos conceitos ao mesmo tempo que negam as raízes e a existência dos conceitos que estão usando. Assim como tentam não construir, mas tomar indústrias, também tentam não pensar, mas tomar o pensamento humano.<br />“Assim como afirmam que a única exigência para se operar uma fábrica é a capacidade de rodar manivelas de máquinas e silenciam sobre a questão de quem criou a fábrica, também proclamam que não há entidades, que nada existe senão o movimento, e silenciam quanto ao fato de que o movimento pressupõe a coisa que se move, de que sem o conceito de entidade não pode existir o de movimento.<br />Assim como proclamam seu direito de consumir aquilo que não merecem e silenciam quanto à questão de quem é que vai produzi-lo, também afirmam que não há uma lei da identidade, que nada existe senão a mudança, e silenciam sobre o fato de que a mudança pressupõe o conceito daquilo que muda, do quê para quê, que sem a lei da identidade não pode existir o conceito de mudança. Assim como roubam um industrial ao mesmo tempo que negam o seu valor, também tentam se apropriar de toda a existência enquanto negam que a existência existe.<br />‘Nós sabemos que nada sabemos’, dizem eles, silenciando o fato de que estão afirmando que ‘sabem algo’. ‘Não há absolutos’, afirmam, silenciando o fato de que estão exprimindo um princípio absoluto.<br />‘Não se pode provar que se existe e se é dotado de consciência’, afirmam, silenciando o fato de que a prova pressupõe a existência, a consciência e um complexo encadeamento de conhecimentos: a existência de algo a saber, de uma consciência capaz de sabê-lo, de um conhecimento que distinga entre conceitos tais como provado e não provado.<br />“Quando um selvagem que não aprendeu a falar declara que a existência tem de ser provada, ele está pedindo que ela seja provada pela não existência. Quando afirma que sua consciência tem que ser provada, está pedindo que ela seja provada pela inconsciência – está pedindo que se passe para um vácuo fora da existência e da consciência para lhe fornecer uma prova de ambas; está pedindo que a pessoa se torne um zero adquirindo conhecimentos a respeito de um zero.<br />“Quando ele declara que um axioma é uma questão de escolha arbitrária e opta por não aceitar o axioma de que o axioma existe, silencia o fato de que o aceitou ao pronunciar aquela frase, silencia o fato de que o único modo de rejeitá-lo é fechar a boca, não propor teoria alguma e morrer.<br />“Um axioma é uma afirmação que identifica a base do conhecimento e de qualquer outra afirmação pertinente àquele conhecimento, uma afirmação necessariamente contida em todas as outras, queira determinado falante identificá-la ou não. Um axioma é uma proposição que derrota seus adversários pelo fato de que eles têm que aceitá-la e utilizá-la no processo de qualquer tentativa de negá-la. Que o troglodita que opta por não aceitar o axioma da identidade tente apresentar sua teoria sem utilizar o conceito de identidade nem qualquer outro derivado dele. Que o antropoide que opta por não aceitar a existência dos substantivos tente elaborar uma língua que não os contenha, e nem adjetivos ou verbos.<br />Que o curandeiro que opta por não aceitar a validade da percepção sensorial tente provar sua posição sem utilizar os dados que adquiriu por meio da percepção sensorial. Que o escalpelador que opta por não aceitar a validade da lógica tente provar sua posição sem recorrer a ela. Que o pigmeu que afirma que um arranha-céu não precisa de fundações, após chegar ao 50º andar, arranque as do prédio dele, não as do de vocês. Que o canibal que afirma que a liberdade da mente humana foi necessária para criar uma civilização industrial, porém não é necessária para mantê-la, que todos eles recebam uma flecha e uma pele de urso, não uma cátedra de economia na universidade.<br />“Vocês pensam que eles os estão levando de volta para a idade das trevas? Pois os estão levando para uma escuridão mais densa do que a de qualquer era da história. A meta deles não é a era da pré-ciência, e sim a da pré-linguagem. O objetivo deles é privar vocês do conceito do qual dependem tanto a mente quanto a vida e a cultura do homem: o de realidade objetiva. Identifiquem o desenvolvimento de consciência humana e conhecerão o objetivo da doutrina deles.<br />“O selvagem é aquele que não compreendeu que A é A e que a realidade é real. Seu desenvolvimento mental estacionou no nível do de um bebê, no patamar em que a consciência adquire suas percepções sensoriais iniciais e ainda não aprendeu a distinguir os objetos concretos. Para um bebê, o mundo é uma névoa de movimento, e não coisas que se movem – e o nascimento de sua mente se dá no dia em que ele apreende que aquele risco que está sempre passando por ele é sua mãe, que a mancha atrás dela é uma cortina, que as duas são entidades sólidas e uma delas não pode se transformar na outra, que elas são o que são, que elas existem. O dia em que o bebê compreende que a matéria não tem vontade é o dia em que compreende que ele é dotado de vontade – e esse é o dia de seu nascimento como ser humano. Ao compreender que o reflexo que vê no espelho não é uma ilusão, que é algo real, mas não é ele próprio; que a miragem que vê no deserto não é uma ilusão, que o ar e a luz que causam a miragem são reais, mas esta não é uma cidade e sim o reflexo de uma cidade – no dia em que compreende que não é um receptor passivo das sensações de um dado momento, que seus sentidos não lhe fornecem um conhecimento automático em fragmentos separados independentes do contexto, e sim apenas a matéria-prima do conhecimento, que sua mente tem de integrar; no dia em que compreende que seus sentidos não podem enganá-lo, que os objetos físicos não podem agir sem causa, que seus órgãos de percepção são físicos e não são dotados de vontade, nem do poder de inventar ou de distorcer; que os dados que lhe fornecem constituem um absoluto, mas sua mente tem de aprender a compreendê-los, sua mente precisa descobrir a natureza, as causas, o contexto integral de seu material sensorial, sua mente tem de identificar as coisas que ele percebe –, é nesse dia que ele nasce como pensador e cientista.<br />“Nós somos aqueles que atingiram esse dia; vocês são os que optaram por apenas se aproximar dele.<br />O selvagem é o que jamais chegou lá.<br />“Para um selvagem, o mundo é um lugar de milagres ininteligíveis em que tudo é possível para a matéria inanimada e nada é possível para si. O mundo dele não é o desconhecido, e sim o horror irracional do incognoscível. Ele acredita que os objetos físicos são dotados de uma vontade misteriosa, movida por caprichos sem causa e imprevisíveis, e que ele é um joguete impotente à mercê de forças que não pode controlar. O selvagem acredita que a natureza é governada por demônios que possuem um poder absoluto e que a realidade é inteiramente controlada por seus caprichos. Acredita que os demônios podem transformar um prato de mingau numa cobra e uma mulher num besouro quando quiserem; que o A que jamais descobriu pode ser qualquer não A que os demônios quiserem; que o único conhecimento que tem é a consciência da obrigação de não tentar conhecer nada. Ele não pode contar com nada, pode apenas desejar, e passa a vida desejando, pedindo aos demônios que lhe satisfaçam os desejos com o poder arbitrário de sua vontade, agradecendo-lhes quando o atendem, assumindo a culpa quando não o atendem, oferecendo-lhes sacrifícios como prova de sua gratidão e de sua culpa, rastejando no chão, para exprimir seu medo e sua adoração pelo Sol, pela Lua, pelo vento, pela chuva e por qualquer brutamontes que afirme ser o porta-voz dessas entidades, desde que suas palavras sejam ininteligíveis e sua máscara, assustadora o bastante – ele deseja, implora, rasteja e morre, deixando a vocês, como momentos de sua visão da existência, as monstruosidades distorcidas de seus ídolos, meio homens e meio animais, imagens do mundo do não A.<br />“ É esse o estado intelectual dos seus mestres modernos. É o mundo do selvagem que eles querem instaurar para vocês.<br />“Se vocês querem saber de que maneiras eles pretendem lançar mão para engendrar esse mundo, entre em qualquer sala de aula universitária e ouvirão os professores dizendo a seus filhos que o homem não pode ter certeza de nada, que sua consciência não tem qualquer validade, que ele é incapaz de aprender fatos ou leis da existência, que é incapaz de conhecer uma realidade objetiva. Então que padrão de verdade e conhecimento têm esses professores? Tudo aquilo em que os outros acreditam, respondem eles. Não existe conhecimento, eles ensinam; porém apenas já acreditar que vocês mesmos existem é um ato de fé, que não é mais válido do que a crença, defendida por algum outro indivíduo, na ideia de que ele tem o direito de matar vocês. Os axiomas da ciência são atos de fé e não são mais válidos do que a crença na revelação, defendida por um místico. Acreditar que a luz elétrica pode ser produzida por um gerador é um ato de fé e não é mais válido que acreditar que ela pode ser produzida por um pé de coelho beijado debaixo da escada numa noite de lua nova – a verdade é qualquer coisa que as pessoas queiram que seja, e ‘as pessoas’ significam todo mundo menos vocês. A realidade é tudo aquilo que as pessoas resolvam que seja; não há fatos objetivos, há apenas desejos arbitrários de pessoas. O homem que busca o conhecimento num laboratório com tubos de ensaio e lógica é um tolo antiquado e supersticioso; o verdadeiro cientista é aquele que anda fazendo pesquisas de opinião – e se não fosse a ganância egoísta dos fabricantes de vigas de aço, que estão interessados em obstruir o progresso da ciência, vocês saberiam que a cidade de Nova York não existe, porque uma pesquisa de opinião realizada com a totalidade da população do mundo concluiria, por uma maioria esmagadora, que as crenças das pessoas proíbem a existência de tal lugar.<br />“Há séculos que os místicos do espírito vêm proclamando que a fé é superior à razão, porém não ousam negar a existência da razão. Os místicos dos músculos, herdeiros e produtos dos do espírito, levaram adiante o trabalho de seus predecessores e concretizaram seu sonho: proclamam que tudo é fé e dizem que isso é se revoltar contra as crendices. Revoltando-se contra afirmações carentes de provas, proclamam que nada pode ser provado; revoltando-se contra o conhecimento sobrenatural, proclamam que nenhum conhecimento é possível; revoltando-se contra os inimigos da ciência, proclamam que esta é uma superstição; revoltando-se contra a escravização da mente, proclamam que esta não existe.<br />“Se vocês abrem mão do seu poder de percepção, se aceitam trocar o padrão da objetividade pelo da coletividade e pensam aquilo que a humanidade acha que devem pensar, muito em breve seus olhos – dos quais vocês abriram mão – verão uma outra mudança ocorrer: os seus mestres se tornarão os senhores da coletividade, e se, então, vocês se recusarem a lhes obedecer, protestando que eles não são a totalidade da humanidade, eles responderão: ‘Como vocês podem saber que não somos? Ser? Onde encontraram essa palavra antiquada?’<br />“Se duvidam que seja esse o objetivo deles, observem com que persistência e paixão os místicos dos músculos estão tentando fazê-los esquecer que o conceito de ‘mente’ algum dia existiu. Observem a verborragia tortuosa, as palavras com significados de borracha, os termos flutuantes por meio dos quais eles tentam evitar reconhecer o conceito de ‘pensamento’. A sua consciência, segundo eles, consiste em ‘reflexos’, ‘reações’, ‘experiências’, ‘instintos’ e ‘impulsos’ – e eles se recusam a identificar os meios pelos quais adquiriram esses conhecimentos, a identificar o ato que estão realizando quando falam sobre eles e o ato que vocês realizam quando os ouvem. As palavras têm o poder de ‘condicionar’ vocês, dizem eles, e se recusam a identificar a razão pela qual as palavras têm o poder de mudar o seu… silêncio. O estudante que lê um livro o compreende por meio de um processo de… silêncio. O cientista que trabalha numa invenção está envolvido numa atividade de… silêncio. O psicólogo que ajuda um neurótico a resolver um problema e a se livrar de um conflito o faz por meio de… silêncio. O industrial… silêncio não existe. Uma fábrica é um ‘recurso natural’, como uma árvore, uma pedra ou uma poça de lama.<br />“O problema da produção, dizem eles, já foi resolvido e não merece ser estudado; a única questão que seus ‘reflexos’ ainda têm que resolver é a da distribuição. Quem resolveu o problema da produção? A humanidade, respondem. Qual foi a solução? Os produtos estão aí. Como foi que eles apareceram? De um modo qualquer. O que causou seu aparecimento? Nada tem causas.<br />“Eles proclamam que todo homem que nasce tem o direito de existir sem trabalhar, e, apesar das leis da realidade, tem o direito de receber sua ‘subsistência mínima’ – comida, roupa, casa – sem fazer nenhum esforço, porque tal lhe cabe por direito de nascença. Receber tais coisas de quem? Silêncio. Todo homem, proclamam eles, é proprietário de um quinhão equânime dos benefícios tecnológicos criados no mundo. Criados por quem? Silêncio. Covardes histéricos que se fazem passar por defensores aos industriais agora definem o objetivo da economia como ‘um ajuste entre os desejos ilimitados dos homens e os bens produzidos em quantidade limitada’. Produzidos por quem? Silêncio. Arruaceiros intelectuais que se fazem passar por professores desprezam os pensadores do passado, afirmando que as teorias sociais deles se baseavam na premissa puramente teórica de que o homem é um ser racional – mas como isso não é verdade, afirmam eles, deve ser estabelecido um sistema que possibilite ao homem existir apesar de ser irracional, o que quer dizer: desafiar a realidade. Quem tornará isso possível? Silêncio.<br />Qualquer pessoa medíocre é capaz de publicar planos para controlar a produção da humanidade, quer concorde com suas estatísticas, quer discorde delas. O fato é que ninguém questiona o direito de impor planos pela força das armas. Impor a quem? Silêncio. Mulheres que não têm o que fazer, cujo dinheiro provém do nada, pois que nada tem causas, viajam pelo mundo e voltam afirmando que os povos atrasados deste planeta exigem um padrão de vida mais elevado. Exigem de quem? Silêncio.<br />“E, para impedir qualquer investigação sobre a diferença entre uma aldeia de selvagens e a cidade de Nova York, eles apelam para a obscenidade-mor de explicar o progresso industrial do homem – os arranha-céus, as pontes pênseis, os motores e os trens – afirmando que o homem é um animal que possui um ‘instinto de fazer ferramentas’.<br />“Querem saber o que está errado com o mundo? O que vocês estão vendo agora é a consequência final da doutrina da ausência de causas, a doutrina do imerecido. Todas as gangues de místicos, do espírito ou dos músculos, estão lutando umas com as outras, disputando o poder de mandar em vocês, rosnando que o amor é a solução de todos os problemas do seu espírito e que o chicote é a solução de todos os problemas do seu corpo – isso porque vocês concordaram com a afirmativa de que não existe mente. Concedendo ao homem menos dignidade do que se concede ao gado, ignorando o que um adestrador de animais poderia lhes dizer – nenhum animal pode ser treinado por meio do medo; o elefante torturado pisoteia seu torturador, recusando-se a trabalhar para ele –, acham que o homem vai continuar a produzir válvulas eletrônicas, aviões supersônicos, máquinas que fragmentam átomos e telescópios interestelares tendo por recompensa uma ração de carne e por incentivo uma chicotada no lombo.<br />“Não se iludam quanto ao caráter dos místicos. Através dos séculos, o objetivo deles sempre foi minar a sua consciência e sua única volúpia sempre foi a do poder – o poder de dominá-los pela força.<br />“Dos rituais dos curandeiros da selva, que distorciam a realidade, transformando-a em absurdos grotescos, deformavam as mentes de suas vítimas e as enchiam de terror pelo sobrenatural, no decorrer de séculos de estagnação – passando pelas doutrinas sobrenaturais da Idade Média, que mantinham os homens acocorados na lama do chão de seus casebres, com medo de que o demônio lhes roubasse a sopa que haviam trabalhado 18 horas para poder conseguir –, até o professorzinho sorridente e maltrapilho que afirma que o seu cérebro não tem capacidade de pensar, que o homem não tem meios de percepção e tem de obedecer cegamente à vontade onipotente da sociedade, essa força sobrenatural – tudo isso tem o mesmo objetivo: reduzir vocês a uma massa inerte que abre mão da validade de sua consciência.<br />“Mas isso não pode ser feito sem o seu consentimento. Se permitem que isso seja feito, vocês merecem.<br />“Quando vocês ouvem um místico falar sobre a impotência da mente humana e começam a duvidar da sua consciência, e não da dele; quando permitem que o seu precário estado de semirracionalidade seja abalado por qualquer afirmação e concluem que é mais seguro confiar na certeza e nos conhecimentos superiores do místico, vocês estão fornecendo, pela sua aprovação, a única fonte de certeza que ele possui. O poder sobrenatural que o místico teme, o espírito incognoscível que ele adora, a consciência que ele julga onipotente é a consciência de vocês.<br />“O místico é aquele que abriu mão da própria mente ao primeiro contato com as mentes dos outros.<br />Em algum momento da sua infância distante, quando o seu entendimento da realidade entrou em conflito com as afirmações dos outros, as ordens arbitrárias e as exigências contraditórias dos outros, ele cedeu a um medo da independência tão abjeto que renunciou à sua faculdade racional. Na encruzilhada da opção entre ‘eu sei’ e ‘eles dizem’, o místico escolheu a autoridade dos outros, optou por se submeter em vez de compreender, a crer em vez de pensar. A fé no sobrenatural começa como fé na superioridade dos outros. Sua rendição assumiu a forma do sentimento de que ele tem que ocultar sua falta de entendimento de que os outros possuam algum conhecimento misterioso que só ele ignora, de que a realidade é qualquer coisa que os outros queiram que seja, através de algum meio que lhe será negado para todo o sempre.<br />“Daí em diante, com medo de pensar, ele se vê à mercê de sentimentos não identificados. Estes passam a ser seu único guia, seu único vestígio de identidade pessoal. O místico se agarra a eles com uma possessividade feroz – e, quando pensa, é só com o objetivo de se esforçar para esconder de si próprio que a natureza de seus sentimentos é o terror.<br />“Quando um místico afirma que sente a existência de um poder superior à razão, é bem verdade que ele sente algo, só que o poder em questão não é um superespírito onisciente universal, e sim a consciência do primeiro gaiato que passou por ele, ao qual ele submeteu a própria razão. O místico é movido pela vontade de causar impressão, de enganar, bajular, trapacear, impor à força essa consciência onipotente dos outros. ‘Eles’, os outros, são a única chave da realidade de que o místico dispõe, e este acha que só pode existir se explorar o poder misterioso dos outros e lhes extorquir seu integral consentimento. ‘Eles’ são seu único meio de percepção, e, como o cego que depende da visão de um cachorro, o místico sente que tem de acorrentá-los para poder viver. Controlar a consciência dos outros passa a ser sua única paixão – a volúpia do poder é uma erva daninha que só cresce nos terrenos baldios de uma mente abandonada.<br />“Todo ditador é um místico, e todo místico, um ditador em potencial. O místico quer que os homens lhe obedeçam, não que concordem com ele. Quer que rendam suas consciências a suas afirmações, seus decretos, seus desejos, seu caprichos do mesmo modo que a consciência dele se rende às deles. Ele quer lidar com os homens por meio da fé e da força – não tem nenhuma satisfação em ganhar o consentimento dos outros se, para isso, for necessário lançar mão de fatos e da razão. A razão é o inimigo que ele teme e, ao mesmo tempo, considera precário. Para ele, a razão é um instrumento usado para burlar. Sente que os homens possuem algum poder mais forte que a razão – e é apenas impondo-lhes uma crença sem causas ou uma obediência forçada que ele se sente certo de que adquiriu controle sobre o dom místico que lhe faltava. Sua volúpia é de mandar, não de convencer – a convicção exige um ato de independência e se baseia numa realidade objetiva absoluta. O que ele quer é exercer poder sobre a realidade e sobre o meio que os homens têm para percebê-la: sua mente. Quer poder colocar sua vontade entre a existência e a consciência, como se, ao concordar em falsificar uma realidade sob as instruções do místico, os homens estivessem criando a realidade.<br />“Assim como o místico é um parasita no plano da matéria, uma vez que expropria a riqueza criada pelos outros, ele também é um parasita no plano do espírito, pois saqueia as ideias criadas por outros – e assim se coloca abaixo do nível do louco, que cria a própria distorção da realidade, e se coloca ao nível de um parasita da loucura, que busca uma distorção criada por outrem.<br />“Só existe um estado que satisfaz o desejo de infinito, de não causalidade, de não identidade, que caracteriza o místico: a morte. Quaisquer que sejam as causas ininteligíveis que ele atribua a seus sentimentos incomunicáveis, todo aquele que rejeita a realidade rejeita a existência – e os sentimentos que o impelem daí em diante são o ódio por todos os valores da vida humana e a paixão por todos os males que o destroem. O místico aprecia o espetáculo do sofrimento, da pobreza, da subserviência e do terror; tais coisas lhe proporcionam uma sensação de triunfo, uma prova da derrota da realidade racional. Porém não existe outra realidade.<br />“Qualquer que seja o suposto beneficiário do místico, seja ele Deus ou aquela gárgula sem corpo que ele chama de ‘povo’, qualquer que seja o ideal que proclama em termos de alguma dimensão sobrenatural – na verdade, na realidade, na Terra, seu ideal é a morte, seu desejo é matar, seu único prazer é torturar.<br />“A destruição é o único fim já realizado pela doutrina dos místicos, e é o único fim que, como vocês estão vendo, eles estão atingindo agora, e se a destruição causada por seus atos não os fez questionar suas doutrinas, se afirmam serem movidos pelo amor, porém não mudam de ideia apesar das pilhas de cadáveres à sua frente, é porque a verdade a respeito das almas deles é pior do que a desculpa obscena que vocês lhes concederam: a desculpa de que o fim justifica os meios e os horrores por eles praticados são meios de atingir fins mais nobres. A verdade é que esses horrores são os fins deles.<br />“Vocês, que são depravados o bastante para acreditar que conseguiriam se adaptar à ditadura de um místico e poderiam lhe agradar obedecendo às suas ordens, saibam que não há como deixá-lo satisfeito: quando lhe obedecem, ele passa a dar ordens contrárias, pois o que quer é a obediência pela obediência, a destruição pela destruição. Vocês, que são abjetos o bastante para acreditar que podem negociar com um místico cedendo às suas extorsões, saibam que não há como comprá-lo, pois o suborno que ele quer é a sua vida, devagar ou depressa, conforme estejam dispostos a dá-la – e o monstro que ele quer subornar é aquela coisa silenciada em sua mente, que o impele a matar para não ver que a morte que ele deseja é a sua própria.<br />“Vocês, que são inocentes o bastante para acreditar que as forças que estão soltas no seu mundo agora são movidas pela ganância do saque material – essa briga dos místicos pelos despojos de guerra é apenas uma cortina de fumaça para ocultar das mentes deles a natureza de sua verdadeira motivação. A riqueza é um meio da vida humana, e eles pedem riquezas por imitação aos seres vivos, para mentir a si próprios que desejam viver. Porém essa entrega obscena ao luxo saqueado não é prazer, e sim fuga. Eles não querem possuir a sua fortuna: querem que vocês a percam. Não querem ter sucesso, e sim que vocês fracassem. Não querem viver, e sim que vocês morram. Não desejam nada, só odeiam a existência e vivem correndo, tentando não descobrir que o ódio que sentem é inspirado pelas próprias pessoas.<br />“Vocês, que jamais compreenderam a natureza do mal, que acham que eles são apenas ‘idealistas desencaminhados’ – que o Deus que vocês inventaram lhes perdoe! Eles são a essência do mal, eles, esses objetos antivida que buscam, devorando o mundo, preencher o zero altruístico de suas almas. Não é sua riqueza que eles querem. Eles fazem parte de uma conspiração contra a mente, ou seja, contra a vida e o homem.<br />“É uma conspiração sem líder e sem direção, e os marginais aleatórios do momento que faturam sobre a agonia de uma região ou outra são a escuma que se forma sobre a torrente que irrompe da represa rachada do esgoto dos séculos, e do reservatório do ódio à razão, à lógica, à capacidade, à realização, ao prazer, armazenado por todo anti-humano lacrimejante que prega a superioridade do ‘coração’ sobre a mente.<br />“É uma conspiração de todos aqueles que não querem viver, mas escapar impunes, de todos os que tentam falsear só um pedacinho da realidade e são atraídos, por sentimento, por todos os que estão falseando outros pedacinhos – uma conspiração que une, por meio da evasão, todos os que têm como valor o zero: o professor que, sendo incapaz de pensar, sente prazer em estropiar as mentes de seus alunos; o negociante que, para proteger sua estagnação, sente prazer em acorrentar a capacidade dos seus concorrentes; o neurótico que, para defender seu ódio de si próprio, sente prazer em humilhar homens cheios de amor-próprio; o incompetente que sente prazer em prejudicar as realizações; o medíocre que sente prazer em derrubar tudo o que é grande; o eunuco que se realiza castrando todo prazer – e todos os intelectuais que lhes dão munição, todos os que pregam que a imolação da virtude transforma vícios em virtudes. A morte é a premissa das teorias deles, a morte é o objetivo das ações deles na prática – e vocês são suas últimas vítimas.<br />“Nós, que éramos os amortecedores colocados entre vocês e a natureza da sua doutrina, agora não estamos mais entre vocês para salvá-los dos efeitos dessa doutrina que optaram por seguir. Não estamos mais dispostos a pagar com nossas vidas as dívidas que contraíram nas suas vidas, nem o déficit moral acumulado por todas as gerações que vieram antes de vocês. Vocês viveram todo esse tempo endividados – e eu sou o homem que veio para cobrar a dívida.<br />“Eu sou o homem cuja existência os seus silêncios lhes permitiam ignorar. Sou o homem que vocês não queriam que vivesse nem que morresse – não queriam que eu vivesse, porque tinham medo de saber que eu assumira a responsabilidade do que vocês haviam se esquivado e medo de constatar que suas vidas dependiam de mim; não queriam que eu morresse, porque sabiam isso.<br />“Há 12 anos, no tempo em que eu trabalhava no seu mundo, eu era um inventor. Era membro de uma profissão que foi a última a surgir na história da humanidade e será a primeira a desaparecer no processo de volta ao infra-humano. O inventor é o homem que pergunta “por quê?” ao universo e não deixa que nada se interponha entre essa resposta e sua mente.<br />“Como o homem que descobriu a utilização do vapor ou o que descobriu o uso do petróleo, descobri uma fonte de energia que sempre existiu, desde que o mundo é mundo, mas que os homens não sabiam como usar senão como objeto de culto e de terror, como matéria de lendas sobre deuses trovejantes.<br />Completei o modelo experimental de um motor que teria trazido uma fortuna a mim e àqueles que me empregavam, um motor que teria aumentado a eficiência de todos os equipamentos que usam energia e que teria acrescentado a bênção do aumento de produtividade a cada hora que vocês passam ganhando o seu sustento.<br />“Então, certa noite, numa assembleia na fábrica, ouvi proferirem a minha sentença de morte, por ter realizado o que realizei. Ouvi três parasitas afirmarem que o meu cérebro e a minha vida eram de sua propriedade, que meu direito de viver era condicional e dependia de eu satisfazer os desejos deles. O objetivo da minha capacidade, disseram eles, era servir às necessidades daqueles que eram menos capazes que eu. Eu não tinha o direito de viver, disseram eles, por demonstrar competência para a vida; o direito que eles tinham à vida era incondicional, por serem incompetentes.<br />“Então compreendi o que havia de errado com o mundo, o que destruía os homens e as nações e onde se devia lutar a batalha pela vida. Compreendi que o inimigo era uma moralidade invertida – e que seu único poder era a minha aprovação a ela. Vi que o mal era impotente – que ele era o irracional, o cego, o antirreal – e que a única arma que garantia seu triunfo era a disposição dos bons de servi-lo. Do mesmo modo que os parasitas ao meu redor estavam proclamando que dependiam totalmente da minha mente e julgavam que eu aceitaria voluntariamente uma servidão que não tinham poder de me impor, do mesmo modo que contavam com a minha autoimolação para ter meios de pôr em prática seu plano, também em todo o mundo, e no decorrer de toda a história da humanidade, em todas as versões e formas, das extorsões de parentes parasitas às atrocidades dos países coletivizados, são os bons, os capazes, os homens racionais que agem como seus próprios destruidores, que entregam o sangue de sua virtude e deixam que o mal lhes transmita o veneno da destruição, garantindo dessa maneira o poder da sobrevivência para o mal e a impotência da morte para seus valores. Vi que chega um ponto, na derrota de todo homem virtuoso, em que o mal necessita do consentimento desse homem para vencer – e que nenhum mal que os outros lhe possam fazer terá sucesso se ele lhes negar seu consentimento. Vi que eu podia dar fim aos absurdos cometidos por vocês, pronunciando mentalmente uma única palavra.<br />Pronunciei-a: ‘não’.<br />“Larguei aquela fábrica. Abandonei o mundo de vocês e me dediquei à tarefa de alertar suas vítimas e lhes oferecer o método e a arma para os combater. O método era a recusa a se curvar diante da punição.<br />A arma era a justiça.<br />“Se querem saber o que perderam quando eu os abandonei e meus grevistas desertaram o seu mundo, coloquem-se num lugar deserto, jamais explorado pelo homem, e perguntem a si próprios de que modo e por quanto tempo seriam capazes de sobreviver caso se recusassem a pensar, sem ninguém para lhes dizer o que fazer. Ou então, se optassem por pensar, perguntem a si próprios quanto suas mentes seriam capazes de descobrir. Perguntem a quantas conclusões chegaram por seus próprios meios durante toda a vida e quanto tempo passaram repetindo ações aprendidas com os outros. Perguntem a si próprios se seriam capazes de descobrir como se cultiva a terra, como se faz uma plantação, se seriam capazes de inventar a roda, a manivela, a bobina, o gerador, a válvula eletrônica – então decidam se vão considerar os homens capazes exploradores que vivem do fruto do seu trabalho e roubam a riqueza que vocês produzem. Resolvam se ousam acreditar que têm o poder de escravizar esses homens. Que as suas mulheres contemplem uma mulher da selva, de rosto enrugado e seios flácidos, moendo farinha numa tigela, hora após hora, século após século – e que perguntem a si próprias se o seu ‘instinto de fazer ferramentas’ bastará para criarem geladeiras, máquinas de lavar e aspiradores de pó, e se, caso contrário, elas querem destruir aqueles que criaram tudo isso, e não o fizeram ‘por instinto’.<br />“Olhem ao seu redor, seus selvagens que acham que as ideias são criadas pelos meios de produção, que uma máquina não é o produto do pensamento humano, e sim um poder místico que produz pensamento humano. Vocês jamais descobriram a era industrial. Atêm-se a uma moralidade de bárbaros, do tempo em que uma forma miserável de subsistência era obtida com o esforço muscular dos escravos. Todo místico sempre quer escravos, para se proteger da realidade material que teme. Mas vocês, seus selvagens grotescos, olham sem nada ver para os arranha-céus que os cercam, para as chaminés das fábricas, e sonham escravizar os cientistas, os inventores e os industriais que criam as coisas materiais. Quando vocês pedem a propriedade coletiva dos meios de produção, estão pedindo a propriedade coletiva da mente. Ensinei a meus grevistas que a única resposta que vocês merecem é: ‘Pois tentem!’<br />“Vocês afirmam serem incapazes de explorar as forças da matéria inanimada, porém se propõem a explorar as mentes de homens capazes de realizar feitos dos quais vocês não são capazes. Afirmam que não podem sobreviver sem nós, porém se propõem a determinar as nossas condições de sobrevivência.<br />Afirmam que precisam de nós, porém têm a impertinência de se arrogar o direito de mandar em nós pela força – e pensam que nós, que não temos medo da natureza física que os apavora, vamos ter medo de um idiota qualquer que convenceu vocês a votar nele para tentar mandar em nós.<br />“Vocês se propõem a estabelecer uma ordem social baseada nos seguintes princípios: vocês são incompetentes para viver as próprias vidas, porém têm competência para mandar nas dos outros. São incapazes de viver em liberdade, mas têm capacidade para se tornarem governantes onipotentes. São incapazes de garantir o próprio sustento por meio de sua inteligência, mas têm capacidade suficiente para julgar políticos e elegê-los para cargos que lhes conferem poderes totais sobre atividades que vocês jamais viram, sobre ciências que jamais estudaram, sobre realizações das quais nunca ouviram falar, sobre indústrias gigantescas nas quais vocês, pela própria estimativa que fazem de sua capacidade, não conseguiriam trabalhar como assistentes de lubrificador.<br />“Esse ídolo do seu culto ao zero, esse símbolo de impotência – o dependente congênito – é a imagem que vocês têm do homem. É o seu padrão de valor, a cuja imagem tentam refazer suas almas. ‘É humano!’, exclamam vocês em defesa de toda depravação, atingindo o estágio de autodegradação em que se tenta fazer com que ‘humano’ signifique fraqueza, estupidez, vadiagem, mentira, fracasso, covardia e fraude e se pretende exilar da espécie humana o herói, o pensador, o produtor, o inventor, o forte, o decidido, o puro – como se ‘sentir’ fosse humano, mas pensar não fosse; como se o fracasso, e não o êxito, fosse humano; como se a corrupção, não a virtude, fosse humana. Como se fosse própria do homem a premissa da morte, e não a premissa da vida.<br />“Para nos privar primeiro da honra e depois de nossa riqueza, vocês sempre nos consideraram escravos que não merecem reconhecimento moral. Elogiam qualquer empreendimento que se pretenda não lucrativo e maldizem os homens que ganharam os lucros que tornaram viável o empreendimento.<br />Consideram ‘de interesse público’ todo projeto que sirva àqueles que não pagam, pois não é do interesse público prestar serviços aos que pagam. ‘Benefício público’ é tudo aquilo dado como esmola; comerciar é prejudicar o público. ‘Bem-estar do público’ é o bem-estar daqueles que não o merecem; os que o merecem não precisam de bem-estar. Para vocês, “o público” é todo aquele que não conseguiu atingir nenhuma virtude, nenhum valor. Quem quer que os atinja, quem quer que forneça os produtos necessários à sobrevivência de vocês deixa de ser considerado parte do público, da espécie humana.<br />“Qual foi o ato de silenciar que lhes permitiu ter esperanças de ser possível fugir às consequências desse lodo de contradições e planejá-lo como uma sociedade ideal, quando o ‘não’ das suas vítimas bastava para demolir toda a sua estrutura? O que permite a qualquer mendigo insolente exibir suas chagas aos que são melhores do que ele e lhes implorar ajuda em tom de ameaça? Vocês, como ele, exclamam que estão contando com a nossa piedade, mas sua esperança secreta é o código moral que lhes ensinou a contar com o nosso sentimento de culpa. Vocês pretendem fazer com que nos sintamos culpados de nossas virtudes na presença dos seus vícios, suas feridas e seus fracassos – culpados de ter sucesso, culpados de gozar a vida que vocês maldizem, embora nos implorem que os ajudemos a viver.<br />“Vocês queriam saber quem é John Galt? Sou o primeiro homem capaz que se recusou a encarar a capacidade como motivo para sentimentos de culpa. Sou o primeiro a não fazer penitência por minhas virtudes, a não deixá-las serem usadas como instrumento para a minha destruição. O primeiro a não querer sofrer o martírio nas mãos daqueles que desejavam que eu morresse em nome do privilégio de mantê-los vivos. O primeiro a lhes dizer que não precisava deles e que até aprenderem a lidar comigo como comerciantes, trocando valor por valor, teriam de existir sem mim, como eu existiria sem eles. O primeiro a lhes dizer que os faria aprender de quem é a necessidade e de quem a capacidade – e, se o padrão é a sobrevivência do homem, quem seria capaz de garanti-la.<br />“Fiz, deliberada e intencionalmente, aquilo que historicamente sempre foi feito por omissão silenciosa. Sempre houve homens inteligentes que entraram em greve, em protesto e em desespero, sem, porém, conhecer o significado do próprio ato. O homem que abandona a vida pública para pensar, sem, no entanto, compartilhar seus pensamentos; o homem que resolve passar a vida na obscuridade, fazendo trabalho braçal, guardando para si próprio o fogo de sua inteligência, sem jamais lhe dar forma, expressão nem realidade, recusando-se a usá-la num mundo que ele despreza; o homem que é derrotado pela repulsa, que renuncia antes de começar, que prefere desistir a ceder, que só dá uma parcela mínima de sua capacidade, desarmado pela ânsia por um ideal jamais encontrado – tais homens estão em greve contra a irracionalidade, em greve contra o seu mundo e os seus valores. Mas, ao não encontrar os próprios valores, abandonam a busca do conhecimento – nas trevas de seu desespero indignado, que é justificado sem que conheçam a justificativa, apaixonado sem que tenham desejo –, concedem a vocês o poder da realidade, abrem mão dos incentivos de suas mentes e morrem na amargura e na inutilidade, rebeldes que jamais conheceram o objeto de sua rebelião, amantes que jamais descobriram seu amor.<br />“A época infame que vocês chamam de Idade das Trevas foi um período de greve da inteligência, em que os homens capazes optaram pela clandestinidade e viveram em segredo, estudando escondidos, e morreram, destruindo as obras de suas mentes, quando apenas um pequeno punhado dos mais bravos mártires permaneceu para manter viva a espécie humana. Todos os períodos dominados por místicos foram eras de estagnação e miséria, em que a maioria dos homens estavam em greve contra a existência, trabalhando para ganhar menos do que o mínimo necessário à subsistência, sem deixar nada senão migalhas para ser saqueado pelos poderosos, recusando-se a pensar, a se aventurar, a produzir, pois quem se apropriava de seus lucros e constituía a mais alta autoridade para decidir o que era certo ou errado era o capricho de algum degenerado fantasiado investido da dignidade de superior à razão por direito divino e pelo poder de um porrete. A estrada da história do homem é uma sequência de silêncios e imensidões estéreis erodidas pela fé e pela força, com apenas uns poucos momentos de luz do sol, em que a energia libertada dos homens dotados de mentes realizou maravilhas que fizeram vocês se deslumbrarem, admirarem e imediatamente destruírem.<br />“Mas isso não acontecerá desta vez. O tempo dos místicos acabou. Vocês vão ser destruídos por seu próprio irrealismo. Nós, os racionais, sobreviveremos.<br />Eu liderei a greve dos mártires que jamais haviam abandonado vocês antes. Dei a eles a arma que lhes faltava: o conhecimento do próprio valor moral. Ensinei-lhes que o mundo é nosso, quando o quisermos, em virtude do fato de que a nossa moralidade é a moralidade da vida. Eles, as grandes vítimas que produziram todas as maravilhas do breve florescimento da humanidade, eles, os industriais, os conquistadores da matéria, não haviam descoberto a natureza do seu direito. Já sabiam que lhes cabia o poder, mas eu lhes ensinei que também lhes cabia a glória.<br />“Vocês, que ousam nos considerar moralmente inferiores a qualquer místico que afirme ter visões sobrenaturais; vocês, que brigam como abutres por migalhas saqueadas, porém dão mais valor a uma cartomante do que a um empresário; vocês, que zombam do negociante por considerá-lo ignóbil, porém exaltam o artista pretensioso – a base dos seus padrões é aquele miasma místico que emana dos pântanos primevos, aquele culto à morte que tacha de imoral o comerciante por ser ele quem os mantém vivos.<br />Vocês, que afirmam que querem transcender as preocupações mesquinhas do corpo, o trabalho mesquinho de atender apenas às necessidades físicas, me digam quem é escravizado pelas necessidades físicas: o hindu que trabalha de sol a sol puxando um arado para ganhar uma tigela de arroz ou o americano que dirige um trator? Quem é o conquistador da realidade física: o homem que dorme numa cama de pregos ou o que dorme num colchão de molas? Qual é o monumento ao triunfo do espírito humano sobre a matéria: os barracos imundos à margem do Ganges ou os arranha-céus de Nova York?<br />“Se vocês não aprenderem a responder a essas perguntas e a encarar com reverência as realizações da mente humana, não permanecerão por muito mais tempo neste mundo, que amamos e não permitiremos que vocês o amaldiçoem. Não vão escapar de fininho, como tantos já fizeram. Eu abreviei o curso normal da história e os fiz descobrir a natureza do pagamento que queriam que fosse passado adiante para outrem. Agora vocês terão de gastar suas últimas forças vitais para dar o imerecido aos adoradores e servidores da morte. Não façam de conta que uma realidade malévola os derrotou – vocês foram derrotados pelas próprias evasivas. Não façam de conta que vão morrer por um nobre ideal – vocês vão morrer para servir de pasto aos que odeiam a humanidade.<br />“Mas para aqueles, dentre vocês, que ainda guardam algum vestígio de dignidade e de vontade de viver a própria vida, ofereço a oportunidade de fazer uma opção. Pensem se vocês querem morrer por uma moralidade que jamais praticaram, em que jamais acreditaram. Parem à beira da autodestruição e examinem seus valores e sua vida. Antes vocês sabiam fazer um inventário dos seus bens. Agora façam um inventário de suas mentes.<br />“Desde pequenos, vocês vêm ocultando um segredo culposo: no fundo, nunca quiseram seguir essa moralidade, buscar a autoimolação. Sempre temeram e odiaram esse código, mas nem ousam dizê-lo a si próprios; vocês não têm esses ‘instintos’ morais que os outros afirmam sentir em si próprios. Quanto menos vocês os sentiam, mais alto proclamavam o seu amor altruístico pelos outros, seu desejo de servi-los, com medo de que descobrissem seu eu verdadeiro, o eu que vocês traíram, que sempre mantiveram escondido, como um esqueleto no porão de seu corpo. E eles, que, ao mesmo tempo, eram tapeados por vocês e os tapeavam, eles os escutavam e aprovavam com veemência suas palavras, com medo de que vocês descobrissem que eles escondiam o mesmo segredo. A vida entre vocês é um gigantesco fingimento, uma farsa que um representa para o outro, cada um se achando o único diferente, o único culpado, cada um atribuindo a autoridade moral ao incognoscível que só os outros conhecem, cada um falseando a realidade que acha que os outros querem que ele falseie, nenhum com a coragem de quebrar o círculo vicioso.<br />“Qualquer que seja a solução sórdida que vocês tenham adotado para conviver com esse código inviável, qualquer que seja o equilíbrio miserável que tenham atingido, misto de cinismo e superstição, vocês ainda preservam a raiz, a premissa letal: a ideia de que o que é moralmente correto é incompatível com o que é prático. Desde pequenos, vocês fogem do terror de uma escolha que jamais ousaram identificar explicitamente: de um lado, o que é prático – tudo aquilo que vocês precisam fazer para existir, tudo o que dá certo, que realiza os seus objetivos, que lhes proporciona alimento ou prazer, que lhes traz lucro, é mau –; de outro, o que é bom e moralmente correto, mas não é prático – tudo o que dá errado, destrói, frustra, tudo o que faz mal a vocês e lhes proporciona prejuízos ou dor. Na verdade, a escolha é esta: ser moralmente direito ou viver.<br />“O único resultado dessa doutrina assassina foi separar a moralidade da vida. Vocês foram criados com a ideia de que as leis morais não têm relação com a tarefa de viver, senão como obstáculos e ameaças; que a existência humana é uma selva amoral em que vale tudo e qualquer coisa funciona. E, nessa névoa de definições cambiantes que envolve uma mente congelada, vocês esquecem que os males amaldiçoados pela sua crença eram as virtudes necessárias à vida e chegam a acreditar que os males são os meios práticos da existência. Esquecendo que o ‘bem’ não prático era o auto sacrifício, vocês acreditam que o amor-próprio não é prático; esquecendo que o ‘mal’ prático era a produção, acreditam que o roubo é prático.<br />“Balançando-se como um galho ao sabor dos ventos numa selva amoral, vocês não ousam ser inteiramente maus nem viver completamente. Quando são honestos, sentem-se otários; quando são desonestos, sentem terror e vergonha. Quando são felizes, sua felicidade é diluída pela culpa; quando sofrem, a dor é aumentada pela sensação de que seu estado natural é a dor. Vocês sentem piedade dos homens que lhes inspiram admiração, pois acreditam que eles estão fadados a fracassar; invejam os que lhes inspiram ódio, pois acreditam que eles é que sabem viver. Sentem-se desarmados quando se veem frente a frente com um canalha: vocês acham que o mal está fadado a ganhar, visto que a moralidade é impotente, não é prática.<br />“Para vocês, a moralidade é um espantalho constituído de dever, tédio, castigo e dor, um cruzamento da primeira professora que vocês tiveram na escola fundamental com o coletor de impostos de agora, um espantalho colocado num campo estéril, sacudindo uma vara para afastar os seus prazeres – porque isso, para vocês, quer dizer um cérebro empapado de álcool, uma prostituta animalesca, o estupor de um imbecil que aposta dinheiro numa corrida de animais, pois o prazer não pode ser algo moralmente correto.<br />“Se vocês identificarem suas verdadeiras crenças, encontrarão uma tripla maldição – de si próprios, da vida e da virtude – na conclusão grotesca a que chegaram: vocês acreditam que a moralidade é um mal necessário.<br />“Vocês não entendem por que vivem sem dignidade, amam sem paixão e morrem sem resistência?<br />Não entendem por que, de todos os lados, só se ouvem perguntas sem respostas, por que a sua vida é dilacerada por conflitos insolúveis, por que vocês vivem tendo que fazer escolhas artificiais, como optar pela alma ou pelo corpo, pela mente ou pelo coração, pela segurança ou pela liberdade, pelo lucro privado ou pelo bem público?<br />“Vocês se queixam de não encontrar respostas? Como pretendiam encontrá-las? Vocês rejeitam seu instrumento de percepção – sua mente – e depois reclamam que o universo é um mistério. Jogam fora a chave, depois choram porque todas as portas estão trancadas para vocês. Partem em busca do irracional, depois maldizem a existência por não fazer sentido.<br />“A escolha de que vocês estão tentando se esquivar há duas horas – enquanto ouvem minhas palavras e tentam não ouvi-las – é a fórmula do covarde expressa na frase: “Mas não é preciso partir para soluções extremas!” A solução extrema que vocês vivem tentando evitar é a aceitação do fato de que a realidade é absoluta, de que A é A e a verdade é verdadeira. Um código moral impossível de praticar, que exige a imperfeição e a morte, lhes ensinou a dissolver todas as ideias numa neblina, a não permitir definições firmes, a considerar todos os conceitos aproximações e todas as regras de conduta elásticas, a achar exceções a todos os princípios, a transigir em todos os valores, a ficar sempre no meio. Ao obrigá-los, por meio de extorsão, a aceitar absolutos sobrenaturais, esse código os forçou a rejeitar o absoluto da natureza. Tornando impossíveis os julgamentos morais, tornou vocês incapazes de emitir um julgamento racional. Um código que os proíbe de atirar a primeira pedra os proíbe de admitir a identidade das pedras e de saber quando se está sendo apedrejado.<br />“O homem que se recusa a julgar, que nem concorda nem discorda, que afirma não haver absolutos e acredita desse modo se esquivar das responsabilidades – esse homem é responsável por todo o sangue que está sendo derramado agora no mundo. A realidade é absoluta, a existência é absoluta, um grão de poeira é absoluto e uma vida humana também é absoluta. Viver ou morrer é algo absoluto. Ter um pedaço de pão ou não tê-lo, isso também é algo absoluto. Poder comer o pão ou vê-lo ser devorado por um saqueador, isso também é algo absoluto.<br />“Há dois lados em toda questão: um está certo e o outro, errado, mas o meio é sempre mau. O homem que está errado ainda guarda algum respeito pela verdade, mesmo que apenas por assumir a responsabilidade da escolha. Mas o homem do meio é o calhorda que silencia a verdade para fingir que não há escolha nem valores, que está disposto a escapulir de todas as batalhas, a lucrar com o sangue dos inocentes ou a rastejar perante os culpados, que faz justiça condenando à prisão tanto o ladrão quanto a vítima, que resolve os conflitos obrigando o sábio e o insensato a encontrarem uma solução intermediária que agrade a ambos. Qualquer transigência entre a comida e o veneno só pode representar uma vitória para a morte. Qualquer transigência entre o bem e o mal só pode ser favorável ao mal. É como na transfusão de sangue que tira do bem para abastecer o mal: aquele que transige faz o papel de tubo de transfusão.<br />“Vocês que são meio racionais, meio covardes vivem passando o conto do vigário na realidade, mas a vítima da sua vigarice são vocês mesmos. Quando os homens reduzem sua virtude a valores aproximados, então o mal ganha a força de absoluto, quando a lealdade a um objetivo inarredável é abandonada pelos virtuosos, ela é assumida pelos canalhas – e o que se vê é o espetáculo indecente de um bem aviltado, transigente, traiçoeiro, e um mal intransigente e farisaico. Assim como vocês se renderam aos místicos dos músculos quando eles lhes disseram que a ignorância consiste em afirmar que se sabe, agora vocês também se rendem quando eles gritam que a imoralidade consiste em emitir juízos morais. Quando berram que é egoísmo ter certeza de que se tem razão, vocês se apressam a lhes dizer que não têm certeza de nada. Quando eles gritam que é imoral se apegar às suas convicções, vocês lhes dizem que não têm convicção nenhuma. Quando os valentões das repúblicas populares europeias rosnam acusações de intolerância dirigidas a vocês, porque vocês não acham que o seu desejo de viver e a vontade deles de os matar não passam de uma diferença de opinião – vocês se acovardam e se apressam a explicar que não são intolerantes para com nenhum horror. Quando algum vagabundo descalço em alguma pocilga na Ásia grita ‘Como ousam ser ricos?’, vocês pedem desculpas e lhe pedem paciência, prometendo-lhe que vão dar tudo o que têm.<br />“Vocês chegaram ao beco sem saída da traição que cometeram quando aceitaram que não tinham o direito de viver. Primeiro vocês acreditavam que era apenas uma questão de ‘não ser intransigente’: aceitavam que era imoral viver para si próprios, porém era correto viver para seus filhos. Depois aceitaram que era egoísmo viver para seus filhos, porém era certo viver para a sua comunidade. Depois aceitaram que era egoísmo viver para a sua comunidade, mas era certo viver para a pátria. Agora vocês deixam este país, o maior de todos, ser devorado pela ralé dos quatro cantos do mundo, aceitando que é egoísmo viver para a pátria, e que o dever moral de cada um é viver para todo o mundo. O homem que não tem direito de viver não tem o direito de ter valores e jamais poderá se ater a eles.<br />“No fim dessa estrada de traições sucessivas, desprovidos de armas, de certezas, de honra, vocês cometem a traição final e assinam seu atestado de falência intelectual: enquanto os místicos dos músculos das repúblicas populares afirmam serem os defensores da razão e da ciência, vocês aceitam proclamar que a fé é o seu princípio fundamental; que a razão está do lado daqueles que os destroem, mas que o seu lado é o da fé. Para o que ainda resta de honestidade racional das mentes confusas e torturadas dos seus filhos, vocês declaram que não podem oferecer argumentos racionais para defender as ideias que criaram este país, que não há justificativa racional para a liberdade, a propriedade, a justiça, os direitos, que tais coisas se baseiam numa intuição mística e só podem ser aceitas por uma questão de fé, que a razão e a lógica estão do lado do inimigo, porém a fé é superior à razão. Vocês afirmam a seus filhos que é racional saquear, torturar, escravizar, expropriar, assassinar, mas que eles devem resistir às tentações da lógica e se apegar à disciplina do irracionalismo redentor – que os arranha-céus, as fábricas, os rádios, os aviões foram gerados pela fé e pela intuição mística, enquanto a fome, os campos de concentração e os pelotões de fuzilamento foram gerados por uma forma racional de existência –, e declaram que a Revolução Industrial foi uma revolta de homens cheios de fé contra a época de razão e lógica denominada Idade Média. Ao mesmo tempo, vocês afirmam às mesmas crianças que os saqueadores que mandam nas repúblicas populares vão ultrapassar este país em produção material, visto que eles são os representantes da ciência, porém é mau dar valor à riqueza material, então declaram que se deve renunciar à prosperidade. Vocês afirmam que os ideais dos saqueadores são nobres, só que eles não os levam a sério, mas vocês sim; que seu objetivo ao combater os saqueadores é apenas realizar os objetivos deles, que eles não poderão concretizar, mas vocês sim; e que a maneira de combatê-los é dar a eles a sua riqueza. Depois vocês não entendem por que seus filhos se tornam valentões do povo ou delinquentes enlouquecidos, nem por que as conquistas dos saqueadores estão cada vez chegando mais perto das suas portas, e concluem que a culpa é da estupidez humana, afirmando que as massas são imunes à razão.<br />“Vocês silenciam o espetáculo público e descarado da luta dos saqueadores contra a mente, e o fato de que os horrores mais sanguinolentos por eles cometidos visam punir o crime de pensar. Silenciam o fato de que a maioria dos místicos dos músculos começaram como místicos do espírito, que vivem trocando de posição, que os homens que vocês chamam de materialistas e espiritualistas não passam das duas metades do mesmo ser humano dissecado, sempre buscando se completar, mas passando, ao fazê-lo, da destruição da carne para a da alma e vice-versa – que eles vivem correndo das suas universidades para as colônias de escravos da Europa e para a lama mística da Índia, buscando qualquer refúgio contra a realidade, qualquer forma de fugir da mente.<br />“Silenciam essas coisas e se atêm à sua hipocrisia da ‘fé’ a fim de silenciar a consciência do fato de que os saqueadores utilizam o código moral de vocês para lhes tirar vantagens; de que os saqueadores são os verdadeiros praticantes da moralidade que vocês só seguem até certo ponto; de que eles a praticam da única maneira que ela pode ser praticada: transformando a Terra em altar de sacrifício; de que a sua moralidade os proíbe de combatê-los do único modo que eles podem ser combatidos: recusando-se a se oferecer ao sacrifício como animais e afirmando com orgulho seu direito de existir; de que, para combatê-los até o fim, e com absoluta retidão, é a moralidade deles que vocês têm que rejeitar.<br />“Vocês silenciam esse fato, porque o seu amor-próprio está preso àquele ‘altruísmo’ místico que jamais tiveram nem praticaram, porém passaram tantos anos fingindo possuir, pois a ideia de denunciá-lo os aterroriza. Nenhum valor é mais elevado do que o amor-próprio, porém vocês o investiram em ações falsificadas – e agora a sua moralidade os jogou numa armadilha em que são obrigados a proteger seu amor-próprio lutando pela doutrina da autodestruição. A ironia macabra é que essa necessidade de amor-próprio, que vocês não conseguem explicar nem definir, pertence à minha moralidade, não à sua – é a marca objetiva do meu código, minha prova dentro da sua alma.<br />“Graças a um sentimento que ele não aprendeu a identificar, porém retém desde que tomou consciência da própria existência, desde que descobriu que é obrigado a fazer escolhas, o homem sabe que sua necessidade desesperada de amor-próprio é uma questão de vida ou morte. Como ser dotado de consciência com poder de escolha, ele sabe que precisa conhecer o próprio valor a fim de manter sua vida. Sabe que tem de estar certo – estar errado numa ação implica uma ameaça à sua vida; estar errado como pessoa, ser mau, significa ser desqualificado para a existência.<br />“Todo ato na vida do homem depende da vontade; o próprio ato de obter alimento ou comê-lo implica que a pessoa que ele preserva merece ser preservada; todo prazer que ele tenta gozar implica que a pessoa que o procura merece prazer. Ele não tem escolha quanto à sua necessidade de amor-próprio; sua única possibilidade de escolha diz respeito ao padrão com base no qual ele o medirá. E ele comete seu erro fatal quando faz com que esse padrão que protege a sua vida passe a servir à sua destruição, quando escolhe um padrão que contradiz a existência e joga seu amor-próprio contra a realidade.<br />“Toda forma de dúvida infundada de si mesmo, todo sentimento de inferioridade, de autodesvalorização secreta, é, na verdade, o medo oculto de ser incapaz de arcar com a existência.<br />Porém, quanto maior o terror, mais o homem se agarra com unhas e dentes às doutrinas assassinas que o sufocam. Nenhum indivíduo pode sobreviver ao momento em que se declara irremediavelmente mau; se sobrevive, seu instante seguinte é a loucura ou o suicídio. Para fugir disso – se ele escolheu um padrão irracional –, ele irá fingir, escapar, silenciar. Vai privar a si próprio da realidade, da existência, da felicidade, da mente, e terminará privando-se do amor-próprio, lutando para preservar essa ilusão, para não correr o risco de descobrir sua ausência. Ter medo de encarar uma questão implica a aceitação de que a realidade é a pior possível.<br />“Não é nenhum dos crimes que vocês já tenham cometido que lhes infunde à alma essa sensação de culpa permanente, não é nenhum fracasso, erro ou falha sua, e sim o silêncio por meio do qual vocês tentam se evadir deles. Não é nenhum pecado original nem deficiência pré-natal desconhecida, e sim a consciência e o fato de sua omissão básica, o ato de anular a própria mente, de se recusar a pensar. O medo e a culpa são as suas emoções crônicas, são reais e vocês as merecem, mas eles não provêm das razões superficiais que vocês inventam para disfarçar a causa delas; não vêm do seu ‘egoísmo’, da sua fraqueza nem da sua ignorância, e sim de uma ameaça concreta e básica à sua existência: o medo decorre do fato de que vocês abandonaram a arma que possibilita a sobrevivência; a culpa, da consciência de que vocês o fizeram voluntariamente.<br />“O eu que vocês traíram é a sua mente; amor-próprio é confiar na capacidade própria de pensar. O eu que buscam, aquele eu essencial que não podem exprimir nem definir, não consiste nas suas emoções nem nos seus sonhos desconexos, e sim no seu intelecto, aquele juiz do seu supremo tribunal, o qual vocês destituíram para poder ser desviados do seu caminho, à mercê de todo vigarista que chamam de ‘sentimento’. Depois se arrastam pela escuridão que vocês próprios criaram, numa busca desesperada por um fogo sem nome, impelidos por uma pálida visão de uma madrugada vista e perdida.<br />“Observem a persistência, nas mitologias, da lenda de um paraíso que os homens possuíram certa vez, a cidade de Atlântida ou o Jardim do Éden ou algum reino de perfeição, sempre no passado. A raiz dessa lenda se encontra não no passado da espécie, mas no de cada homem. Vocês ainda guardam uma vaga ideia – não nítida como uma lembrança, e sim difusa, como a dor de uma saudade sem esperanças – de que em algum momento da sua primeira infância, antes de aprenderem a se submeter, a absorver o terror do irracional e questionar o valor da sua mente, conheceram um estado radiante de existência, a independência de uma consciência racional encarando um universo aberto. Esse é o paraíso que vocês perderam e que buscam – e que pode ser seu quando quiserem.<br />“Alguns de vocês jamais virão a saber quem é John Galt. Mas aqueles que experimentaram ao menos um momento de amor à vida e de orgulho de ser amante da vida, ao menos um instante em que encararam a Terra e a abençoaram com o olhar, esses conheceram o estado de ser homem – e eu sou o único homem que sabia que esse estado não pode ser traído. Sou o homem que sabia o que o tornava possível e que resolveu coerentemente praticar e ser aquilo que vocês praticaram e foram naquele momento único.<br />“Vocês são livres para fazer essa escolha. Para optar por se dedicar ao mais elevado potencial de si próprios, é preciso aceitar o fato de que o ato mais nobre que jamais se realizou foi o ato mental de compreender que 2 mais 2 são 4.<br />“Sejam quem forem – vocês que estão sozinhos com as minhas palavras neste momento, só vocês e sua honestidade para ajudá-los a entender –, ainda há tempo de optar por ser homem, mas o preço é começar do início, colocar-se nu diante da realidade e, corrigindo um erro histórico que custou muito caro, declarar: ‘Existo, portanto vou pensar.’<br />“Aceitem o fato irrevogável de que a sua vida depende da sua mente. Admitam que toda a sua luta, suas dúvidas, suas falsificações, suas evasivas nada mais eram do que uma tentativa de fugir da responsabilidade de uma consciência com poder de escolha – uma busca do conhecimento automático, da ação instintiva, da certeza intuitiva –, e, embora dissessem que ansiavam pelo estado dos anjos, o que vocês buscavam era o estado dos animais. Aceitem, como seu ideal moral, a tarefa de se tornar homens.<br />“Não digam que têm medo de confiar na sua mente porque sabem muito pouco. Vocês acham mais seguro se entregar aos místicos e jogar fora o pouco que sabem? Vivam e ajam dentro dos limites do seu conhecimento e os ampliem até o fim da vida. Redimam a mente da casa de penhores da autoridade.<br />Aceitem o fato de que vocês não são oniscientes, mas saibam que bancar o zumbi não vai torná-los oniscientes; aceitem o fato de que a sua mente é falível, mas admitam que se livrar dela não vai torná-los infalíveis; aceitem o fato de que um erro que cometeram por iniciativa própria é mais seguro do que 10 verdades aceitas por fé, porque a sua iniciativa lhes dá os meios de corrigi-lo, ao passo que a mera aceitação destrói a sua capacidade de distinguir a verdade do erro. Substituam o seu sonho de autômatos oniscientes, aceitem o fato de que todo conhecimento que o homem adquire é fruto da própria vontade e do próprio esforço, e que isso é o que o distingue no Universo, essa é a sua natureza, sua moralidade, sua glória.<br />“Joguem fora essa justificativa ilimitada para o mal que consiste em afirmar que o homem é imperfeito. Com base em que padrões vocês o amaldiçoam quando dizem isso? Aceitem o fato de que, no campo da moralidade, qualquer coisa que não seja a perfeição não serve. Porém a perfeição não se mede por mandamentos místicos que ordenam que se faça o impossível, e a estatura moral do homem não deve ser medida por questões que não dependem da sua escolha. O homem tem uma única alternativa básica: pensar ou não, e é essa a medida da sua virtude. A perfeição moral é a racionalidade absoluta, não o seu grau de inteligência, porém a utilização integral e implacável da sua mente; não a extensão dos seus conhecimentos, e sim a aceitação da razão como um absoluto.<br />“Aprendam a reconhecer a diferença entre os erros de conhecimento e os deslizes morais. Um erro de conhecimento não é um deslize moral, desde que vocês estejam dispostos a corrigi-lo; apenas um místico julgaria os seres humanos tomando como padrão uma onisciência impossível e automática. Porém um deslize moral é a escolha consciente de um ato que vocês sabem ser mau, ou o evadir-se conscientemente do conhecimento, o fechar de olhos ou da mente. Aquilo que não sabem não pode representar uma acusação moral contra vocês; mas o que vocês se recusam a saber é marca da infâmia que cresce na sua alma. Tenham toda a tolerância possível com os erros de conhecimento, não perdoem nem aceitem nenhum deslize moral. Até prova em contrário, absolvam os que buscam o saber, porém tratem como assassinos em potencial aqueles depravados insolentes que exigem coisas de vocês, anunciando que não têm razões nem buscam razão nenhuma, que se baseiam apenas nos ‘sentimentos’ – e aqueles que rejeitam uma argumentação irrefutável dizendo: ‘Isso é só lógica’, o que quer dizer: ‘Isso é só a realidade.’ O único plano que se opõe ao da realidade é o plano e a premissa da morte.<br />“Aceitem o fato de que a concretização da sua felicidade é o único objetivo moral da sua vida, e que a felicidade – não a dor nem a estupidez autocomplacente – é a prova da sua integridade moral, visto que é a prova e o resultado da sua lealdade à realização dos seus valores. A felicidade era a responsabilidade que vocês temiam, e ela exigia aquela espécie de disciplina racional que não se valorizavam o bastante para assumir – e a esterilidade ansiosa da sua vida é o monumento à sua insistência em se evadir da consciência de que não há substituto moral para a felicidade, não há covarde mais desprezível do que o homem que abandonou a batalha pela sua própria felicidade, temendo afirmar seu direito à existência, faltando-lhe a coragem e a lealdade à vida que têm uma ave ou uma planta que procura o sol. Joguem fora os trapos que protegem o vício a que vocês chamam virtude: a humildade. Aprendam a valorizar-se a si próprios, ou seja, a lutar pela sua felicidade. E, quando tiverem aprendido que o orgulho é a soma de todas as virtudes, vocês aprenderão a viver como homens.<br />“Um passo básico na aprendizagem do amor-próprio é encarar como sinal de canibalismo toda exigência de ajuda. O homem que exige ajuda de vocês está afirmando que a sua vida é propriedade dele – e, por mais repugnante que isso seja, há algo ainda mais repugnante: concordar e aceitar. Perguntam vocês: ‘É bom ajudar outro homem?’ Não, se ele afirma que se trata de um direito dele ou de um dever moral seu; sim, se isso é o que vocês desejam, com base no prazer egoísta que lhes proporciona o valor da pessoa e da luta do outro. O sofrimento como tal não é valor; só a luta do homem contra o sofrimento é.<br />Se optarem por ajudar um homem que sofre, façam-no apenas com base nas virtudes dele, na sua luta para se salvar, na sua racionalidade, ou no fato de que seu sofrimento é imerecido. Nesse caso, seu ato continua sendo uma forma de comércio, e a virtude dele é o pagamento da sua ajuda. Mas ajudar um homem desprovido de virtudes, ajudá-lo apenas porque ele está sofrendo, aceitar seus defeitos, sua necessidade, como algo que imputa a vocês uma obrigação, é aceitar que um zero hipoteque os seus valores. Um homem desprovido de virtudes odeia a existência e age com base na premissa da morte.<br />Ajudá-lo é sancionar seu mal e manter sua carreira de destruição. Seja um centavo que não vai lhes fazer falta ou um sorriso simpático a que ele não fez jus, dar tributo a um zero é trair a vida e todos aqueles que tentam lutar por ela. Foram centavos e sorrisos assim que fizeram a desolação do seu mundo.<br />“Não digam que a minha moralidade é dura demais para vocês praticarem e que a temem como o desconhecido. Todos os momentos de vida que vocês já experimentaram foram vividos segundo os valores do meu código. Porém vocês o sufocaram, negaram, traíram. Insistiram em sacrificar as suas virtudes em benefício dos seus vícios, e o melhor dos homens em benefício do pior. Olhem ao seu redor: tudo o que vocês fizeram à sociedade fizeram a suas almas antes; uma coisa é imagem da outra. Esse amontoado de destroços que é o seu mundo agora é a forma física da traição que cometeram contra os seus valores, os seus amigos, os seus defensores, o seu futuro, o seu país, contra vocês próprios.<br />“Nós – a quem vocês chamam, mas que não vamos mais atender – vivíamos entre vocês, porém não nos reconheciam, se recusavam a pensar e a nos ver tais como éramos. Não reconheceram o motor que inventei – e ele se tornou, no seu mundo, um pedaço de ferro-velho. Não reconheceram o herói na sua alma – e não me reconheceram quando passei por vocês na rua. Quando gritaram em desespero, chamando o espírito inalcançável que sabiam ter abandonado o seu mundo, vocês lhe deram o meu nome, mas o que estavam chamando era o seu amor-próprio traído. Vocês não poderão recuperar um sem o outro.<br />“Quando vocês não reconheceram a mente do homem e tentaram governar seres humanos pela força, aqueles que se submeteram não tinham mentes de que abrir mão e os que as tinham eram homens que não se submetem. Assim, o homem de gênio produtivo assumiu no seu mundo o papel de playboy e se tornou um destruidor de riquezas, optando por destruir sua fortuna para não entregá-la a homens armados. Assim, o pensador, o homem da razão, assumiu no seu mundo o papel de pirata, para defender seus valores pela força contra a sua força, para não se submeter ao domínio da brutalidade.<br />Estão me ouvindo, Francisco d’Anconia e Ragnar Danneskjöld, meus primeiros amigos, companheiros de luta e de exílio, em nome de quem e em homenagem a quem estou falando agora?<br />“Fomos nós três que demos início àquilo que estou agora completando. Fomos nós três que resolvemos vingar este país e libertar sua alma aprisionada. Este país, o maior de todos, foi construído com base na minha moralidade – a inviolável supremacia do direito do homem à existência –, porém vocês temiam admitir esse fato e ser homens à altura dos que construíram este país. Vocês olhavam, sem entender, para uma realização sem par na história do mundo e saquearam seus efeitos e silenciaram sua causa. Na presença desses monumentos à moralidade humana que são as fábricas, as estradas e as pontes, vocês insistiam em tachar este país de imoral e o progresso que o caracteriza de ‘ganância material’. Insistiam em pedir desculpas pela grandeza deste país ao ídolo da fome primeva, o decadente ídolo europeu de um vagabundo leproso e místico.<br />“Este país – produto da razão – não poderia sobreviver com base na moralidade do sacrifício. Ele não foi construído por homens que buscavam a autoimolação ou pediam esmolas. Não podia se sustentar com base na separação mística que divorciou a alma do homem de seu corpo. Não podia viver alimentado pela doutrina mística que tachava de mau este mundo e de depravados todos os que nele alcançavam o sucesso. Desde o início, este país representou uma ameaça à antiga dominação dos místicos. Na brilhante e efêmera explosão de sua juventude, este país exibiu a um mundo incrédulo a grandeza da qual o homem era capaz, a felicidade que era possível na Terra. Era uma coisa ou outra: ou os Estados Unidos ou os místicos. Os místicos sabiam disso; vocês não. Vocês deixaram que eles os infectassem com o culto à necessidade – e este país se tornou um gigante no corpo com um anão parasita no lugar da alma, enquanto sua alma viva foi obrigada a viver na clandestinidade, para trabalhar e alimentar vocês em silêncio, sem nome, sem honras; sua alma e seu herói: o industrial. Você está me ouvindo agora, Hank Rearden, a maior das vítimas que vinguei?<br />“Nem ele nem nenhum de nós voltaremos enquanto não estiver livre o caminho da reconstrução deste país, enquanto as ruínas da moralidade do sacrifício não tiverem sido retiradas da nossa frente. O sistema político de um país se baseia no seu código de moralidade. Vamos reconstruir o sistema americano com base na premissa moral que foi sua raiz, mas que vocês encaravam como se fosse um passado escuso, na sua tentativa desesperada de escapar do conflito entre essa premissa e a sua moralidade mística: a premissa de que o homem é um fim em si, não o meio para os fins dos outros; de que a vida do homem, sua liberdade, sua felicidade são dele por um direito inalienável.<br />“Vocês que perderam a noção de direito, que oscilam numa hesitação impotente entre a ideia de que os direitos são uma dádiva divina, uma dádiva sobrenatural a ser aceita pela fé, e a ideia de que os direitos são uma dádiva da sociedade, a ser desrespeitada ao bel-prazer arbitrário da sociedade – a fonte dos direitos do homem não é a lei divina nem as leis das assembleias legislativas, e sim a lei da identidade. A é A – e o homem é o homem. Os direitos são condições da existência exigidos pela natureza humana para a sua sobrevivência. Para que o homem possa viver na Terra, é direito que ele use a sua mente, é direito que aja com base em seu livre-arbítrio, é direito que trabalhe por seus valores e guarde o produto do seu trabalho. Se a vida na Terra é seu objetivo, ele tem o direito de viver como um ser racional: a natureza lhe proíbe o irracional. Qualquer grupo, qualquer gangue, qualquer nação que tente negar os direitos do homem está errada, ou seja, é má, é antivida.<br />“Direitos são um conceito moral – e a moral é uma questão de escolha. Os homens têm a liberdade de não optar pela sobrevivência do homem como padrão de sua moralidade e de suas leis, mas não a de se esquivar do fato de que a alternativa é uma sociedade de canibais, que existe por algum tempo devorando o que tem de melhor e depois cai como um corpo canceroso, quando os saudáveis já foram comidos pelos doentes, quando os racionais já foram consumidos pelos doentes, quando os racionais já foram consumidos pelos irracionais. Esse sempre foi o destino histórico das sociedades, mas vocês se esquivaram do conhecimento da causa. Estou aqui para enunciá-lo: o agente de retribuição foi a lei da identidade, da qual vocês não podem se esquivar. Assim como o homem não pode viver por meio do irracional, também não o podem dois homens, nem 2 mil, nem 2 bilhões. Do mesmo modo que um homem não pode vencer desafiando a realidade, também não o pode uma nação, um país, um mundo.<br />A é A. O restante é uma questão de tempo, que depende da generosidade das vítimas.<br />“Assim como o homem não pode existir sem seu corpo, também não pode haver direitos sem o direito de transformar os direitos que se tem em realidade – pensar, trabalhar e guardar para si os resultados do trabalho –, o que implica o direito de propriedade. Os modernos místicos dos músculos que propõem a alternativa fraudulenta ‘direitos humanos’ em oposição a ‘direitos de propriedade’, como se aqueles pudessem existir sem estes, estão fazendo uma última tentativa grotesca de restabelecer a doutrina da alma em oposição ao corpo. Somente um fantasma pode existir sem propriedade material; somente um escravo pode trabalhar sem o direito de guardar para si o produto de seu esforço. A doutrina segundo a qual os ‘direitos humanos’ são superiores aos ‘direitos de propriedade’ simplesmente significa que alguns seres humanos têm o direito de transformar os outros em propriedade. Como os competentes nada têm a ganhar dos incompetentes, isso quer dizer que os incompetentes têm o direito de ter como propriedade sua aqueles que são melhores do que eles e usá-los como gado produtor. Quem considera isso humano e direito não tem direito de ser considerado humano.<br />“A origem dos direitos de propriedade é a lei da causalidade. Toda propriedade e todas as formas de riqueza são produzidas pela mente e pelo trabalho do homem. Do mesmo modo que não se pode ter efeitos sem causas, também não se pode ter riqueza sem a sua fonte: a inteligência. Não se pode forçar a inteligência a trabalhar: aqueles que têm capacidade de pensar não trabalham sob compulsão; os que se submetem não produzem muito mais do que o preço do chicote necessário para mantê-los escravizados.<br />Só se pode adquirir os produtos de uma mente aceitando as condições do proprietário, por meio do comércio e do consentimento voluntário. Qualquer outra política em relação à propriedade do homem é uma política de criminosos, independentemente do número de pessoas que a defendam. Os criminosos são selvagens que só pensam a curto prazo e morrem de fome quando não há mais vítimas para serem sacrificadas – do mesmo modo que vocês estão morrendo de fome hoje, vocês que acreditavam que o crime podia ser uma coisa ‘prática’ se o seu governo decretasse que o roubo era legal e a resistência a ele era ilegal.<br />“O único objetivo correto de um governo é proteger os direitos do homem, ou seja: protegê-lo da violência física. Um governo correto é apenas um policial, atuando como agente da legítima defesa do homem, e, como tal, pode recorrer à força apenas contra aqueles que tomam a iniciativa de usar a força.<br />As únicas funções corretas de um governo são: a polícia, para proteger o cidadão dos criminosos; o Exército, para proteger o cidadão de invasores estrangeiros; e os tribunais, para proteger a propriedade e os contratos das violações e fraudes, para resolver disputas por meio de regras racionais, de acordo com leis objetivas. Porém um governo que toma a iniciativa de empregar a força contra homens que não a usaram contra ninguém – a utilização de compulsão armada contra vítimas desarmadas – é uma máquina infernal que visa aniquilar a moralidade: um tal governo deixa de ser protetor do homem para ser seu mais mortal inimigo; de policial passa a criminoso investido do direito de usar da violência contra vítimas privadas do direito de legítima defesa. Um governo assim substitui a moralidade pela seguinte regra de conduta social: vocês podem fazer o que quiserem com o próximo, desde que a sua gangue seja maior do que a dele.<br />“Apenas um brutamontes, um tolo ou um inconsequente pode aceitar viver nessas condições ou concordar em dar a seus semelhantes um cheque em branco contra sua vida e sua mente, aceitar a doutrina de que os outros têm o direito de fazer o que bem entenderem com a sua pessoa, de que a vontade da maioria é onipotente, de que a força física dos músculos e das maiorias substituiu a justiça, a realidade e a verdade. Nós, os homens proprietários de mentes, que somos comerciantes, não senhores de escravos nem escravos, não trabalhamos com cheques em branco nem os aceitamos. Não convivemos nem trabalhamos com nenhuma forma de não objetividade.<br />“Enquanto os homens, na época da barbárie, não tinham a noção de realidade objetiva e acreditavam que a natureza física era governada pelo capricho de demônios incognoscíveis, não era possível haver pensamento, ciência, produção. Só quando os homens descobriram que a natureza era um absoluto firme e previsível é que puderam confiar em seus conhecimentos, escolher seu rumo, planejar seu futuro e, lentamente, emergir das cavernas. Agora vocês colocaram a indústria moderna, com sua imensa complexidade de precisão científica, de volta nas mãos de demônios incognoscíveis – sob o poder imprevisível dos caprichos arbitrários de burocratas feios e ocultos. O fazendeiro não investe o esforço de um verão se não puder calcular a probabilidade de ter uma boa colheita. Porém vocês querem que gigantes da indústria, que fazem planos em termos de décadas, investem em termos de gerações e fecham contratos por 99 anos, continuem a trabalhar e a produzir sem saber que capricho aleatório vai pela cabeça de qual funcionário aleatório e irá cair sobre eles em que momento para destruir todo o seu trabalho. Os vagabundos e os trabalhadores braçais vivem e fazem planos em função de um dia. Quanto mais privilegiada a mente, mais longo o prazo. O homem cuja visão só concebe um casebre pode continuar a construir sobre as suas areias movediças, para ganhar um lucro imediato e depois ir embora.<br />O que concebe arranha-céus não pode. Tampouco ele dedicará 10 anos de trabalho exaustivo à tarefa de inventar um novo produto quando sabe que gangues de mediocridades poderosas manipulam as leis em detrimento dele, para prendê-lo, limitá-lo, obrigá-lo a cair, quando ele entende que, se lutar e vencer e tiver sucesso, eles lhe roubarão as recompensas e a sua invenção.<br />“Enxerguem além do momento presente, vocês que exclamam que temem competir com homens de inteligência superior, que a mente deles é uma ameaça à sua subsistência, que os fortes não dão chances aos fracos num mercado de comércio voluntário. O que determina o valor material do seu trabalho?<br />Nada senão o esforço produtivo da sua mente. Se vocês vivessem numa ilha deserta, quanto menos eficiente o seu cérebro, menos renderia seu trabalho físico – e vocês poderiam passar a vida toda realizando uma mesma tarefa sempre repetida, fazendo uma plantação rudimentar e caçando com arco e flecha, incapazes de ir além disso. Mas quando vivem numa sociedade racional, em que os homens são livres para comerciar, vocês recebem uma vantagem preciosa: o valor material do seu trabalho é determinado não apenas pelos seus esforços, mas também pelos esforços das mais brilhantes mentes produtivas que há no mundo que os cerca.<br />“Quando vocês trabalham numa fábrica moderna, são pagos não apenas pelo seu trabalho, mas também por toda a genialidade produtiva que tornou possível aquela fábrica: pelo trabalho do industrial que a construiu, pelo do investidor que economizou dinheiro para arriscá-lo num empreendimento novo, pelo do engenheiro que projetou as máquinas que vocês estão operando, pelo do inventor que criou o bem que vocês produzem no seu trabalho, pelo do cientista que descobriu as leis envolvidas na produção desse bem, pelo do filósofo que ensinou os homens a pensar – por tudo aquilo que vocês vivem criticando.<br />“A máquina, forma concretizada de uma inteligência viva, é o poder que amplia o potencial da sua vida aumentando a produtividade do seu tempo. Se vocês trabalhassem como ferreiros na Idade Média dos místicos, toda a sua capacidade de ganhar dinheiro se resumiria a uma barra de ferro produzida pelas suas mãos após dias e mais dias de trabalho. Quantas toneladas de trilhos vocês produzem por dia se trabalham para Hank Rearden? Ousariam dizer que a quantia que ganham foi criada apenas pelo seu trabalho físico e que aqueles trilhos são o produto dos seus músculos? O padrão de vida daquele ferreiro medieval é tudo a que os seus músculos fazem jus; o restante é um presente de Hank Rearden.<br />“Todo homem é livre para subir tanto quanto puder ou quiser, porém ele só sobe na medida em que utilizar sua mente. O trabalho braçal em si não vai além do momento. O homem que só realiza trabalho braçal consome o valor material equivalente ao da própria contribuição ao processo de produção e não gera mais nenhum valor, nem para si próprio nem para os outros. Mas o que produz uma ideia em qualquer campo no domínio da razão – o homem que descobre novos conhecimentos – será para sempre um benfeitor da humanidade. Os produtos materiais não podem ser compartilhados, pois pertencem sempre àqueles que os consomem. É apenas o valor de uma ideia que pode ser compartilhado com um número ilimitado de homens, fazendo com que todos se tornem mais ricos sem que ninguém seja sacrificado ou leve prejuízo, elevando a capacidade produtiva do trabalho de todo cidadão, não importa quem ele seja. É o valor do próprio tempo que os homens de mente forte transferem para os mais fracos, permitindo que trabalhem em empregos por eles criados enquanto dedicam seu tempo a realizar novas descobertas. Isso é uma troca em que os dois lados saem ganhando. O interesse da mente é sempre o mesmo, qualquer que seja o grau de inteligência, quando se trata de homens que querem trabalhar e não ganhar aquilo a que não fizeram jus.<br />“Em proporção à energia mental que gastou, o homem que cria uma nova invenção só recebe uma pequena porcentagem de seu valor em termos de pagamento material, por maior que seja a fortuna que ganhe. Porém o que trabalha como faxineiro na fábrica que produz essa invenção recebe um pagamento enorme em proporção ao esforço mental que seu trabalho exige dele. E o mesmo se dá com todos os cargos intermediários, em todos os níveis de ambição e capacidade. O homem que se encontra no topo da pirâmide intelectual contribui para todos aqueles que se encontram embaixo, mas não recebe nada mais do que seu pagamento material, sem receber nenhum bônus intelectual dos outros que se acrescente ao valor do seu tempo. O homem na base da pirâmide, que sozinho morreria de fome por causa de sua total inépcia, não contribui com nada para aqueles que se encontram acima, porém recebe o bônus de todos os seus cérebros. É essa a natureza da ‘concorrência’ entre os intelectualmente fortes e os fracos. É essa a ‘exploração’ em consequência da qual vocês maldizem os fortes.<br />“Era esse o serviço que prestávamos a vocês de bom grado. O que pedíamos em troca? Nada, senão a liberdade. Pedíamos que nos dessem liberdade para atuar, liberdade para pensar e trabalhar no que bem entendêssemos, para correr os riscos que quiséssemos e arcar com os prejuízos que sofrêssemos, para ganhar nossos lucros e fazer nossas fortunas, para apostar na sua racionalidade, submeter nossos produtos ao seu discernimento para fins de comércio voluntário, com base no valor objetivo do nosso trabalho e na capacidade das suas mentes de enxergar esse valor, liberdade para confiar na sua inteligência e honestidade e só lidar com suas mentes. Era esse o preço que pedíamos e que vocês rejeitaram por achá-lo alto demais. Resolveram achar que era injusto que nós, que retiramos vocês das choupanas e lhes demos apartamentos modernos, rádios, cinemas e automóveis, tivéssemos palácios e iates. Resolveram que vocês tinham o direito de receber seu salário, mas nós não tínhamos o direito de receber nossos lucros; que vocês não queriam que lidássemos com as suas mentes e sim com as suas armas. Nossa resposta foi: ‘Pois que se danem!’ E foi o que de fato aconteceu. Vocês se danaram.<br />“Vocês não queriam competir em termos de inteligência, agora estão competindo em termos de brutalidade. Não queriam que as recompensas fossem conferidas aos produtores de sucesso, então agora vivem numa disputa em que as recompensas vão para os saqueadores de sucesso. Achavam cruel e egoísta os homens trocarem valor por valor, então agora têm uma sociedade altruísta em que se troca extorsão por extorsão. O seu sistema é uma guerra civil legalizada, em que os homens formam gangues e disputam o controle das leis, que são empregadas como porretes para derrubar rivais, até que uma outra gangue as arranca das mãos da anterior e as usa para agredir outras gangues, todas elas afirmando que servem a um bem jamais especificado de um público jamais especificado. Vocês disseram que não viam diferença entre poder econômico e poder político, entre o poder do dinheiro e o poder das armas – nenhuma diferença entre recompensa e punição, entre compra e roubo, entre prazer e medo, entre vida e morte. Pois agora estão aprendendo qual é a diferença.<br />“Alguns de vocês haverão de dar como desculpa a sua ignorância, suas limitações intelectuais. Porém os mais culpados de vocês são os homens que tinham a capacidade de saber, mas optaram por silenciar a realidade, que se dispuseram a vender sua inteligência e cinicamente se tornaram servidores da força: a raça desprezível de místicos da ciência que afirmam se dedicar a algum tipo de ‘saber puro’ – cuja pureza consiste em afirmarem que esse saber não tem nenhuma utilidade prática no mundo –, que reservam a lógica para a matéria inanimada, porém acreditam que lidar com homens não é coisa que peça nem mereça a racionalidade, que desprezam o dinheiro e vendem a alma por um laboratório mantido por saqueadores. E como não há ‘saber não prático’ nem atos ‘desinteressados’, como desprezam a utilização da ciência deles para servir à vida, fazem a ciência servir à morte, ao único objetivo prático que ela pode ter para os saqueadores: o de criar armas de coação e destruição. Eles, os intelectuais que querem fugir dos valores morais, são os malditos deste mundo, é deles a culpa que não tem perdão. Está me ouvindo, Dr. Robert Stadler?<br />“Mas não é a ele que quero me dirigir. Falo para aqueles entre vocês que ainda guardam algum vestígio de soberania em suas almas, ainda não vendidas nem marcadas com o carimbo: ‘A serviço dos outros.’ Se, em meio ao caos de motivos que levou vocês a ligar o rádio hoje, havia um desejo honesto, racional, de entender o que há de errado no mundo, vocês são os homens a quem eu queria me dirigir.<br />Segundo meu código moral, tem-se a obrigação de dar uma explicação racional àqueles que estão envolvidos e que estão se esforçando para entender. Quanto aos que estão se esforçando para não me entender, nada tenho a ver com eles.<br />“Falo àqueles que desejam viver e reconquistar a honra de suas almas. Agora que vocês conhecem a verdade a respeito do seu mundo, parem de apoiar aqueles que os estão destruindo. A única coisa que possibilita o mal é a sanção que vocês lhe dão. Retirem-na. Retirem o seu apoio. Não tentem viver sob as condições impostas pelos seus inimigos, nem ganhar num jogo em que as regras são estabelecidas por eles. Não queiram cair nas graças daqueles que os escravizaram, não peçam esmolas aos que os roubaram, seja sob a forma de subsídios, de empréstimos ou de empregos. Não passem para o lado deles para conseguir de volta o que tiraram de vocês, roubando seus semelhantes. É inútil tentar garantir a própria sobrevivência aceitando subornos para consentir na própria destruição. Não se esforcem pelo lucro, pelo sucesso nem pela segurança se o preço é uma hipoteca sobre o seu direito de viver. Essa hipoteca jamais poderá ser paga inteiramente. Quanto mais lhes pagarem, mais eles exigirão; quanto maiores os valores que vocês ambicionarem ou realizarem, mais vulneráveis e impotentes vocês se tornarão. O sistema deles é uma forma de chantagem branca que visa roubar seu sangue, não com base nos seus pecados, e sim no seu amor à vida.<br />“Não tentem subir aceitando as condições dos saqueadores, nem subir uma escada quando as cordas estão nas mãos deles. Não permitam que eles toquem na única força que os mantém no poder: a ambição de vocês. Entrem em greve, como eu fiz. Usem suas mentes e capacidades só para vocês mesmos, ampliem seus conhecimentos, desenvolvam suas capacidades, porém não compartilhem seus conhecimentos com os outros. Não tentem produzir uma fortuna com um saqueador montado às suas costas. Permaneçam no primeiro degrau da escada, não ganhem mais que o mínimo necessário para a sobrevivência, não ganhem nem mesmo um tostão adicional que ajude a sustentar o Estado dos saqueadores. Já que vocês são prisioneiros, ajam como prisioneiros e não os ajudem a fazer de conta que vocês são homens livres. Tornem-se os inimigos silenciosos e incorruptíveis que eles tanto temem.<br />Quando os obrigarem a fazer algo, obedeçam – mas jamais se ofereçam como voluntários para nada.<br />Jamais deem um passo em direção a eles voluntariamente, nunca lhes concedam um desejo, uma súplica, um objetivo. Não ajudem um assaltante a fingir que está agindo como seu amigo e benfeitor.<br />Não ajudem seus carcereiros a fingir que a prisão deles é o estado natural da existência. Não os ajudem a falsear a realidade. Essa falsificação é a única represa que contém o secreto terror deles, o terror de saber que são incapazes de viver. Abram as comportas e deixem que eles se afoguem – a sua aprovação é o único colete salva-vidas que eles têm.<br />“Se tiverem oportunidade de fugir para algum lugar remoto fora do alcance deles, fujam, mas não para viverem como bandidos nem para criar uma gangue que vá concorrer com a deles; construam uma vida produtiva independente com aqueles que aceitam o seu código moral e estão dispostos a lutar por uma existência humana. Vocês não têm nenhuma chance de saírem vitoriosos com uma moralidade da morte, nem com o código da fé e da força. Sua bandeira deve ser aquela que será adotada pelos honestos: o pavilhão da vida e da razão.<br />“Ajam como seres racionais e tenham por objetivo se tornarem congregadores de todos aqueles que anseiam por uma voz íntegra. Ajam com base nos seus valores racionais, estejam sozinhos no meio de seus inimigos ou com um punhado de amigos por vocês escolhidos, ou na posição de fundadores de comunidades modestas na fronteira do renascimento do homem.<br />“Quando o Estado dos saqueadores cair por terra, privado de seus melhores escravos, quando descer ao nível do caos impotente, como as nações místicas do Oriente, e se dissipar com gangues de ladrões digladiando-se entre si – quando os defensores da moralidade do sacrifício morrerem junto com seu ideal –, então haveremos de voltar.<br />“Abriremos os portões da nossa cidade àqueles que merecem entrar, da nossa cidade de fábricas, oleodutos, pomares, mercados e lares invioláveis. Agiremos como coordenadores das comunidades ocultas fundadas por vocês. Tendo por símbolo o cifrão – o símbolo do dólar, o símbolo do livre-câmbio e das mentes livres –, vamos retomar este país das mãos dos selvagens impotentes que jamais descobriram sua natureza, seu significado, seu esplendor. Os que quiserem se juntar a nós o farão; os que não o fizerem não terão poder para nos deter. As hordas de selvagens jamais constituíram obstáculos para os homens que marcham sob o estandarte da mente.<br />“Então este país voltará a ser um santuário para essa espécie em vias de extinção: o ser racional. O sistema político que construiremos se resume numa única premissa moral: nenhum homem pode arrancar nenhum valor de outro por meio da força física. Todo homem vencerá ou perderá, viverá ou morrerá por seu discernimento moral. Se não souber usá-lo e for derrotado, ele será sua única vítima. Se achar que seu discernimento é insuficiente, não poderá usar uma arma para aperfeiçoá-lo. Se optar por corrigir seus erros a tempo, o exemplo que terá para seguir será o daqueles que lhe são superiores, que o orientarão e o ajudarão a aprender a pensar, porém terá fim a infâmia de se pagar com a vida pelos erros dos outros.<br />“Neste mundo, vocês poderão se levantar de manhã com a disposição de espírito que conheceram na infância: aquela sensação de entusiasmo, aventura e certeza que provém da consciência de que se está lidando com um universo racional. Nenhuma criança tem medo da natureza. É o seu medo dos homens que desaparecerá, o que atrofia suas almas, o medo que vocês adquiriram nos seus primeiros contatos com o que há de incompreensível, de imprevisível, de contraditório, de arbitrário, de oculto, de falsificado, de irracional nos homens. Viverão num mundo de seres responsáveis, que serão tão coerentes e confiáveis quanto os fatos. A garantia de seu caráter será um sistema de existência em que a realidade objetiva é o padrão e o juiz. Suas virtudes serão protegidas, mas não seus vícios e suas fraquezas. O que há de bom em vocês será protegido, mas não o que têm de mau. O que receberão dos homens não será caridade, nem piedade, nem misericórdia, nem perdão dos pecados, e sim um único valor: justiça. E, quando olharem para os outros ou para si próprios, vocês sentirão não repulsa, suspeita ou culpa, e sim um único sentimento: respeito.<br />“É esse o futuro que vocês têm capacidade de conquistar. Ele exige luta, como qualquer valor humano. Toda vida é uma luta voltada para um objetivo, e sua única escolha é a de uma meta. Vocês querem prosseguir na sua luta atual ou querem lutar pelo meu mundo? Querem prosseguir numa luta que consiste em se agarrar a galhos precários enquanto deslizam por um barranco que termina num abismo, numa luta em que as privações que se sofre são irreversíveis e as vitórias que se obtém só servem para tornar mais próxima a destruição? Ou querem se empenhar numa luta que consiste em subir de patamar a patamar, numa ascensão constante, até o alto, uma luta em que as privações são investimentos no futuro, e as vitórias ganhas os trarão cada vez mais perto do mundo de seu ideal moral, de modo que, mesmo que vocês morram antes de chegar ao ponto em que o sol brilha com toda a força, ao menos chegarão a ser atingidos pelos seus primeiros raios? É essa a escolha que cabe a vocês fazer.<br />Que suas mentes e seu amor à vida decidam.<br />“Minhas últimas palavras serão dirigidas àqueles heróis que porventura ainda estejam escondidos no mundo, prisioneiros não de suas evasivas, mas de suas virtudes e de sua coragem desesperada. Meus irmãos espirituais, examinem suas virtudes e a natureza dos inimigos a quem vocês estão servindo. Os que os destroem os dominam por meio da sua resistência, da sua generosidade, da sua inocência, do seu amor: a resistência que arca com os fardos deles; a generosidade que atende aos gritos de desespero deles; a inocência que é incapaz de conceber a maldade deles e que, na dúvida, acredita neles e se recusa a condená-los sem compreender, sem poder compreender as motivações que os impelem; o amor, o seu amor à vida, que os faz acreditar que também eles são homens e amam a vida. Porém o mundo de hoje é o que eles queriam; a vida é objeto de seu ódio. Deixem para eles essa morte que adoram. Em nome da sua magnífica dedicação a esta terra, abandonem esses inimigos, não desperdicem a grandeza de suas almas realizando o triunfo da maldade que há nas almas deles. Está me ouvindo… meu amor?<br />“Em nome do que há de melhor em vocês, não sacrifiquem este mundo àqueles que são o que há de pior nele. Em nome dos valores que os mantêm vivos, não deixem que sua visão do homem seja distorcida pelo que há de feio, covarde, irracional naqueles que jamais chegaram a merecer o título de homens. Não esqueçam que o que caracteriza o homem é a postura ereta, a mente intransigente, a capacidade de percorrer estradas infinitas. Não deixem que se apague o seu fogo insubstituível, fagulha por fagulha, nos pântanos do desespero do ‘mais ou menos’, do ‘não é bem isso’, do ‘ainda não’, do ‘de jeito nenhum’. Não deixem morrer o herói que vive em suas almas, solitário e frustrado por nunca ter conseguido atingir a vida merecida. Examinem sua estrada e a natureza da sua luta. O mundo que vocês desejavam pode ser conquistado: ele existe, é real, é possível, é seu.<br />“Mas para conquistá-lo é necessário dar toda a sua dedicação e romper totalmente com o mundo do passado, com a doutrina segundo a qual o homem é um animal a ser oferecido em sacrifício, que existe para proporcionar prazer aos outros. Lutem pelo valor das próprias pessoas. Lutem pela virtude do seu orgulho. Lutem pela essência do homem: sua mente racional soberana. Lutem com a certeza radiante e a retidão absoluta de saber que a moralidade da vida é sua, que é sua a luta por toda realização, por todo valor, por toda grandeza, por toda bondade, por toda felicidade que já existiu nesta Terra.<br />“Vocês vencerão quando estiverem prontos para pronunciar o juramento que proferi no início de minha luta. E, para aqueles que querem saber o dia em que hei de voltar, repetirei agora meu juramento perante todo o mundo: Juro, por minha vida e por meu amor a ela, que jamais viverei por outro homem, nem pedirei a outro homem que viva por mim.”", "to": [ "https://www.w3.org/ns/activitystreams#Public" ], "cc": [ "https://www.minds.com/api/activitypub/users/650525645859729410/followers" ], "tag": [], "url": "https://www.minds.com/newsfeed/788550977962643457", "published": "2017-12-15T23:40:03+00:00", "source": { "content": "O discurso de John Galt\n\n“Há 12 anos vocês perguntam: ‘Quem é John Galt?’ Bem, quem está falando é John Galt. Eu sou o homem que ama a vida. Sou o homem que não sacrifica seu amor nem seus valores. Sou o homem que os privou de vítimas e, portanto, destruiu seu mundo, e, se vocês querem saber por que estão sendo destruídos – vocês que odeiam o conhecimento –, eu sou aquele que vai lhes dizer por quê.”\n“Vocês ouvem dizer que vivemos uma era de crise moral. Vocês mesmos já disseram isso, com um misto de medo e esperança de que essas palavras nada signifiquem. Exclamam que os pecados do homem estão destruindo o mundo e maldizem a natureza humana por ela se recusar a exercer as virtudes que exigem dela. Como para vocês virtude é sacrifício, exigem cada vez mais sacrifícios a cada desastre que acontece. Em nome de uma volta à moralidade, vocês sacrificaram todos aqueles males que consideravam ser a causa de seu sofrimento. Sacrificaram a justiça em nome da piedade. Sacrificaram a independência em nome da unidade. Sacrificaram a razão em nome da fé. Sacrificaram a riqueza em nome da necessidade. Sacrificaram o amor-próprio em nome do auto sacrifício. Sacrificaram a felicidade em nome do dever.\n“Vocês destruíram tudo aquilo que consideravam mau e atingiram tudo o que consideravam bom.\nPor que então lhes causa horror o mundo que os cerca? Este mundo não é produto de seus pecados, e sim produto e imagem de suas virtudes. É o seu ideal moral concretizado na íntegra, na sua total perfeição. Vocês lutaram por isso, sonharam com isso, desejaram isso, e eu… eu sou o homem que satisfez esse seu desejo.\n“Seu ideal tinha um inimigo implacável, que seu código moral tinha por objetivo destruir. Eu afastei esse inimigo. Eu o retirei da sua frente e do seu alcance. Retirei a fonte de todos os males que vocês sacrificavam, um por um. Pus fim à sua luta. Parei o seu motor. Privei seu mundo da mente humana.\n“Vocês afirmam que o homem não vive de sua mente? Pois retirei do mundo os homens que o fazem.\nVocês dizem que a mente é impotente? Pois retirei do mundo aqueles cujas mentes não o são. Afirmam que há valores mais elevados do que a mente? Pois retirei do mundo aqueles para quem não há.\n“Enquanto arrastavam para seus altares de sacrifício os homens justos, independentes, racionais, ricos e cheios de amor-próprio, fui mais rápido do que vocês e os alcancei antes. Eu lhes disse a natureza do jogo que estavam jogando e do seu código moral, que eles eram generosos e inocentes demais para compreender. Mostrei-lhes como viver com base numa outra moralidade – a minha. Eles optaram por obedecer a ela.\n“Todos os homens que desapareceram, os homens que vocês detestavam, porém temiam perder, fui eu quem os retirou do seu mundo. Não tentem nos encontrar. Não queremos ser encontrados. Não digam que é nosso dever servi-los. Não reconhecemos esse dever. Não digam que pertencemos a vocês.\nNão é verdade. Não nos peçam para voltar. Estamos em greve, nós, os homens possuidores de mentes.\n“Estamos em greve contra o auto sacrifício. Estamos em greve contra a doutrina de recompensas imerecidas e deveres não recompensados. Estamos em greve contra o dogma de que desejar a felicidade para si próprio é algo mau. Estamos em greve contra a doutrina de que a vida é culpa.\n“Há uma diferença entre a nossa greve e todas aquelas que vocês vêm fazendo há séculos: a nossa consiste não em fazer exigências, e sim em atender exigências. Somos maus, segundo a sua moralidade.\nResolvemos não lhes fazer mais mal. Somos inúteis, de acordo com a sua economia. Resolvemos não explorá-los mais. Somos perigosos e merecemos viver acorrentados, segundo a sua política. Resolvemos não ameaçá-los, nem continuar a usar essas correntes. Somos apenas uma ilusão, segundo a sua filosofia.\nResolvemos não cegá-los mais e deixá-los livres para encarar a realidade – a realidade que vocês queriam, o mundo tal qual o veem agora, um mundo sem mente.\n“Concedemos tudo o que vocês exigiam de nós, nós que sempre lhes demos tudo, mas só agora o compreendemos. Não temos exigências a lhes fazer, não apresentamos quaisquer propostas de negociação, nenhuma solução conciliatória. Vocês não têm nada a nos oferecer. Não precisamos de vocês.\n“Então agora vocês estão gritando. Não, não era isso que vocês queriam? Então um mundo sem mente, um mundo de ruínas não era seu objetivo? Vocês não queriam que nós os abandonássemos? Seus canibais, sei que vocês sempre souberam o que queriam. Mas agora a brincadeira terminou, porque agora nós também sabemos.\n“Durante séculos de pragas e catástrofes, causadas pelo seu código moral, vocês vêm exclamando que seu código foi violado, que as pragas eram castigos por causa dessas violações, que o homem era fraco e egoísta demais para derramar todo o sangue que esse código exigia. Vocês amaldiçoavam o homem, condenavam a existência, abominavam esta Terra, mas jamais ousaram questionar seu código. Suas vítimas assumiam a culpa e continuavam a trabalhar, recebendo suas maldições como recompensa pelo seu martírio, enquanto vocês continuavam a choramingar, dizendo que seu código era nobre, apenas a natureza humana não era boa o suficiente para praticá-lo. E ninguém levantou a voz para perguntar:\n‘Bem, por quais padrões?’\n“Vocês queriam conhecer a identidade de John Galt. Eu sou o homem que fez essa pergunta.\n“Sim, é verdade que vivemos numa época de crise moral. Sim, é verdade que vocês estão sendo\npunidos pelo mal que cometeram. Mas não é o homem que está sendo julgado, não é a natureza humana que vai ser julgada culpada. É o seu código moral que finalmente chegou ao clímax, ao beco sem saída que é seu destino. E, se vocês querem continuar vivos, o que precisam fazer agora não é voltar à moralidade – visto que jamais conheceram o que tal coisa significa –, e sim descobri-la.\n“Os únicos conceitos de moralidade que conhecem são o místico e o social. Vocês aprenderam que a moralidade é um código de comportamento imposto pelo capricho de um poder sobrenatural ou da sociedade para servir os desígnios de Deus ou o bem-estar do próximo, para agradar a uma autoridade do outro mundo ou da casa ao lado – mas não para servir à própria vida e ao próprio prazer. Vocês aprenderam que o seu próprio prazer se encontra na imoralidade, os seus próprios interesses residem no mal, e que todo código moral tem que ser voltado não para vocês, mas contra vocês, não para promover a vida, mas para abatê-la.\n“Durante séculos, a luta da moralidade foi travada entre aqueles que afirmavam que a sua vida pertence a Deus e aqueles que afirmavam que ela pertence ao próximo. Entre aqueles que pregavam que o bem é se sacrificar em nome de fantasmas no céu e aqueles que pregavam que o bem é se sacrificar em nome dos incompetentes na Terra. E ninguém veio para lhes dizer que a sua vida pertence a vocês e que o bem consiste em vivê-la.\n“Ambas as partes em conflito estavam de acordo quanto a uma coisa: a moral exige que se abandone o interesse próprio e a mente. A moral e a vida prática são conflitantes. A moralidade não faz parte do domínio da razão, e sim da fé e da força. Ambas as partes concordavam que não é possível haver uma moralidade racional, que não há certo e errado na razão – que na razão não há razão para se agir conforme a moral.\n“Ainda que brigassem por vários motivos, todos os moralistas se uniam na luta contra a mente do homem. Era a mente do homem que todos os sistemas e dogmas deles visavam saquear e destruir. Agora vocês têm que optar: ou morrer ou aprender que ser contra a mente é ser contra a vida.\n“A mente do homem é o instrumento básico de sua sobrevivência. A vida lhe é concedida, mas não a sobrevivência. Seu corpo lhe é concedido, mas não o seu sustento. Sua mente lhe é concedida, mas não o seu conteúdo. Para permanecer vivo, ele tem de agir, e, para que possa agir, tem de conhecer a natureza e o propósito de sua ação. Ele não pode se alimentar sem conhecer qual é seu alimento e como tem de agir para obtê-lo. Não pode cavar um buraco, nem construir um cíclotron, sem conhecer seu objetivo e os meios de atingi-lo. Para permanecer vivo, ele tem de pensar.\n“Mas pensar é um ato de escolha. A chave daquilo que vocês denominam, com tanta leviandade, ‘natureza humana’, o segredo de polichinelo com que vocês convivem, porém não ousam assumir, é o fato de que o homem é um ser cuja consciência tem poder de escolha. A razão não atua automaticamente.\nPensar não é um processo mecânico. As conexões lógicas não são feitas por instinto. A função do estômago, dos pulmões, do coração é automática, mas a função da mente não é. A qualquer momento, em qualquer etapa da vida, vocês são livres para pensar ou se esquivar do esforço de pensar. Porém não são livres para escapar da sua natureza, do fato de que a razão é o seu meio de sobrevivência – de modo que para vocês, como seres humanos, a questão do ‘ser ou não ser’ é a questão de ‘pensar ou não pensar’.\n“Um ser cuja consciência tem poder de escolha não possui um curso automático de comportamento.\nEle precisa de um código de valores para orientar seus atos. ‘Valor’ é aquilo que se age para ganhar ou conservar; ‘virtude’ é o ato por meio do qual se ganha ou se conserva o valor. ‘Valor’ pressupõe uma resposta à pergunta: valor para quem e por quê? Pressupõe um padrão, um objetivo e a necessidade de ação em oposição a uma alternativa. Onde não há alternativas não pode haver valores.\n“Só há duas alternativas fundamentais no universo – existência ou não existência –, que só se aplicam a uma única classe de entidades: os organismos vivos. A existência da matéria inanimada é incondicional, mas a existência da vida não é: ela depende de um curso de ação específico. A matéria é indestrutível, muda de forma, mas não pode deixar de existir. É apenas o organismo vivo que se defronta com duas alternativas constantes: vida ou morte. A vida é um processo de ação que se autossustenta e gera a si própria. Se um organismo fracassa nesse processo, ele morre. Os elementos químicos que o compõem permanecem, mas a vida desaparece. É apenas o conceito de ‘vida’ que torna possível o conceito de ‘valor’. Só para um ser vivo as coisas podem ser boas ou más.\n“A planta precisa de alimento para viver. O sol, a água, as substâncias químicas de que ela precisa são os valores que a natureza dela a faz buscar. Sua vida é o padrão de valor que orienta seus atos. Mas a planta não pode escolher um curso de ação. Há alternativas nas condições que ela encontra, porém não nas suas funções: ela age automaticamente para preservar sua vida e não pode agir em prol de sua autodestruição.\n“O animal possui meios que lhe possibilitam preservar sua vida. Seus sentidos lhe oferecem um código de ação automático, um conhecimento automático do que é bom ou mau. Ele não tem o poder de aumentar esse conhecimento nem de se esquivar dele. Quando seu conhecimento se revela inadequado, ele morre. Porém, enquanto está vivo, ele age com base em seu conhecimento, com segurança automática e sem poder de escolha. Ele é incapaz de ignorar seu próprio bem, de optar pelo mal e agir para destruir a si próprio.\n“O homem não possui nenhum código de sobrevivência automático. O que o distingue de todos os outros seres vivos é a necessidade de agir em face de alternativas por meio da escolha de sua vontade. Ele não possui um conhecimento automático do que é bom ou mau para ele, de quais são os valores em que se baseia sua vida, de que curso de ação tais valores precisam. Vocês vivem falando em instinto de autopreservação, não é? Pois instinto de autopreservação é justamente aquilo que o homem não tem.\n‘Instinto’ é uma forma de conhecimento automática e infalível. Um desejo não é um instinto. Um desejo de viver não dá a vocês o conhecimento necessário para viver. E até mesmo o desejo de viver do homem não é automático: o mal secreto de que são culpados hoje é justamente o fato de que vocês não têm este desejo. O seu medo de morrer não é amor à vida e não lhes dará o conhecimento necessário à preservação dela. O homem é obrigado a adquirir conhecimentos e a optar entre cursos de ação por meio de um processo de raciocínio, processo esse que a natureza não pode obrigá-lo a utilizar. O homem tem o poder de agir em prol de sua autodestruição – e é assim que ele vem agindo durante a maior parte da sua história.\n“Um ser vivo que considerasse mau o seu meio de sobrevivência não poderia sobreviver. Uma planta que se esforçasse para destruir suas raízes ou uma ave que tentasse quebrar as próprias asas não permaneceriam muito tempo vivas. Porém a história do homem tem sido uma luta voltada para a negação e a destruição de sua mente.\n“Afirma-se que o homem é um ser racional, porém a racionalidade é uma questão de opção – e as alternativas que sua natureza lhe oferece são estas: um ser racional ou um animal suicida. O homem tem que ser homem – por escolha, ele tem que ter sua vida como um valor; por escolha, tem que aprender a preservá-la; por escolha; tem que descobrir os valores que ela requer e praticar suas virtudes. Por escolha.\n“Um código de valores aceito por escolha é um código moral.\n“Sejam vocês quem forem, vocês que estão me ouvindo agora, estou me dirigindo ao que restar de incorrupto em vocês, ao vestígio de humanidade, à sua mente. E digo: existe, sim, uma moralidade da razão, uma moralidade própria ao homem, e a vida do homem é o seu padrão de valor.\n“Tudo aquilo que é apropriado à vida de um ser racional é bom; tudo aquilo que a destrói é mau.\n“A vida do homem, tal como exige sua natureza, não é a vida de um brutamontes irracional, de um marginal saqueador nem de um místico parasitário, e sim a vida de um ser pensante. Não uma vida por meio da força nem da fraude, e sim por meio da realização. Não a sobrevivência a qualquer preço, visto que há apenas um preço que paga a sobrevivência do homem: a razão.\n“A vida do homem é o padrão da moralidade, mas a própria vida é o objetivo dela. Se a existência na Terra é a sua meta, vocês têm que escolher seus atos e valores com base no padrão daquilo que é próprio ao homem – com o objetivo de preservar, concretizar e desfrutar o valor insubstituível que é a sua vida.\n“Como a vida exige um curso de ação específico, qualquer outro caminho a destruirá. Um ser que não tenha a própria vida como motivo e meta de seus atos age com o motivo e o padrão da morte. Um ser assim é metafisicamente monstruoso, um ser que luta para se opor, negar e contradizer o fato de sua própria existência, correndo às cegas numa trilha de destruição, incapaz de gerar o que quer que seja que não a dor.\n“A felicidade é o estado de sucesso da vida; a dor é um agente da morte. A felicidade é aquele estado da consciência que decorre da realização dos valores que se tem. Uma moralidade que ousa lhes dizer que vocês devem procurar a felicidade na renúncia à sua felicidade – valorizar o fracasso de seus valores – é uma insolente negação da moralidade. Uma doutrina que lhes dá como ideal o papel de animal a ser sacrificado em holocausto no altar dos outros lhes dá a morte como padrão. Por obra e graça da realidade e da natureza da vida, o homem – todo homem – é um fim em si, existe por si, e a realização de sua própria felicidade é seu mais elevado objetivo moral.\n“Mas nem a vida nem a felicidade podem ser alcançadas pela busca de caprichos irracionais. Assim como o homem é livre para tentar sobreviver de qualquer maneira aleatória – mas há de morrer se não viver de acordo com as exigências de sua natureza –, ele também é livre para buscar sua felicidade em qualquer fraude irracional. Nesse caso, porém, a tortura da frustração é tudo o que ele encontrará, a menos que busque a felicidade própria do homem. O objetivo da moralidade é ensinar não a sofrer e morrer, e sim a gozar a vida e viver.\n“Deixem de lado esses parasitas de salas de aula subsidiadas que vivem dos lucros das mentes de outrem e proclamam que o homem não precisa de moralidade, nem de valores, nem de códigos de comportamento. Eles, que se fazem passar por cientistas e afirmam que o homem não passa de um animal, não o incluem na lei da existência que concedem ao mais humilde inseto. Eles reconhecem que toda espécie de ser vivo tem um modo de sobrevivência exigido por sua natureza e não afirmam que um peixe é capaz de viver fora d’água nem que um cão pode viver sem seu olfato, porém declaram que o homem, o mais complexo dos seres, pode sobreviver de qualquer maneira imaginável, não tem identidade nem natureza e pode perfeitamente viver com seu meio de sobrevivência destruído, sua mente sufocada e colocada à disposição de quaisquer ordens que resolvam dar.\n“Deixem de lado todos esses místicos corroídos pelo ódio, que se fazem passar por amigos da humanidade e pregam que a mais elevada virtude de que o homem é capaz é não dar valor à própria vida. Eles lhes dizem, por acaso, que o objetivo da moralidade é refrear o instinto humano de autopreservação? É para a própria preservação que o homem precisa de um código moral. O único homem que deseja agir segundo a moralidade é o homem que deseja viver.\n“Não, vocês não são obrigados a viver. Essa é a sua escolha básica. Mas, se optam por viver, então são obrigados a levar a vida como homens – por suas ações e pelos juízos de sua mente.\n“Não, não são obrigados a viver como homens; esse é um ato de escolha moral. Mas vocês não podem viver como nenhuma outra coisa – e a alternativa é esse estado de morto-vivo que agora veem dentro de si próprios e ao seu redor, esse estado de coisa incapaz de existir, que não é mais humano e é algo menos que um animal, que só conhece a dor e se arrasta na agonia da autodestruição irracional.\n“Não, vocês não são obrigados a pensar; esse é um ato de escolha moral. Mas alguém teve de pensar para mantê-los vivos. Se vocês optam pela inconsequência, fraudam a existência e repassam essa dívida para algum homem moralmente correto, na esperança de que ele sacrifique sua dívida bem para que vocês possam sobreviver ao próprio mal.\n“Não, vocês não são obrigados a ser homens, mas hoje em dia aqueles que o são não estão mais aí. Eu retirei do mundo de vocês seus meios de sobrevivência: as suas vítimas.\n“Se querem saber como fiz isso e o que eu disse a essas pessoas para fazê-las desistir, ouçam o que digo. Basicamente, eu lhes disse o que estou dizendo a vocês agora. Eram homens que haviam sempre seguido o meu código, porém não tinham consciência da grande virtude que esse código representa. O que lhes ofereci não foi uma reavaliação, mas apenas a identificação de seus valores.\n“Nós, os homens possuidores de mentes, estamos em greve contra vocês em nome de um único axioma, que é a raiz de nosso código moral, do mesmo modo como a raiz do de vocês é o desejo de se esquivar dele: o axioma segundo o qual a existência existe.\n“A existência existe, e o ato de apreender essa afirmação implica dois axiomas corolários: que existe algo que se percebe, e que aquele que percebe existe como possuidor de uma consciência, sendo esta a faculdade de perceber aquilo que existe.\n“Se nada existe, não pode haver consciência: uma consciência que não tenha nada de que possa ser consciente é uma contradição. Uma consciência consciente apenas de si própria é uma contradição: para que possa se identificar com a consciência, ela tem de previamente ser consciente de algo. Se aquilo que se afirma perceber não existe, o que se tem não é consciência.\n“Qualquer que seja o grau de conhecimento que se tem, estas duas coisas – existência e consciência – são axiomas inevitáveis; são os elementos básicos irredutíveis e imprescindíveis a toda e qualquer ação empreendida, em qualquer parte do conhecimento e em sua totalidade, desde o primeiro raio de luz que se percebe ao nascer até a mais vasta erudição que se pode ter adquirido ao fim da vida. Quer se conheça a forma de um seixo, quer a estrutura de um sistema solar, os axiomas permanecem os mesmos: a coisa existe e vocês a conhecem.\n“Existir é ser alguma coisa, em oposição ao nada da não existência. É ser uma entidade de natureza específica dotada de atributos específicos. Há séculos, o homem que foi o maior dos filósofos, apesar de seus erros, enunciou a fórmula que define o conceito de existência e a regra de todo conhecimento: A é A. Uma coisa é o que é. Vocês jamais apreenderam o significado dessa afirmação. Estou aqui para completá-la: a Existência é Identidade, a Consciência é Identificação.\n“Seja o que for o que se quer considerar, um objeto, um atributo ou uma ação, a lei da identidade\npermanece a mesma: Uma folha não pode ser uma pedra ao mesmo tempo que é uma folha; não pode ser toda vermelha e toda verde ao mesmo tempo e não pode congelar e queimar simultaneamente. A é A.\n“Vocês gostariam de saber o que há de errado no mundo? Todos os desastres que destruíram seu mundo decorreram da tentativa de seus líderes de fugir do fato de que A é A. Todo o mal secreto que vocês temem encarar dentro de si mesmos e toda a dor que sofreram decorreram da sua tentativa de fugir do fato de que A é A. O objetivo daqueles que lhes ensinaram a fugir desse fato era fazê-los esquecer que o Homem é o Homem.\n“O homem só pode sobreviver adquirindo conhecimento, e a razão é seu único meio de conseguir tal coisa. A razão é a faculdade que percebe, identifica e integra os dados fornecidos pelos sentidos do homem. A tarefa dos sentidos é dar a ele a prova de que ele existe, porém a tarefa de identificar sua existência cabe à sua razão. Seus sentidos lhe dizem apenas que algo é, mas sua mente tem que aprender o que aquilo que é é.\n“Toda atividade racional é um processo de identificação e integração. O homem, por exemplo, percebe uma mancha colorida. Ao integrar os dados fornecidos por sua visão e seu tato, ele aprende a identificá-la como um objeto sólido. Aprende a identificar que tal objeto é uma mesa. Aprende que a mesa é feita de madeira; que a madeira consiste em células, que as células consistem em moléculas, que as moléculas consistem em átomos. No decorrer de todo esse processo, a tarefa de sua mente se resume em dar respostas a uma única pergunta: O que é? O meio de que dispõe para determinar a verdade de suas respostas é a lógica, e esta se baseia no axioma de que a existência existe. A lógica é a arte da identificação não contraditória. Uma contradição não pode existir. Um átomo é o que é, e o universo também; nem um nem outro podem contradizer sua própria identidade; tampouco pode uma parte contradizer o todo. Nenhum conceito formado pelo homem é válido a menos que ele o integre sem contradição no somatório de seu conhecimento. Chegar a uma contradição é confessar um erro de raciocínio; manter uma contradição é abdicar da própria mente e se exilar do domínio da realidade.\n“A realidade é aquilo que existe. O irreal não existe – é apenas a negação da existência, que é o conteúdo de uma consciência humana que tenta abandonar a razão. A verdade é o reconhecimento da realidade e a razão é o único meio de conhecimento de que dispõe o homem, seu único padrão de verdade.\n“A pergunta mais perversa que vocês podem fazer agora é: A razão de quem? A resposta é: a sua. Por maior ou menor que seja a soma dos seus conhecimentos, é a sua própria mente que tem de adquiri-los.\nVocês só podem trabalhar com os seus próprios conhecimentos. São apenas os seus próprios conhecimentos que vocês podem afirmar possuir ou podem pedir que os outros levem em consideração.\nA sua mente é o seu único juiz da verdade – e, se os outros discordam do seu veredicto, a realidade é a última instância de apelação. Nada senão a mente de um homem pode realizar aquele processo complexo, delicado e crucial de identificação que é o pensamento. Nada senão seu próprio discernimento pode orientar esse processo. Nada senão sua integridade moral pode orientar seu discernimento.\n“Vocês falam em ‘instinto moral’ como se fosse algum atributo independente que se opusesse à razão.\nA razão do homem é sua faculdade moral. Um processo racional é um processo de escolha constante em resposta à pergunta: verdadeiro ou falso? Certo ou errado? Uma semente deve ser plantada na terra para germinar – certo ou errado? Uma ferida deve ser desinfetada para salvar a vida do ferido – certo ou errado? A natureza da eletricidade atmosférica permite que ela seja convertida em energia cinética – certo ou errado? Foram as respostas dadas a perguntas desse tipo que lhes deram tudo o que vocês têm agora – e as respostas vieram de uma mente humana, uma mente intransigentemente dedicada àquilo que é certo.\n“Um processo racional é um processo moral. Vocês podem cometer um erro em qualquer momento desse processo, tendo como única proteção o seu próprio rigor, ou então vocês podem tentar falsear o processo, utilizar dados falsos e se esquivar do esforço da busca – mas, se a dedicação à verdade é o que caracteriza a moralidade, então não existe uma forma de dedicação maior, mais nobre e mais heroica do que o ato de assumir a responsabilidade de pensar.\n“Aquilo que vocês denominam alma ou espírito é a sua consciência, e o que denominam livre-arbítrio é a liberdade que sua mente tem de pensar ou não, a única vontade que vocês têm, sua única liberdade, a escolha que determina todas as escolhas que vocês fazem, que determina a sua vida e o seu caráter.\n“Pensar é a única virtude básica do homem, da qual todas as outras decorrem. É seu vício básico, a fonte de todos os seus males. É aquele ato sem nome que todos vocês praticam, porém se esforçam para jamais admitir: o ato de silenciar, de suspender voluntariamente a própria consciência, de se recusar a pensar. Não ser cego, mas se recusar a ver; não ser ignorante, mas se recusar a saber. É o ato de tirar de foco a mente e induzir uma névoa interior para fugir da responsabilidade do discernimento – com base na premissa jamais expressa de que uma coisa deixa de existir se vocês se recusarem a identificá-la, de que A não é A enquanto não pronunciarem o veredicto ‘A é A’. O não pensar é um ato de aniquilamento, um desejo de negar a existência, uma tentativa de apagar a realidade. Porém a existência existe; a realidade não se deixa apagar, mas acaba apagando aquele que deseja apagá-la. Quem se recusa a dizer ‘É’ se recusa a dizer ‘Sou’. Quem não utiliza seu discernimento nega a si próprio. O homem que afirma ‘Quem sou eu para saber?’ está afirmando: ‘Quem sou eu para viver?’\n“Esta, a qualquer momento, em qualquer questão, é a sua escolha moral básica: pensar ou não pensar, existência ou não existência, A ou não A, entidade ou zero.\n“Na medida em que um homem é racional, a vida é a premissa que orienta seus atos. Na medida em que ele é irracional, a premissa que orienta seus atos é a morte.\n“Vocês que dizem que a moralidade é social e que o homem não precisaria de moralidade numa ilha deserta, saibam que é numa ilha deserta que ela seria mais necessária. Se o homem tentar afirmar, sem haver vítimas para pagar por ele, que uma pedra é uma casa, que a areia é roupa, que a comida cairá na sua boca sem que ele precise se esforçar, que amanhã ele terá uma colheita mesmo devorando todo o seu grão hoje, a realidade o apagará, tal como ele merece. A realidade lhe mostrará que a vida é um valor a ser comprado e que o pensamento é a única moeda nobre o bastante para comprá-la.\n“Se eu quisesse utilizar a sua linguagem, diria que o único mandamento moral do homem é: ‘Pensarás.’ Porém um ‘mandamento moral’ é uma contradição. A moral é o escolhido, não o forçado; é o compreendido, não o obedecido. A moral é o racional, e a razão não aceita mandamentos.\n“A minha moralidade, a moralidade da razão, está contida num único axioma: a existência existe – e numa única escolha: viver. O restante decorre dessas duas coisas. Para viver, o homem precisa de três coisas como valores supremos e dominadores de sua vida: razão, determinação e amor-próprio. Razão, seu único instrumento para adquirir conhecimento; determinação, sua escolha da felicidade que esse instrumento busca realizar; amor-próprio, sua certeza inabalável de que sua mente tem competência para pensar e sua pessoa merece a felicidade, ou seja: merece viver. Esses três valores implicam e requerem todas as virtudes do homem, e todas elas decorrem da relação entre existência e consciência: racionalidade, independência, integridade, honestidade, justiça, produtividade, orgulho.\n“Racionalidade é o reconhecimento do fato de que a existência existe, de que nada pode alterar a verdade e nada pode ter mais valor do que o ato de perceber a verdade, o pensamento de que a mente é o único árbitro de valores e único guia para a ação; de que a razão é um absoluto que não admite transigências; de que uma concessão ao irracional invalida a consciência e a faz falsificar a realidade ao invés de percebê-la; de que a fé, esse suposto atalho que leva ao conhecimento, é apenas um curto-circuito que destrói a mente; de que a aceitação de uma invenção mística é um desejo de aniquilamento da existência que aniquila a consciência.\n“Independência é o reconhecimento do fato de que a responsabilidade de discernir é sua e nada pode ajudá-los a se esquivar dessa responsabilidade; de que nenhum substituto pode pensar por vocês; de que nenhum substituto pode viver a sua vida; de que a forma mais vil de autodegradação e autodestruição é subordinar a sua mente à de outro, aceitar uma autoridade sobre seu cérebro, aceitar as afirmações de outro como fatos, suas opiniões como verdades, seus decretos como intermediários entre sua consciência e sua existência.\n“Integridade é o reconhecimento do fato de que vocês não podem falsificar a sua consciência, do mesmo modo que honestidade é o reconhecimento do fato de que vocês não podem falsificar a existência; de que o homem é uma entidade indivisível, uma unidade integrada de dois atributos – matéria e consciência –, e que ele não pode admitir uma ruptura entre corpo e mente, entre ato e pensamento, entre sua vida e suas convicções; de que, como um juiz que não dá importância à opinião pública, ele não pode sacrificar suas convicções em prol dos desejos dos outros, ainda que seja a totalidade da humanidade a implorar ou a ameaçar; de que coragem e confiança são necessidades práticas, de que coragem é a forma prática de ser fiel à existência e à verdade, e confiança é a forma prática de ser fiel à própria consciência.\n“Honestidade é o reconhecimento do fato de que o irreal é irreal e não pode ter valor, de que nem o amor nem a fama nem o dinheiro são valores quando obtidos de modo fraudulento; de que uma tentativa de adquirir um valor enganando a mente de outrem é um ato que eleva suas vítimas a uma posição acima da realidade, um ato por meio do qual vocês se tornam marionetes da cegueira das vítimas, escravos da condição delas de seres que não pensam e fogem da realidade, enquanto a inteligência, a racionalidade e a perceptividade delas passam a ser os inimigos que lhes inspiram medo; de que não interessa viver como dependente, principalmente quando se depende da estupidez dos outros, ou como um tolo cuja fonte de valores são os tolos que ele consegue enganar; de que honestidade não é um dever social, não é um sacrifício por amor aos outros, e sim a virtude mais profundamente egoísta que se pode praticar: é se recusar a sacrificar a realidade da própria existência em prol da consciência enganada dos outros.\n“Justiça é o reconhecimento do fato de que não se pode falsear o caráter dos homens assim como não se pode falsear o caráter da natureza; de que é necessário julgar todos os homens de modo tão consciencioso quanto se julgam objetos inanimados, com o mesmo respeito pela verdade, a mesma visão incorruptível, pelo mesmo processo de identificação puro e racional; de que todo homem deve ser julgado por aquilo que é e tratado como tal; de que, do mesmo modo como não se paga mais por um pedaço de escória enferrujada do que por um de metal reluzente, assim também não se dá mais valor a um canalha do que a um herói; de que o seu julgamento moral é a moeda que paga os homens por suas virtudes e seus vícios, e esse pagamento exige de vocês uma honra tão escrupulosa quanto a que demonstram nas suas transações financeiras; de que não desprezar os vícios dos homens é um ato de falsificação moral, e não admirar as virtudes humanas é um ato de peculato; de que colocar qualquer outro interesse acima da justiça é desvalorizar a sua moeda moral e fraudar o bem em prol do mal, visto que somente o bem pode sair perdendo quando a justiça é fraudada, e somente o mal pode lucrar – e que o fundo do buraco no fim daquele caminho, o ato de falência moral, é punir os homens por suas virtudes e recompensá-los por seus vícios, que essa é a entrega à depravação total, a Missa Negra do culto à morte, a dedicação da consciência à destruição da existência.\n“Produtividade é a aceitação da moralidade, o reconhecimento do fato de que vocês optam por viver; de que o trabalho produtivo é o processo por meio do qual a consciência do homem controla sua existência, um processo constante de aquisição de conhecimento, um dar forma à matéria para adequá-la aos objetivos que se tem, um processo de traduzir uma ideia em forma concreta, um refazer da Terra à imagem dos valores que se tem; de que todo trabalho é criativo, se feito por uma mente que pensa, e nenhum trabalho é criativo, se feito por um zero que se repete, num estupor desprovido de pensamento crítico, numa rotina aprendida com outrem; de que o seu trabalho deve ser escolhido por vocês, e as alternativas são tão múltiplas como é vasta a sua mente; de que nada mais lhes é possível e nada menos é humano; de que obter por meios desonestos um emprego acima das capacidades da sua mente é se tornar um macaco corroído pelo medo, que imita os movimentos dos outros e rouba o tempo dos outros, e aceitar um emprego que exige menos do que o máximo da sua capacidade mental é desligar seu motor e se condenar a um outro tipo de movimento: o apodrecimento; de que o seu trabalho é o processo de atingir os seus valores e perder a sua ambição pelos valores é perder a sua ambição de viver; de que seu corpo é uma máquina, mas a sua mente é o motorista, e vocês devem ir tão longe quanto ela puder levá-los, tendo a realização como meta da sua estrada; de que o homem que não tem objetivo é uma máquina que desce uma ladeira descontrolada, à mercê do primeiro pedregulho ou da primeira vala que encontrar; de que o homem que sufoca sua mente é uma máquina emperrada enferrujando aos poucos; de que o homem que deixa que um líder determine seu percurso é um veículo amassado sendo rebocado para o ferro-velho, e o homem que toma outro homem como sua meta é um mochileiro a quem nenhum motorista deve jamais dar carona; de que o seu trabalho é o objetivo da sua vida, e vocês jamais devem parar para qualquer assassino que se arrogue o direito de detê-los; de que qualquer valor que encontrem fora do seu trabalho, qualquer outra causa ou amor, só pode ser um viajante com quem desejem compartilhar sua viagem, dotado do próprio motor e seguindo a mesma direção de vocês.\n“Orgulho é o reconhecimento do fato de que vocês mesmos são o seu mais elevado valor e, como todo valor, precisa ser merecido; de que, de todas as realizações que vocês podem concretizar, a que torna todas as outras possíveis é a criação do seu caráter; de que o seu caráter, os seus atos, as suas emoções são produtos das premissas da sua mente; de que, assim como o homem tem de produzir os valores físicos de que necessita para se manter vivo, ele também precisa adquirir os valores do caráter que tornam sua vida merecedora de existir; de que, assim como o homem é um ser que cria a própria riqueza, ele também cria a própria alma; de que não tendo consciência automática de seu amor-próprio, ele precisa fazer jus a esse sentimento, moldando sua alma à imagem de seu ideal moral, à imagem do Homem, o ser racional que nasce capaz de criar, porém tem de criar por escolha; de que a primeira precondição do amor-próprio é aquele radiante egoísmo da alma que deseja o que há de melhor em todas as coisas, nos valores da matéria e do espírito, uma alma que busca acima de tudo a conquista de sua própria perfeição moral, não tendo nenhum valor mais alto do que ela própria – e que a prova de que se atingiu o amor-próprio é constatar que a alma estremece de desprezo e rebeldia ante o papel de animal oferecido em sacrifício, ante a vil impertinência de qualquer doutrina que proponha imolar o valor insubstituível que é a sua consciência, e a glória incomparável que é a sua existência, em prol das evasivas cegas, da decadência e estagnação de outrem.\n“Estão começando a ver quem é John Galt? Sou o homem que fez jus àquilo pelo qual vocês não lutaram, à coisa a que renunciaram, que traíram, corromperam, porém não conseguiram destruir totalmente, e que agora vocês escondem como seu segredo culposo, tendo que viver se desculpando para todo canibal profissional, para que ninguém descubra que, no âmago do ser, vocês ainda desejam dizer o que agora estou dizendo para toda a humanidade: me orgulho de meu valor e do fato de que quero viver.\n“Esse desejo – que vocês têm, porém escondem por julgá-lo mau – é o único vestígio de bem que há em vocês, porém é preciso aprender a merecê-lo. O único objetivo moral do homem é a própria felicidade, mas apenas a própria virtude pode atingi-la. A virtude não é um fim em si. Ela não é sua própria recompensa, nem um sacrifício em prol do mal. A vida é a recompensa da virtude – e a felicidade é o objetivo e a recompensa da vida.\n“Assim como seu corpo experimenta duas sensações fundamentais, o prazer e a dor, como sinais de que está bem ou mal, barômetro que indica suas alternativas básicas, vida ou morte, a sua consciência também conhece duas emoções fundamentais, alegria e sofrimento, como resposta às mesmas alternativas. Suas emoções são estimativas daquilo que fomenta sua vida ou a ameaça, calculadoras instantâneas que lhes dão o resultado de seu lucro ou de seu prejuízo. Vocês não têm escolha quanto à sua capacidade de sentir que algo é bom ou mau para vocês, mas o que vão considerar bom ou mau, o que lhes dará prazer ou dor, o que lhes inspirará amor ou ódio, desejo ou medo depende do seu padrão de valor. As emoções são inerentes à sua natureza, porém seu conteúdo é ditado por sua mente. Sua capacidade emocional é um motor vazio e seus valores são o combustível com o qual sua mente o enche.\nSe vocês escolhem uma mistura de contradições, seu motor ficará entupido, a transmissão será corroída e vocês serão destroçados na sua primeira tentativa de andar numa máquina que foi corrompida pelo próprio motorista, que são vocês.\n“Se vocês tomam o irracional como padrão de valor e o impossível como conceito do que é bom, se desejam recompensas que não merecem ganhar, uma fortuna ou um amor que não merecem, uma falha na lei da causalidade, um A que se torne não A a seu bel-prazer, se desejam o contrário da existência, vocês o obterão. Não exclamem, então, que a vida é frustração e a felicidade é impossível para o homem; verifiquem seu combustível: ele os levou aonde vocês queriam chegar.\n“A felicidade não se atinge por meio de caprichos emocionais. Ela não é a satisfação de todo e qualquer desejo irracional que vocês tentem satisfazer às cegas. Felicidade é um estado de alegria não contraditória – uma alegria sem castigo nem culpa, que não entra em conflito com nenhum dos seus valores e não contribui para sua própria destruição –, não o prazer proporcionado pela fuga da sua consciência, e sim pela utilização plena dessa consciência; não o prazer de falsear a realidade, e sim o de atingir valores que são reais; não o prazer de um bêbado, e sim o de um produtor. A felicidade só pode ser atingida por um homem racional, o que não deseja objetivos que não sejam racionais, que não busca nada senão valores racionais, que só encontra prazer e alegria em atos racionais.\n“Do mesmo modo que sustento minha vida não por meio do roubo nem de esmolas, e sim por meu próprio esforço, também não tento basear minha felicidade na desgraça dos outros nem nos favores que os outros me concedam, porém a ela faço jus por minhas realizações. Do mesmo modo que não considero o prazer dos outros o objetivo da minha vida, também não considero o meu prazer o objetivo das vidas dos outros. Assim como não há contradições nos meus valores nem conflitos nos meus desejos, também não há vítimas nem conflitos de interesse entre homens racionais, que não desejam o imerecido nem se encaram uns aos outros com uma volúpia de canibal, homens que nem fazem sacrifícios nem os aceitam.\n“O símbolo de todos os relacionamentos entre tais homens, o símbolo moral do respeito pelos seres humanos, é o comerciante. Nós, que vivemos dos valores e não do saque, somos comerciantes, tanto na matéria quanto no espírito. O comerciante é o homem que faz jus àquilo que recebe e não dá nem toma para si o que é imerecido. O comerciante não pede que lhe paguem por seus fracassos, nem que o amem por seus defeitos. Ele não desperdiça seu corpo como sacrifício nem sua alma como esmola. Do mesmo modo que ele só dá seu trabalho em troca de valores materiais, ele também só dá seu espírito – seu amor, sua amizade, sua estima – em pagamento e em troca de virtudes humanas, em pagamento de seu próprio prazer egoísta, que recebe de homens merecedores de seu respeito. Os parasitas místicos que, em todas as eras, insultaram o comerciante e o desprezaram, ao mesmo tempo que honraram os mendigos e os saqueadores, sempre souberam o motivo secreto de sua zombaria: o comerciante é a entidade que eles temem – o homem justo.\n“Vocês me perguntam: que obrigação moral eu tenho para com meus semelhantes? Nenhuma, senão aquela que devo a mim mesmo, aos objetos materiais e a toda a existência: a racionalidade. Trato os homens como requerem minha natureza e as exigências deles: por meio da razão. Não busco nem desejo nada deles senão os relacionamentos nos quais eles escolham entrar por livre e espontânea vontade. Só sei lidar com suas mentes – e assim mesmo quando isso é do meu interesse – quando eles veem que meu interesse coincide com o deles. Quando isso não acontece, não entro em relação nenhuma. Quem discordar de mim que siga o seu caminho, que eu não me desvio do meu. Só venço por meio da lógica, e só a ela me rendo. Não abro mão da minha razão, nem lido com homens que abrem mão da sua. Nada tenho a ganhar com idiotas e covardes; não tento ganhar nada dos vícios humanos: a estupidez, a desonestidade, o medo. O único valor que os homens podem me oferecer é o produto de sua mente.\nQuando discordo de um homem racional, deixo que a realidade seja nosso árbitro final. Se eu estiver certo, ele aprenderá; se eu estiver errado, aprenderei; um de nós ganhará, porém nós dois lucraremos.\n“Tudo está aberto à discordância, menos um ato mau, o ato que homem nenhum pode cometer contra os outros, aprovar nem perdoar. Enquanto os homens quiserem viver em comunidade, nenhum homem pode tomar a iniciativa – estão me ouvindo? –, nenhum homem pode tomar a iniciativa de usar a força física contra os outros.\n“Interpor a ameaça da destruição física entre um homem e sua percepção da realidade é negar e paralisar seu meio de sobrevivência. Forçá-lo a agir contra seu discernimento é como forçá-lo a agir contra a própria visão. Todo aquele que, com qualquer objetivo e em qualquer grau, tome a iniciativa de lançar mão da força, é um assassino que parte da premissa da morte, mais ainda do que o assassino propriamente dito: a premissa de destruir a capacidade de viver do homem.\n“Não venham me dizer que sua mente os convenceu de que vocês têm o direito de forçar minha mente. A força e a mente são coisas opostas. A moralidade termina onde começa a forma da arma.\nQuando vocês afirmam que os homens são animais irracionais e se propõem a tratá-los como tais, definem desse modo o próprio caráter e não podem mais invocar o argumento da razão – como também não podem fazê-lo todos aqueles que defendem contradições. Não pode existir um ‘direito’ de destruir a origem dos direitos, o único meio de julgar o que é certo e o que é errado é a mente.\n“Forçar um homem a abrir mão da própria mente e aceitar, em troca, a vontade de outro, usando, para chegar a esse fim, uma arma em vez de um silogismo, o terror em vez da demonstração, tendo a morte como argumento final, é tentar existir desafiando a realidade. A realidade exige do homem que ele aja em prol de seus próprios interesses racionais. A arma que vocês lhe apontam vai exigir que ele aja contra seus interesses. A realidade ameaça o homem de morte se ele não agir com base no próprio discernimento racional; vocês o ameaçam de morte se ele agir com base no discernimento moral dele.\nVocês o colocam num mundo em que o preço da vida dele é a desistência de todas as virtudes exigidas pela vida; e a morte, por um processo de destruição gradual, é tudo o que vocês e seu sistema conseguirão atingir, pois fazem da morte o poder reinante, o argumento decisivo numa sociedade humana.\n“O ultimato dado pelo ladrão ao viajante: ‘A bolsa ou a vida’, ou o que o político dá a uma nação: ‘A instrução de seus filhos ou a vida’, têm o mesmo significado, que sempre é: ‘A sua mente ou a vida’ – e uma coisa não é possível sem a outra.\n“Se existem graus de maldade, é difícil dizer quem é mais desprezível: o facínora que se arroga o direito de forçar a mente do outro ou o degenerado que concede ao outro o direito de forçar sua mente.\nEsse é o absoluto moral que não está em discussão. Não dou razão àqueles que se propõem a me privar da razão. Não entro em discussão com aqueles que acham que podem me proibir de pensar. Não dou minha aprovação moral ao assassino que deseja me matar. Quando um homem tenta lidar comigo por meio da força, eu revido através da força.\n“É apenas como retaliação que a força pode ser usada – e somente contra a pessoa que foi a primeira a usá-la. Não, não compartilho da maldade dela nem me rebaixo ao seu conceito de moralidade. Apenas lhe concedo sua escolha, a destruição, a única destruição que ela tinha o direito de escolher: a dela mesma. Ela usa a força para se apossar de um valor; eu a uso apenas para destruir a destruição. O assaltante tenta enriquecer me matando; eu não me torno mais rico quando mato o assaltante. Não busco valores por meio do mal, nem submeto meus valores ao mal.\n“Em nome de todos aqueles que produzem, graças a quem vocês estão vivos, e que, em pagamento, receberam de vocês o ultimato da morte, eu agora revido com um único ultimato, que é o nosso: ‘Nosso trabalho ou suas armas.’ Vocês podem escolher uma coisa ou outra, mas não as duas. Não tomamos a iniciativa de usar da força contra os outros nem nos submetemos àqueles que usam da força contra nós.\nSe vocês querem voltar a viver numa sociedade industrial, terão que fazê-lo segundo as nossas condições morais. Nossas condições e nossas premissas são a antítese das suas. Vocês vêm utilizando o medo como arma e trazendo a morte aos homens para puni-los por terem rejeitado a moralidade de vocês. Nós oferecemos a eles a vida como recompensa por aceitarem a nossa.\n“Vocês que cultuam o zero jamais descobriram que realizar a vida não é equivalente a evitar a morte.\nO prazer não é ‘a ausência da dor’, a inteligência não é ‘a ausência da estupidez’, a luz não é ‘a ausência da escuridão’, uma entidade não é ‘a ausência de uma nulidade’. Construir não é coisa que se realize simplesmente pelo fato de não demolir. Não adianta passar séculos parado, sem demolir: nem sequer uma viga se erguerá. E agora vocês não podem mais dizer a mim, o produtor: ‘Produza e nos alimente, que em troca nós não destruiremos sua produção’, pois eu responderei, em nome de todas as vítimas que vocês fizeram: ‘Morram com seu próprio vazio.’ A existência não é uma negação de negações. O mal, e não o valor, é que é uma ausência e uma negação; o mal é impotente e só dispõe do poder que lhe permitimos arrancar de nós. Morram, porque aprendemos que um zero não pode hipotecar a vida.\n“Vocês querem se esquivar da dor. Nós queremos atingir a felicidade. Vocês existem para evitar o castigo. Nós existimos para fazer jus a recompensas. As ameaças não nos farão trabalhar, o medo não é nosso incentivo. Não queremos evitar a morte, e sim viver.\n“Vocês, que perderam a noção dessa diferença, que afirmam que medo e prazer são incentivos igualmente poderosos – e acrescentam, em voz baixa, que o medo é mais ‘prático’ –, vocês não querem viver, e apenas o medo da morte ainda os faz se ater à vida que amaldiçoaram. Vocês fogem, em pânico, correm por dentro da armadilha de seus dias, procurando a saída que fecharam, fugindo de um perseguidor que não ousam identificar, em direção a um terror que não ousam assumir, e quanto maior o terror, mais vocês temem o único ato que poderia salvá-los: o de pensar. O objetivo da sua luta é não saber, não apreender o nome daquilo que agora vou dizer bem claramente a vocês: a sua moralidade, a moralidade da morte.\n“A morte é o padrão dos seus valores, a morte é seu objetivo escolhido, e vocês são obrigados a viver correndo, visto que não há como fugir do perseguidor que quer destruí-los, nem da consciência de que o perseguidor são vocês mesmos. Parem de correr, agora – não há mais um lugar para onde vocês possam correr. Desnudem-se, coisa que temem fazer, porém é assim, nus, que eu os vejo, e olhem para isso que vocês ousaram chamar de código moral.\n“A maldição é o princípio da sua moralidade, a destruição é seu objetivo, meio e fim. Seu código começa amaldiçoando o homem por ser mau, depois exige que ele pratique o bem, que é definido como algo impossível de ser praticado por ele. Como primeira prova de virtude, o código exige que o homem aceite a depravação sem provas. Exige que ele parta não de um padrão de valor, e sim de um padrão de mal, que é o próprio homem, por meio do qual ele terá então de definir o bem, que é aquilo que ele não é.\n“Não importa quem venha a lucrar com a renúncia da glória do homem e com sua alma\natormentada, se um Deus místico com algum desígnio incompreensível ou se um indivíduo qualquer cujas feridas pustulentas, por algum motivo incompreensível, imponham obrigações ao homem. O bem não é coisa que o homem possa compreender – seu dever é aceitar com humildade anos de penitência, expiando a culpa de sua existência para qualquer cobrador de dívidas ininteligíveis, tendo como único conceito de valor o zero: o bem é aquilo que é não humano.\n“O nome desse absurdo monstruoso é pecado original.\n“Um pecado que careça de poder de escolha é um atentado à moralidade e uma contradição insolente: aquilo que está fora do âmbito da escolha está fora do domínio da moralidade. Se o homem é mau de nascimento, ele não tem vontade, nem tem o poder de alterar sua condição. E, se ele não tem vontade, não pode ser bom nem mau. Um robô é amoral. Considerar pecado humano algo que não depende de sua escolha é escarnecer da moralidade. Considerar a natureza do homem um pecado é escarnecer da natureza. Puni-lo por um crime que ele cometeu antes de nascer é escarnecer da justiça.\nConsiderá-lo culpado de algo em que não existe a possibilidade de inocência é escarnecer da razão.\nDestruir a moralidade, a natureza, a justiça e a razão por meio de um único conceito é um ato de maldade difícil de ser igualado. No entanto, é essa a base do seu código moral.\n“Não se escondam por trás da evasiva covarde de que o homem nasce dotado do livre-arbítrio, porém com uma tendência ao mal. Livre-arbítrio dotado de tendência é um jogo com cartas marcadas que força o homem a ter o trabalho de jogar, a arcar com a responsabilidade do jogo e a pagar por ele, porém a decisão já favorece previamente uma tendência da qual ele não pode escapar. Se a tendência é escolha sua, ele não pode possuí-la de nascença. Se não é escolha sua, então ele não tem livre-arbítrio.\n“Qual a natureza da culpa que seus mestres denominam pecado original? Quais os males adquiridos pelo homem quando ele decaiu de um estado por eles considerado perfeito? Segundo o mito, o homem comeu do fruto da árvore da ciência – ele adquiriu uma mente e se tornou um ser racional. Essa ciência era o conhecimento do bem e do mal – ele, então, se tornou um ser moral. Foi condenado a ter de ganhar o pão por meio do trabalho – e assim se tornou um ser produtivo. Foi condenado a experimentar o desejo – e assim adquiriu a capacidade do prazer sexual. Os males pelos quais seus mestres amaldiçoam o homem são a razão, a moralidade, a criatividade e o prazer – todas as virtudes cardeais da sua existência. O mito da queda do homem não visa explicar nem condenar os vícios do homem, não considera seus erros sua culpa. Ele condena, sim, a essência de sua natureza de homem. Fosse ele o que fosse, aquele robô do Jardim do Éden, que existia sem mente, sem valores, sem trabalho, sem amor, não era homem.\n“A queda do homem, segundo seus mestres, consistiu na aquisição das virtudes necessárias à existência. Estas, segundo os padrões deles, constituem o pecado do homem. O mal do homem – acusam eles – é o fato de ele ser homem. Sua culpa – segundo eles – é estar vivo.\n“É essa, para eles, a moralidade da misericórdia, a doutrina do amor ao homem.\n“Eles argumentam que não estão dizendo que o homem é mau – o mal está apenas naquele objeto alheio: o corpo do homem. Não, não querem matar o homem, apenas fazê-lo perder seu corpo. Querem aliviar sua dor e apontam para o instrumento de tortura ao qual o amarraram: as duas rodas que o puxam em sentidos opostos, a doutrina que separa a alma do corpo.\n“Cortaram o homem em dois e opuseram uma das metades à outra. Ensinaram-lhe que seu corpo e sua consciência são dois inimigos envolvidos num conflito mortal, dois antagonistas de naturezas opostas, com exigências contraditórias, necessidades incompatíveis. Ensinaram-lhe que beneficiar um é prejudicar o outro, que a alma pertence a uma esfera sobrenatural, mas o corpo é uma prisão nefasta que o acorrenta a esta Terra – e que o bem consiste em vencer seu corpo, miná-lo por meio de anos de luta paciente, escavando um túnel que permitirá a fuga gloriosa para a liberdade do túmulo.\n“Ensinaram ao homem que ele é um desajustado irrecuperável composto de dois elementos, ambos símbolos da morte. Um corpo sem alma é um cadáver; uma alma sem corpo é um fantasma. Porém é esta a imagem que fazem da natureza humana: um campo de batalha no qual lutam um cadáver e um fantasma – um cadáver dotado de uma vontade malévola e um fantasma dotado da concepção de que tudo o que o homem conhece é inexistente, que apenas o incognoscível existe.\n“Vocês compreendem qual a faculdade humana que essa doutrina foi feita para ignorar? Era a mente do homem que tinha de ser negada, para que ele não pudesse se sustentar. Ao abrir mão da razão, ele ficava à mercê de dois monstros além de seu entendimento e fora de seu controle: ao capricho de um corpo movido por instintos inexplicáveis e de uma alma movida por revelações místicas. Ele se tornava a vítima passiva de uma batalha entre um robô e um ditafone.\n“E agora que ele rasteja por entre os destroços, tentando às cegas encontrar uma maneira de viver, seus mestres lhe oferecem como ajuda uma moralidade a qual proclama que ele não encontrará nenhuma solução e que não deve procurar nenhuma realização na Terra. A existência verdadeira, dizem-lhe, é aquela que não pode perceber. A verdadeira consciência é a faculdade de perceber o não existente – e o fato de ele não conseguir compreender isso passa a ser a prova de que sua existência é má e de que sua consciência é impotente.\n“Como produtos da separação entre a alma e o corpo, há dois tipos de mestres da moralidade da morte: os místicos de espírito e os místicos dos músculos, a quem vocês chamam de espiritualistas e materialistas, os que acreditam na consciência sem existência e os que acreditam em existência sem consciência. Ambos exigem que vocês abram mão de sua mente, uns em troca de revelações, os outros em troca de reflexos – revelações deles, reflexos deles. Por mais que proclamem um suposto antagonismo irreconciliável entre suas posições, seus códigos morais são semelhantes, como também são semelhantes seus objetivos: na matéria, a escravização do corpo do homem; no espírito, a destruição de sua mente.\n“O bem, dizem os místicos do espírito, é Deus, um ser cuja única definição é estar além do poder de concepção do homem – definição essa que invalida a consciência do homem e anula seus conceitos de existência. O bem, dizem os místicos dos músculos, é a sociedade – algo que definem como um organismo que não possui forma física, um superser que não se concretiza em nenhum indivíduo específico e sim em todos em geral, mas nunca em vocês. A mente do homem, dizem os místicos do espírito, deve se subordinar à vontade de Deus. O padrão de valor do homem, dizem os místicos do espírito, é o bel-prazer de Deus, cujos padrões estão além do poder de compreensão humano e têm de ser aceitos pela fé. O padrão de valor do homem, dizem os místicos dos músculos, é o bel-prazer da sociedade, cujos padrões estão além do direito de julgar do homem e têm de ser obedecidos como um absoluto. O objetivo da vida do homem, dizem ambos, é se tornar um zumbi abjeto que serve um objetivo que ele desconhece, por motivos que não pode questionar. Sua recompensa, dizem os místicos do espírito, lhe será dada após a morte. Sua recompensa, dizem os místicos dos músculos, será dada aqui mesmo na Terra – a seus bisnetos.\n“O egoísmo, dizem ambos, é o mal do homem. O bem do homem, dizem ambos, é abrir mão de seus desejos individuais, negar a si próprio, renunciar a si próprio, render-se. O bem do homem é negar a vida que ele vive. O sacrifício, exclamam ambos, é a essência da moralidade, a mais elevada virtude ao alcance do homem.\n“Todo aquele que está agora ao alcance da minha voz, que seja vítima e não assassino, está me ouvindo falar ao pé do leito de morte de sua mente, a um passo daquele abismo negro no qual agora estão se afogando, e, se ainda resta em vocês o poder de lutar para não perderem os últimos vestígios daquilo que tinham como seu, usem-no agora. A palavra que os destruiu é sacrifício. Usem o que resta da sua força para entenderem o significado dessa palavra. Vocês ainda estão vivos. Ainda têm uma chance.\n“‘Sacrifício’ não significa rejeitar o que não tem valor, e sim o que é precioso. ‘Sacrifício’ não significa rejeitar o mal em prol do bem, e sim o bem em prol do mal. ‘Sacrifício’ é abrir mão daquilo a que vocês dão valor em favor daquilo a que não dão valor.\n“Se vocês trocam um centavo por um dólar, isso não é sacrifício; se trocam um dólar por um centavo, isso é sacrifício. Se alcançam a carreira que sempre quiseram após anos de esforço, isso não é sacrifício; se renunciam a ela em favor de um rival, isso é sacrifício. Se vocês têm uma garrafa de leite e a dão para seu filho que está morrendo de fome, isso não é sacrifício; se a dão para o filho do seu vizinho e deixam o seu filho morrer, isso é sacrifício.\n“Se dão dinheiro a um amigo para ajudá-lo, isso não é sacrifício; se dão dinheiro a um estranho que não vale nada, isso é sacrifício. Se dão ao seu amigo uma quantia que não vai lhes fazer muito falta, isso não é sacrifício; se a quantia que dão é tal que vão passar por certa dificuldade, então isso só é um ato virtuoso até certo ponto, segundo esse tipo de padrão moral; se o dinheiro que dão vai lhes causar uma verdadeira catástrofe – isso, sim, é a verdadeira virtude do sacrifício.\n“Se vocês renunciam a todos os desejos pessoais e dedicam a sua vida àqueles que amam, isso ainda não é a virtude completa – vocês ainda se apegam a um valor seu, o seu amor. Se dedicam sua vida a pessoas que nem conhecem, isso é um ato mais virtuoso. Se dedicam sua vida a homens que detestam, esse é o ato mais virtuoso que podem praticar.\n“Sacrificar-se é abrir mão de um valor. O sacrifício integral é abrir mão inteiramente de todos os valores. Se vocês querem chegar à virtude integral, não podem almejar nenhuma gratidão em troca de seu sacrifício, nenhum elogio, nenhum amor, nenhuma admiração, nenhum amor-próprio, nem mesmo o orgulho de se sentirem virtuosos, porque o menor sinal de lucro dilui a sua virtude. Se vocês optam por uma forma de vida que não macule a sua com nenhum prazer, que não lhe traga nenhum valor material nem espiritual, nenhum lucro, nenhuma recompensa – se atingem esse estado de zero total, atingem o ideal da perfeição moral.\n“Dizem-lhes que a perfeição moral é inatingível para o homem – e, segundo esse padrão, é verdade.\nVocês não poderão atingi-la em toda a sua vida, porém o valor da sua vida e da sua pessoa é medido em função de quanto conseguem se aproximar daquele zero ideal, que é a morte.\n“Se, porém, vocês partirem de uma ausência de sentimentos, da posição de um legume que pede para ser comido, sem valores para rejeitar e sem desejos para renunciar, não conquistarão a coroa do sacrifício. Não é sacrifício rejeitar aquilo que não se quer. Não é sacrifício dar a sua vida pelos outros, se a morte é o seu desejo pessoal. Para atingir a virtude do sacrifício, é preciso querer viver, é preciso amar a vida, arder de paixão por este mundo e por todos os esplendores que ele lhes pode proporcionar – é preciso sentir cada volta da faca que lhes corta fora os desejos e lhes arranca do corpo o seu amor. Não é apenas a morte que a moralidade do sacrifício lhes propõe como ideal, e sim a morte por tortura lenta.\n“Não venham me dizer que isso só diz respeito à vida neste mundo. É a única vida que me interessa.\nA mim e a vocês.\n“Se vocês querem salvar os últimos vestígios de sua dignidade, não chamem suas melhores ações de ‘sacrifícios’ – essa palavra os rotula de imorais. Se uma mãe compra comida para seu filho que tem fome em vez de um chapéu para si própria, isso não é sacrifício: ela dá mais valor ao filho do que ao chapéu.\nPorém isso é um sacrifício para o tipo de mãe que dá mais valor ao chapéu, que preferia ver o próprio filho morrer de fome, e só lhe dá comida por obrigação. Se um homem morre lutando pela própria liberdade, isso não é sacrifício – ele não está disposto a viver como escravo. Porém isso é um sacrifício para o tipo de homem que está disposto a viver como escravo. Se um homem se recusa a vender suas convicções, isso não é um sacrifício, a menos que ele seja o tipo de homem que não tem convicções.\n“O sacrifício só pode ser conveniente para os que nada têm a sacrificar – nem valores, nem padrões, nem discernimento –, aqueles cujos desejos são caprichos irracionais, concebidos às cegas; é, portanto, fácil abrir mão deles. Para um homem de estatura moral, cujos desejos provêm de valores racionais, o sacrifício implica abrir mão do certo em prol do errado, do bem em favor do mal.\n“A doutrina do sacrifício é uma moralidade para o imoral – uma moralidade que admite sua própria falência quando confessa que não pode conferir aos homens nenhum interesse pessoal nas virtudes e nos valores, e que suas almas são valas imundas de depravação, que cabe a eles aprender a sacrificar. Ela própria admite que não consegue ensinar aos homens a serem bons e pode apenas submetê-los a castigos constantes.\n“Estarão vocês pensando, num estupor confuso, que a sua moralidade só lhes exige o sacrifício dos valores materiais? E o que é que vocês pensam que os valores materiais sejam? A matéria só tem valor como meio de satisfazer os desejos humanos. A matéria é apenas um instrumento dos valores humanos.\nA serviço de quê lhes pedem que entreguem os instrumentos materiais que a sua virtude produziu? A serviço daquilo que vocês consideram mau: de um princípio em que não acreditam, de uma pessoa que não respeitam, da realização de um objetivo que se opõe ao seu – caso contrário, a sua dádiva não é um sacrifício.\n“A sua moralidade lhes diz que vocês devem renunciar ao mundo material e divorciar os seus valores da matéria. O homem cujos valores não se exprimem em uma forma material, cuja existência nenhuma relação tem com seus ideais, cujos atos contradizem as suas convicções, não passa de um hipócrita barato – porém é esse o homem que obedece à sua moralidade e divorcia seus valores da matéria. Os homens que amam uma mulher, porém dormem com outra; os homens que admiram o talento de um trabalhador, porém contratam outro; os homens que consideram uma causa justa, porém fazem doações a uma outra; os homens que têm altos padrões de criação, porém só produzem porcarias – são esses os homens que renunciaram à matéria, os homens que acreditam que os valores de seu espírito não podem ser concretizados em termos de realidade material.\n“Vocês afirmam que tais homens renunciaram ao espírito? É claro que sim. Não se pode ter uma coisa sem a outra. O homem é uma entidade indivisível de matéria e consciência. Quem renuncia à sua consciência se torna um ser irracional. Quem renuncia a seu corpo se torna um hipócrita. Quem renuncia ao mundo material o entrega ao mal.\n“E é precisamente esse o objetivo da sua moralidade, o dever que o seu código moral exige de vocês.\nDar àquilo que não se ama, servir ao que não se admira, submeter-se ao que se considera mau – entregar o mundo aos valores dos outros, negar, rejeitar, renunciar a seu eu. Seu eu é a sua mente; quem renuncia a ela se torna um pedaço de carne pronto para ser engolido pelo primeiro canibal que passar.\n“É à sua mente que eles querem que vocês renunciem, todos os que pregam a doutrina do sacrifício, quaisquer que sejam os rótulos que atribuam ou os objetivos que proclamem. Tanto faz se exigem isso de vocês para conquistar suas almas ou seus corpos, se lhes prometem uma outra vida no céu ou a barriga cheia neste mundo. Aqueles que começam dizendo ‘É egoísmo buscar satisfazer seus próprios desejos, é necessário sacrificá-los aos desejos dos outros’ terminam afirmando ‘É egoísmo se ater às suas convicções, é necessário sacrificá-las às convicções dos outros’.\n“É bem verdade que a coisa mais egoísta que há é a mente independente que não reconhece nenhuma autoridade mais elevada do que a sua própria, nenhum valor mais elevado do que seu critério de verdade. Pedem a vocês que sacrifiquem sua integridade intelectual, sua lógica, sua razão, seu padrão de verdade – para se tornarem prostitutos cujo padrão é o máximo de bem para o maior número de pessoas.\n“Se vocês procurarem, no seu código moral, uma resposta à pergunta ‘O que é o bem?’, a única resposta que encontrarão será: ‘O bem dos outros.’ O bem é tudo aquilo que os outros desejam, tudo aquilo que vocês acreditam que eles acham que desejam, ou tudo o que acham que eles deviam achar. ‘O bem dos outros’ é uma fórmula mágica que transforma qualquer coisa em ouro, uma fórmula a ser recitada como garantia de glória moral que redime qualquer ato, até mesmo o massacre de todo um continente. O seu padrão de virtude não é um objeto, nem um ato, nem um princípio, mas uma intenção. Vocês não precisam de provas, nem razões, nem sucesso, não precisam realizar concretamente o bem dos outros – basta saber que o que os motivou foi o bem dos outros, não o seu. A sua única definição de bem é uma negação: o bem é o ‘não bom para mim’.\n“O seu código moral, que afirma defender valores morais eternos, absolutos e objetivos e despreza o condicional, o relativo e o subjetivo – o seu código propõe como absoluta a seguinte regra de conduta moral: se vocês desejam algo, isso é mau; se os outros desejam algo, isso é bom; se a motivação de seu ato é o seu bem-estar, não o realizem; se a motivação é o bem-estar dos outros, então vale tudo.\n“Do mesmo modo que essa moralidade de duplo padrão divide o indivíduo ao meio, ela divide a humanidade em duas hostes inimigas: de um lado, vocês; do outro, o restante da humanidade. Vocês são os únicos degredados que não têm direito de desejar nem de viver. Vocês são os únicos servos; os outros são os senhores. Vocês são os únicos que dão; os outros só tomam. Vocês são os eternos devedores; os outros são os credores que nunca conseguirão satisfazer. Vocês não podem questionar o direito deles de lhes cobrar um sacrifício, nem a natureza de seus desejos e necessidades: esse direito é conferido a eles por uma negativa, o fato de que eles são ‘não vocês’.\n“Para aqueles que poderiam se aventurar a fazer perguntas, o código contém um prêmio de consolação, uma armadilha: é para a própria felicidade que vocês têm que servir à felicidade dos outros.\nA única maneira de se ter prazer é ceder aos outros, a única maneira de conquistar a prosperidade é abrir mão da sua riqueza em favor dos outros. A única maneira de proteger sua vida é proteger todos os homens, menos vocês mesmos – e, se isso não lhes dá prazer, é por culpa sua, e prova que vocês são maus. Se fossem bons, encontrariam felicidade em servir banquetes aos outros e veriam dignidade em se alimentar apenas das migalhas que eles houverem por bem jogar para vocês.\n“Vocês, que não têm nenhum padrão de amor-próprio, aceitem a culpa e não ousem fazer perguntas.\nMas sabem qual é a resposta não admitida e se recusam a admitir o que veem, a admitir que seu mundo é regido pelas premissas ocultas. Vocês sabem, embora não o admitam honestamente e sintam um vago mal-estar obscuro dentro de si próprios, no momento em que oscilam entre transgredir cheios de culpa e praticar de má vontade um princípio malévolo demais para ser explicitado.\n“Eu, que não aceito o imerecido, nem quando se trata de valores nem quando se trata de culpa, estou aqui para fazer as perguntas que vocês evitam fazer. Por que é moralmente correto servir à felicidade alheia, mas não à sua própria? Se o prazer é um valor, por que ele é moralmente aceitável quando experimentado pelos outros, porém imoral quando experimentado por vocês? Se a sensação de comer um bolo é um valor, por que é um ato imoral de gula para o seu estômago, porém um objetivo moral a ser atingido para o estômago dos outros? Por que desejar é imoral para vocês, mas não o é para os outros? Por que é imoral produzir um valor e ficar com ele, mas não o é dá-lo aos outros? E, se é imoral para vocês ficar com um valor, por que não é imoral para os outros aceitá-lo? Se vocês são altruístas e virtuosos quando o dão, eles não serão egoístas e maus quando o aceitam? Então a virtude consiste em servir o vício? Então o objetivo moral dos bons é se imolar em benefício dos maus?\n“A resposta monstruosa de que vocês se esquivam é: ‘Não, os que recebem não são maus, desde que não mereçam o valor que lhes deram. Não é imoral para eles aceitar a dádiva, desde que eles sejam incapazes de produzi-la, incapazes de merecê-la, incapazes de lhes dar algo em troca. Não é imoral para eles encontrar prazer nela, desde que eles não a obtenham por direito.’\n“É este o código secreto da sua doutrina, a outra metade do seu padrão duplo: é imoral viver do próprio trabalho, mas é direito viver do trabalho dos outros. É imoral consumir o próprio produto, porém é direito consumir os produtos dos outros. É imoral fazer jus a uma coisa, mas é direito obter algo que não se mereceu. Os parasitas justificam moralmente a existência dos produtores, mas a existência dos parasitas é um fim em si – é mau lucrar com as próprias realizações, mas é bom lucrar com o sacrifício alheio. É mau criar a própria felicidade, mas é bom gozá-la quando o preço dela é o sangue dos outros.\n“O seu código divide a humanidade em duas castas e lhes ordena que vivam segundo regras opostas: os que podem desejar qualquer coisa e os que não podem desejar nada; os escolhidos e os malditos; os carregadores e os carregados; os comedores e os comidos. Que padrão determina a sua casta? Que chave mestra lhes permite o ingresso na elite moral? A chave mestra é a falta de valor.\n“Qualquer que seja o valor em questão, é a sua falta de valor que lhes dá o direito de cobrar daqueles que não têm essa falta. É a sua necessidade que lhes dá o direito de cobrar recompensas. Se vocês são capazes de satisfazer as suas necessidades, sua capacidade anula seu direito de satisfazê-las. Mas uma necessidade que vocês sejam incapazes de satisfazer lhes confere o direito de se colocarem acima das vidas da humanidade.\n“Se vocês têm êxito, todo aquele que fracassa é seu senhor; se fracassam, todo aquele que tem êxito é seu servo. Seja seu fracasso justo ou não, sejam seus desejos racionais ou não, seja a sua infelicidade imerecida ou consequência de seus vícios, é a infelicidade que lhes dá o direito de ter recompensas. É a dor, qualquer que seja sua causa ou natureza – a dor como absoluto fundamental –, que lhes permite hipotecar toda a existência.\n“Se vocês conseguem dar fim à sua dor pelo próprio esforço, não obtêm nenhum reconhecimento moral: o seu código despreza seu ato por ser motivado por interesse próprio. Qualquer valor que tentem adquirir, seja riqueza, alimento, amor ou direitos, se vocês o adquirem por meio da sua virtude, o seu código não considera isso uma conquista moral: vocês não causam prejuízo a ninguém, é apenas uma transação comercial, não uma esmola; um pagamento, não um sacrifício. O merecido faz parte da esfera do egoísmo, do comércio, do lucro mútuo; é apenas o imerecido que exige aquela transação moral que consiste em lucro para um e desastre para o outro. Exigir recompensas para a sua virtude é egoísta e imoral; é a sua falta de virtude que transforma sua exigência em direito moral.\n“Uma moralidade que acredita que uma necessidade confere um direito tem como padrão de valor um vácuo – a não existência. Ela valoriza uma ausência, um defeito: fraqueza, incapacidade, incompetência, sofrimento, doença, desastre, falta, defeito, falha – o zero.\n“Quem é que paga os que se arrogam esse direito? Aqueles que são amaldiçoados por serem não zeros, na medida em que se afastam desse ideal. Como todos os valores são produtos de virtudes, o grau da sua virtude é usado como medida do seu castigo e o grau dos seus defeitos é usado como medida do seu lucro. O seu código afirma que o homem racional deve se sacrificar em prol do irracional; o independente, do parasita; o honesto, do desonesto; o justo, do injusto; o produtivo, do ladrão e do vagabundo; o íntegro, do calhorda sem princípios; o que tem amor-próprio, do neurótico lamuriento.\nVocês se espantam ao ver tanta mesquinharia ao seu redor? O homem que aceita essas virtudes não aceita o código moral de vocês; o que aceita o código moral de vocês não alcança essas virtudes.\n“Numa moralidade do sacrifício, o primeiro valor sacrificado é a moralidade; o seguinte é o amor próprio.\nQuando a necessidade é o padrão, todo homem é ao mesmo tempo vítima e parasita. Como vítima, ele precisa trabalhar para satisfazer as necessidades dos outros, colocando a si próprio na posição de parasita cujas necessidades devem ser satisfeitas por outrem. Ele só pode interagir com seus semelhantes adotando um ou outro papel vergonhoso: é ao mesmo tempo mendigo e otário.\n“Temem o homem que tem um dólar a menos que vocês; aquele dólar, por direito, é dele, que os faz sentirem-se como defraudadores morais. Vocês odeiam o homem que tem um dólar a mais que vocês; aquele dólar é de vocês por direito, ele os faz sentirem-se como vítimas de uma fraude moral. O homem abaixo é uma fonte de culpa; o homem acima, de frustração. Vocês não sabem de que abrir mão e o que exigir, ignoram quando dar e quando agarrar, qual dos prazeres da vida é seu de direito e que dívida para com os outros ainda não foi paga. Rotulando-o de ‘teoria’, vocês se esquivam do conhecimento que, pelo padrão moral, aceitam. Vocês são culpados a cada momento de sua vida. Não há bocado de comida que engulam que não seja necessário a alguém em algum canto da Terra – e vocês abandonam o problema repletos de ressentimento cego, concluindo que a perfeição moral não pode ser atingida nem deve ser desejada, que o jeito é viver tentando se apossar do que for possível, se esquivando dos olhares dos jovens, daqueles que os encaram como se o amor-próprio fosse algo possível e o cobrassem de vocês.\nA culpa é tudo o que lhes resta na alma – e por isso todo homem que passa por vocês evita os seus olhos.\nVocês não entendem por que a sua moralidade não conseguiu instaurar a fraternidade no mundo, nem a boa vontade do homem para com seu semelhante?\n“A justificativa do sacrifício proposta pela sua moralidade é mais corrupta que a corrupção que ela se propõe justificar. Segundo ela, o seu sacrifício deve ser motivado pelo amor – o amor que vocês deveriam sentir por todos os homens. Uma moralidade que propõe a doutrina de que os valores do espírito são mais preciosos do que a matéria, uma moralidade que lhes ensina a desprezar a prostituta que entrega o corpo indiscriminadamente a todos os homens, essa mesma moralidade exige que vocês entreguem sua alma ao amor promíscuo por todos os homens.\n“Assim como não pode haver riqueza sem causa, também não pode haver amor sem causa, nem nenhuma emoção sem causa. A emoção é uma reação a um aspecto da realidade, uma estimativa ditada pelos seus padrões. Amar é valorizar. O homem que diz que é possível valorizar sem valores, amar aqueles que vocês consideram desprovidos de valor, é o que afirma que é possível enriquecer consumindo sem produzir e que papel-moeda é tão valioso quanto ouro.\n“Observem que ele não acha que é possível experimentar um medo sem causa. Quando pessoas desse tipo chegam ao poder, elas sabem muito bem como fabricar terror, dar bons motivos para que vocês sintam o medo por meio do qual elas pretendem controlar vocês. Mas, quando se trata de amor, a mais elevada das emoções, permitem que elas gritem histericamente, em tom de acusação, que vocês são delinquentes morais se são incapazes de sentir um amor sem causa. Quando um homem sente medo sem razão, ele é encaminhado ao psiquiatra, porém não se tem o mesmo cuidado quando se trata de proteger o significado, a natureza e a dignidade do amor.\n“O amor é a manifestação dos valores que se tem, a maior recompensa a que se pode fazer jus por meio das qualidades morais que se atingiram no caráter e na própria pessoa, o preço emocional pago por um homem pelo prazer que lhe proporcionam as virtudes de outro. A sua moralidade exige que vocês divorciem o seu amor dos seus valores e o entreguem a qualquer vagabundo, não como uma resposta a seu valor, e sim como uma resposta à sua necessidade; não como recompensa, mas como esmola; não como remuneração de virtudes, mas como um cheque em branco concedido aos vícios. A sua moralidade lhes diz que o objetivo do amor é libertá-los das amarras da moralidade, que ele é superior ao discernimento moral, que o verdadeiro amor transcende, perdoa e sobrevive a toda espécie de erro em seu objeto, e quanto maior o amor, maior a depravação permitida ao amado. Amar um homem por suas virtudes é mesquinho e humano, diz essa moralidade; amá-lo por seus defeitos é divino. Amar aqueles que são merecedores de amor não passa de interesse; amar os que não merecem amor é sacrifício. Vocês devem amor aos que não o merecem, e quanto menos o merecem, mais vocês lhes devem amor. Quanto mais asqueroso o objeto do amor, mais nobre o amor; quanto mais permissivo o seu amor, maior a sua virtude – e se vocês conseguem fazer da sua alma um depósito de lixo que aceita tudo em igualdade, se conseguem parar de valorizar os valores morais, vocês chegam ao estado de perfeição moral.\n“É essa a sua moralidade do sacrifício, e são estes os dois ideais que ela propõe: refazer a vida do seu corpo à imagem de um curral humano, e a vida do seu espírito à imagem de um depósito de lixo.\n“Era esse o seu ideal, e vocês o atingiram. Por que se queixar agora da impotência do homem, da futilidade das aspirações humanas? Por que não conseguiram prosperar buscando a destruição? Por que não conseguiram encontrar felicidade cultuando a dor? Por que não conseguiram viver tendo a morte como padrão de valor?\n“O grau da sua capacidade de viver era o grau em que vocês conseguiam violar o próprio código moral, e, no entanto, acreditam que aqueles que o defendem são amigos da humanidade, amaldiçoam a si próprios e não ousam questionar as motivações e os objetivos dos que propõem essa doutrina. Olhem para eles agora, quando vocês estão encarando sua última alternativa – e, se optarem por morrer, morram com plena consciência de que entregaram suas vidas a um inimigo tão mesquinho, por um preço tão barato.\n“Os místicos de ambas as escolas que pregam a doutrina do sacrifício são germes que atacam pela mesma ferida: o medo de confiar na mente. Eles afirmam que possuem um meio de conhecimento mais elevado do que a mente, uma modalidade de consciência superior à razão – como se tivessem um pistolão especial com algum burocrata do universo que lhes fornecesse informações secretas a que ninguém mais tem acesso. Os místicos do espírito dizem que possuem um sexto sentido que vocês não têm, o qual consiste na negação de todos os conhecimentos adquiridos por meio dos cinco sentidos que vocês possuem. Os místicos dos músculos não se dão ao trabalho de se arrogar algum tipo de percepção extrassensorial: limitam-se a afirmar que os seus sentidos não são válidos e que a sabedoria deles consiste em perceber a sua cegueira por meio de algum método não especificado. Ambos os tipos de místicos exigem que vocês invalidem sua própria consciência e se entreguem ao controle deles. Oferecem-lhes, como prova de seu conhecimento superior, o fato de afirmarem o contrário de tudo o que vocês sabem, e, como prova de sua capacidade superior de lidar com a existência, o fato de que eles os conduzem à miséria, ao auto sacrifício, à fome, à destruição.\n“Eles afirmam que conhecem uma modalidade de existência superior à vida que vocês levam nesta Terra. Os místicos do espírito a denominam ‘outra dimensão’, que consiste na negação das dimensões.\nOs místicos dos músculos a denominam ‘o futuro’, que consiste na negação do presente. Existir é possuir identidade. Que identidade são capazes de dar à esfera superior por eles proposta? Estão sempre dizendo o que ela não é, mas nunca dizem o que é. Todas as suas identificações consistem em negações: ‘Deus é aquilo que nenhuma mente humana é capaz de saber’, afirmam e em seguida exigem que isso seja considerado sabedoria. ‘Deus é o não homem, o céu é a não Terra, a alma é o não corpo, a virtude é o não lucro, A é não A, a percepção é a não sensação, o conhecimento é a não razão.’ Suas definições são, na verdade, negações.\n“Somente uma metafísica de sanguessuga se ateria à concepção de universo em que o zero é um padrão de identificação. A sanguessuga quer fugir da necessidade de dar nome à própria natureza, da necessidade de saber que a substância com base na qual ela constrói seu universo particular é o sangue.\n“Qual a natureza daquele mundo superior ao qual eles sacrificam o mundo que existe? Os místicos do espírito amaldiçoam a matéria; os dos músculos, o lucro. Os do espírito querem que os homens lucrem renunciando ao mundo; os dos músculos, que os homens herdem o mundo renunciando ao lucro. Os mundos sem matéria e sem lucro por eles propostos são terras em que nos rios corre café com leite, brota vinho das pedras quando eles assim ordenam, caem pastéis do céu quando abrem a boca. No mundo material em que vivemos, em que as pessoas correm atrás do lucro, é necessário um investimento enorme de virtude – de inteligência, integridade, energia e capacidade – para construir uma ferrovia de um quilômetro de extensão. No mundo sem matéria e sem lucro que os místicos propõem, viaja-se de um planeta a outro graças à formulação de um desejo. Se uma pessoa honesta lhes pergunta ‘Como?’, eles respondem, com indignação e escárnio, que ‘como’ é um conceito de realistas vulgares e que o conceito dos espíritos superiores é ‘de algum modo’. Neste nosso mundo circunscrito pela matéria e pelo lucro, as recompensas requerem o pensamento; num mundo libertado de tais restrições, basta desejar.\n“E é esse todo o segredo deles. O segredo vergonhoso de todas as filosofias esotéricas, de todas as dialéticas e dos sextos sentidos, o segredo de todos os olhares evasivos e das palavras ásperas, o segredo em nome do qual destroem a civilização, a linguagem, indústrias e vidas humanas, em nome do qual furam os próprios olhos e tímpanos, esmagam os próprios sentidos, esvaziam as próprias mentes, o objetivo pelo qual eles dissolvem os absolutos da razão, da lógica, da matéria, da existência, da realidade.\nTal segredo é construir, sobre essa neblina plástica, um único absoluto sagrado: o desejo deles.\n“A restrição da qual eles tentam escapar é a lei da identidade. A liberdade que buscam é a do fato de que A será sempre A, independentemente da raiva ou do medo que sintam; de que um rio jamais lhes dará leite, por maior que seja a fome que sintam; de que a água jamais escorrerá para cima, por maiores que sejam as vantagens que isso lhes proporcionaria. E, se eles querem levar água até o alto de um arranha-céu, serão obrigados a utilizar um processo de pensamento e trabalho, no qual a natureza de um pedaço de cano é importante, mas os sentimentos deles são irrelevantes. Buscam se libertar do fato de que seus sentimentos são incapazes de alterar a trajetória de um único grão de poeira no espaço, ou a natureza de alguma ação por eles realizada.\n“Aqueles que lhes dizem que o homem é incapaz de perceber uma realidade sem as distorções causadas pelos sentidos querem dizer, na verdade, que se recusam a perceber uma realidade sem as distorções causadas por seus sentimentos. ‘As coisas tais quais são’ são as coisas tais quais percebidas pela sua mente. Se as divorciamos da razão, elas se tornam ‘as coisas tais quais são percebidas pelos seus desejos’.\n“Não existe uma revolta honesta contra a razão – e quem aceita uma parte qualquer dessa doutrina quer fazer impunemente algo que a sua razão não lhe permitiria tentar. A liberdade que se busca é a de adquirir riquezas por meio do roubo sem que isso implique que se é um canalha, por mais dinheiro que se dê às organizações de caridade, por mais preces que se dirijam a Deus. É a liberdade de dormir com uma prostituta sem que isso implique ser um marido infiel, por mais que se afirme amar a esposa no dia seguinte. É a liberdade de não se precisar ser uma entidade em vez de simplesmente um amontoado de pedaços aleatórios espalhados por um universo onde nada é nada, onde não há compromissos com nada, um universo de pesadelo infantil, em que as identidades se revezam constantemente, em que canalha e herói são papéis assumidos arbitrariamente – a liberdade de não ter que ser homem, de não ter que ser entidade, de não ter que ser.\n“Por mais que se insista que o objetivo do desejo místico é uma forma mais elevada de vida, a rebelião contra a identidade é um desejo de não existência. O desejo de não ser nada é o desejo de não ser.\n“Seus mestres, os místicos das duas escolas, invertem a relação de causalidade em sua consciência e depois tentam invertê-la na existência. Tomam suas emoções como causa e suas mentes como efeito passivo. Fazem de suas emoções um instrumento para perceber a realidade. Tomam seus desejos como elementos irredutíveis, como fatos que suplantam todos os fatos. O homem honesto só deseja depois que identifica o objeto de seu desejo. Ele diz: ‘É, portanto desejo.’ Eles dizem: ‘Quero, portanto é.’\n“Eles querem violar o axioma da existência e da consciência, querem que sua consciência seja um instrumento não de percepção, e sim de criação da existência, e a existência seja não o objeto, e sim o sujeito de sua consciência – querem ser esse Deus que construíram à própria imagem e semelhança, que cria um universo a partir do nada por meio de um capricho arbitrário. Porém é impossível violar a realidade. O que eles conseguem fazer é o oposto do que desejam. Querem adquirir um poder absoluto sobre a existência, porém, ao contrário, perdem o poder de sua consciência. Recusando-se a conhecer, condenam a si próprios ao horror do perpétuo desconhecido.\n“Esses desejos irracionais que os atraem a essa doutrina, essas emoções que vocês cultuam com idolatria, sobre cujo altar sacrificam a Terra, essa paixão obscura e incoerente dentro de vocês, que supõem ser a voz de Deus ou das suas glândulas, não passa do cadáver de sua mente. Uma emoção que entra em contradição com a sua razão, que vocês não podem explicar nem controlar, é apenas o cadáver daquele pensamento bolorento que não permitiram que sua mente repensasse.\n“Toda vez que vocês cometeram o mal de se recusar a pensar e a ver, de isentar do absoluto da realidade um pequenino desejo seu, sempre que optaram por dizer: ‘Que eu possa subtrair ao julgamento da razão os biscoitos que roubei, ou a existência de Deus, que me seja permitido um único capricho irracional, e serei um seguidor da razão em relação a tudo o mais’ – foi esse o ato de recusa, de negação que subverteu sua consciência, que corrompeu sua mente. Foi assim que sua mente se transformou num júri comprado que recebe ordens de um submundo secreto, cujo veredicto distorce as provas para se adequarem a um absoluto intocável – e o resultado é uma realidade censurada, fragmentada, em que os pedacinhos que optaram por ver flutuam entre os abismos daquilo que não quiseram ver, unidos por aquele fluido embalsamador da mente que é a emoção isenta do pensamento.\n“As ligações que se esforçam por ocultar são relações causais. O inimigo que tentam derrotar é a lei da causalidade: ele não lhes permite a realização de milagres. A lei da causalidade é a lei da identidade aplicada à ação. Todas as ações são causadas por entidades. A natureza de uma ação é causada e determinada pela natureza das entidades agentes; uma coisa não pode agir de modo a contradizer sua natureza. Uma ação não causada por uma entidade seria causada por um zero, o que implicaria um zero controlando uma coisa, uma nulidade controlando uma entidade, o inexistente dominando o existente.\nO que é o universo do desejo dos seus mestres, a causa das doutrinas das ações sem causa, a razão da revolta contra a razão, o objetivo dessa moralidade, dessa política, dessa economia, desse ideal que eles procuram atingir? O reino do zero.\n“A lei da identidade não permite que vocês comam um bolo e ao mesmo tempo o guardem intacto. A lei da causalidade não lhes permite comer o bolo antes de fazê-lo. Mas se ocultam ambas as leis em seu cérebro, se fingem para si próprios e para os outros não vê-las, então podem tentar proclamar o seu direito de comer seu bolo hoje e o meu amanhã, podem proclamar a doutrina segundo a qual a maneira de fazer um bolo é comê-lo antes, que a maneira de produzir é consumir antes, que todo aquele que deseja algo tem o direito de ter o que deseja, já que nada é causado por nada. O corolário desse princípio do não causado na matéria é o princípio do imerecido no espírito.\n“Toda vez que vocês se revoltam contra a causalidade, o que os motiva é o desejo fraudulento não de escapar dela, mas, o que é pior, de invertê-la. Vocês querem amor imerecido, como se amor, que é efeito, lhes pudesse atribuir valor pessoal, que é causa. Querem admiração imerecida, como se a admiração, o efeito, pudesse lhes conferir virtude, a causa. Querem riquezas imerecidas, como se a riqueza, o efeito, pudesse lhes conferir capacidade, a causa. Imploram por piedade, não justiça, como se um perdão imerecido pudesse ter o efeito de apagar a causa do seu pedido de misericórdia. E, para permitirem essas suas falsificações mesquinhas, defendem as doutrinas de seus mestres, enquanto eles andam por aí proclamando que os gastos, que são o efeito, é que criam a riqueza, que é a causa; que as máquinas, que são o efeito, criam a inteligência, que é a causa; que os seus desejos sexuais, que são o efeito, criam os seus valores filosóficos, que é a causa.\n“Quem é que paga a conta dessa orgia? Quem causa o que não tem causas? Quem são as vítimas, condenadas a permanecer sem reconhecimento e morrer no silêncio, para que a agonia deles não perturbe a convicção de vocês de que elas não existem? Somos nós, nós, os homens dotados de mentes.\n“Nós somos a causa de todos os valores que vocês ambicionam, nós é que realizamos o processo do raciocínio, por meio do qual definimos identidades e descobrimos relações causais. Nós ensinamos vocês a saber, a falar, a produzir, a desejar, a amar. Vocês, que abandonam a razão, se não fosse por nós, que a preservamos, não seriam capazes de realizar nem de conceber sequer seus desejos. Não seriam capazes de desejar as roupas que não teriam sido feitas, o automóvel que não teria sido inventado, o dinheiro que não teria sido criado para trocar as mercadorias que não existiriam, a admiração que não teria sido experimentada por homens que não teriam realizado nada, o amor que só pertence àqueles que preservam sua capacidade de pensar, de escolher, de valorizar.\n“Vocês, que como selvagens saltam da selva dos seus sentimentos para a Quinta Avenida da nossa Nova York e afirmam que querem ficar com as luzes elétricas, mas querem destruir os geradores, é a nossa riqueza que vocês usam enquanto nos destroem, são os nossos valores que usam enquanto nos amaldiçoam, é a nossa língua que falam enquanto negam a mente.\n“Do mesmo modo que os místicos do espírito inventaram seu céu à imagem da nossa Terra, imitando nossa existência, e lhes prometeram recompensas criadas por milagre a partir da não matéria, assim também os atuais místicos dos músculos omitem nossa existência e lhes prometem um céu onde a matéria toma forma com base na própria vontade não causada e se transforma em todas as recompensas desejadas pela sua não mente.\n“Durante séculos, os místicos do espírito viveram como gângsteres, tornando a vida na Terra insuportável, depois cobrando a vocês que lhes dessem consolo e alívio; proibindo todas as virtudes que tornam possível a existência, depois explorando o seu sentimento de culpa; afirmando que a produção e o prazer são pecados, depois chantageando os pecadores. Nós, os homens dotados de mente, éramos as vítimas jamais reconhecidas da doutrina deles – nós que estávamos dispostos a violar o código moral deles e a arcar com o ônus da maldição pelo pecado de ser racional; nós é que pensávamos e agíamos, enquanto eles desejavam e rezavam; nós é que éramos párias morais, que éramos contrabandistas de vida, quando esta era considerada um crime, enquanto eles gozavam da glória moral por terem a virtude de transcender a ganância material e distribuir, por caridade e altruísmo, os bens materiais produzidos pelos que não podiam ser mencionados.\n“Agora estamos acorrentados e recebemos ordens de produzir, dadas por selvagens que nem sequer nos concedem a identidade de pecadores – selvagens que afirmam que não existimos e então nos ameaçam de nos privar da vida que não possuímos, se não lhes fornecermos os produtos que não produzimos. Agora querem que continuemos a operar estradas de ferro, a saber a hora exata em que um trem chegará após atravessar todo um continente; querem que continuemos a operar siderúrgicas, a saber a estrutura molecular de cada partícula de metal dos cabos que sustentam as suas pontes, dos aviões que os transportam pelo ar – enquanto as tribos dos seus grotescos místicos dos músculos brigam pelos restos mortais do mundo, grunhindo numa não linguagem, dizendo que não há princípios, não há absolutos, não há conhecimento, não há mente.\n“Descendo abaixo do nível do selvagem, que acredita que as palavras mágicas que ele pronuncia têm o poder de alterar a realidade, eles acreditam que esta pode ser alterada pelo poder das palavras que não pronunciam – e sua ferramenta mágica é o silêncio, o fingimento de que nada pode existir se não admitirem sua existência.\n“Assim como materialmente eles se alimentam de riquezas roubadas, espiritualmente eles também se alimentam de conceitos roubados e afirmam que a honestidade consiste em se recusar a saber que se está roubando. Assim como se utilizam dos efeitos ao mesmo tempo que negam as causas, também empregam os nossos conceitos ao mesmo tempo que negam as raízes e a existência dos conceitos que estão usando. Assim como tentam não construir, mas tomar indústrias, também tentam não pensar, mas tomar o pensamento humano.\n“Assim como afirmam que a única exigência para se operar uma fábrica é a capacidade de rodar manivelas de máquinas e silenciam sobre a questão de quem criou a fábrica, também proclamam que não há entidades, que nada existe senão o movimento, e silenciam quanto ao fato de que o movimento pressupõe a coisa que se move, de que sem o conceito de entidade não pode existir o de movimento.\nAssim como proclamam seu direito de consumir aquilo que não merecem e silenciam quanto à questão de quem é que vai produzi-lo, também afirmam que não há uma lei da identidade, que nada existe senão a mudança, e silenciam sobre o fato de que a mudança pressupõe o conceito daquilo que muda, do quê para quê, que sem a lei da identidade não pode existir o conceito de mudança. Assim como roubam um industrial ao mesmo tempo que negam o seu valor, também tentam se apropriar de toda a existência enquanto negam que a existência existe.\n‘Nós sabemos que nada sabemos’, dizem eles, silenciando o fato de que estão afirmando que ‘sabem algo’. ‘Não há absolutos’, afirmam, silenciando o fato de que estão exprimindo um princípio absoluto.\n‘Não se pode provar que se existe e se é dotado de consciência’, afirmam, silenciando o fato de que a prova pressupõe a existência, a consciência e um complexo encadeamento de conhecimentos: a existência de algo a saber, de uma consciência capaz de sabê-lo, de um conhecimento que distinga entre conceitos tais como provado e não provado.\n“Quando um selvagem que não aprendeu a falar declara que a existência tem de ser provada, ele está pedindo que ela seja provada pela não existência. Quando afirma que sua consciência tem que ser provada, está pedindo que ela seja provada pela inconsciência – está pedindo que se passe para um vácuo fora da existência e da consciência para lhe fornecer uma prova de ambas; está pedindo que a pessoa se torne um zero adquirindo conhecimentos a respeito de um zero.\n“Quando ele declara que um axioma é uma questão de escolha arbitrária e opta por não aceitar o axioma de que o axioma existe, silencia o fato de que o aceitou ao pronunciar aquela frase, silencia o fato de que o único modo de rejeitá-lo é fechar a boca, não propor teoria alguma e morrer.\n“Um axioma é uma afirmação que identifica a base do conhecimento e de qualquer outra afirmação pertinente àquele conhecimento, uma afirmação necessariamente contida em todas as outras, queira determinado falante identificá-la ou não. Um axioma é uma proposição que derrota seus adversários pelo fato de que eles têm que aceitá-la e utilizá-la no processo de qualquer tentativa de negá-la. Que o troglodita que opta por não aceitar o axioma da identidade tente apresentar sua teoria sem utilizar o conceito de identidade nem qualquer outro derivado dele. Que o antropoide que opta por não aceitar a existência dos substantivos tente elaborar uma língua que não os contenha, e nem adjetivos ou verbos.\nQue o curandeiro que opta por não aceitar a validade da percepção sensorial tente provar sua posição sem utilizar os dados que adquiriu por meio da percepção sensorial. Que o escalpelador que opta por não aceitar a validade da lógica tente provar sua posição sem recorrer a ela. Que o pigmeu que afirma que um arranha-céu não precisa de fundações, após chegar ao 50º andar, arranque as do prédio dele, não as do de vocês. Que o canibal que afirma que a liberdade da mente humana foi necessária para criar uma civilização industrial, porém não é necessária para mantê-la, que todos eles recebam uma flecha e uma pele de urso, não uma cátedra de economia na universidade.\n“Vocês pensam que eles os estão levando de volta para a idade das trevas? Pois os estão levando para uma escuridão mais densa do que a de qualquer era da história. A meta deles não é a era da pré-ciência, e sim a da pré-linguagem. O objetivo deles é privar vocês do conceito do qual dependem tanto a mente quanto a vida e a cultura do homem: o de realidade objetiva. Identifiquem o desenvolvimento de consciência humana e conhecerão o objetivo da doutrina deles.\n“O selvagem é aquele que não compreendeu que A é A e que a realidade é real. Seu desenvolvimento mental estacionou no nível do de um bebê, no patamar em que a consciência adquire suas percepções sensoriais iniciais e ainda não aprendeu a distinguir os objetos concretos. Para um bebê, o mundo é uma névoa de movimento, e não coisas que se movem – e o nascimento de sua mente se dá no dia em que ele apreende que aquele risco que está sempre passando por ele é sua mãe, que a mancha atrás dela é uma cortina, que as duas são entidades sólidas e uma delas não pode se transformar na outra, que elas são o que são, que elas existem. O dia em que o bebê compreende que a matéria não tem vontade é o dia em que compreende que ele é dotado de vontade – e esse é o dia de seu nascimento como ser humano. Ao compreender que o reflexo que vê no espelho não é uma ilusão, que é algo real, mas não é ele próprio; que a miragem que vê no deserto não é uma ilusão, que o ar e a luz que causam a miragem são reais, mas esta não é uma cidade e sim o reflexo de uma cidade – no dia em que compreende que não é um receptor passivo das sensações de um dado momento, que seus sentidos não lhe fornecem um conhecimento automático em fragmentos separados independentes do contexto, e sim apenas a matéria-prima do conhecimento, que sua mente tem de integrar; no dia em que compreende que seus sentidos não podem enganá-lo, que os objetos físicos não podem agir sem causa, que seus órgãos de percepção são físicos e não são dotados de vontade, nem do poder de inventar ou de distorcer; que os dados que lhe fornecem constituem um absoluto, mas sua mente tem de aprender a compreendê-los, sua mente precisa descobrir a natureza, as causas, o contexto integral de seu material sensorial, sua mente tem de identificar as coisas que ele percebe –, é nesse dia que ele nasce como pensador e cientista.\n“Nós somos aqueles que atingiram esse dia; vocês são os que optaram por apenas se aproximar dele.\nO selvagem é o que jamais chegou lá.\n“Para um selvagem, o mundo é um lugar de milagres ininteligíveis em que tudo é possível para a matéria inanimada e nada é possível para si. O mundo dele não é o desconhecido, e sim o horror irracional do incognoscível. Ele acredita que os objetos físicos são dotados de uma vontade misteriosa, movida por caprichos sem causa e imprevisíveis, e que ele é um joguete impotente à mercê de forças que não pode controlar. O selvagem acredita que a natureza é governada por demônios que possuem um poder absoluto e que a realidade é inteiramente controlada por seus caprichos. Acredita que os demônios podem transformar um prato de mingau numa cobra e uma mulher num besouro quando quiserem; que o A que jamais descobriu pode ser qualquer não A que os demônios quiserem; que o único conhecimento que tem é a consciência da obrigação de não tentar conhecer nada. Ele não pode contar com nada, pode apenas desejar, e passa a vida desejando, pedindo aos demônios que lhe satisfaçam os desejos com o poder arbitrário de sua vontade, agradecendo-lhes quando o atendem, assumindo a culpa quando não o atendem, oferecendo-lhes sacrifícios como prova de sua gratidão e de sua culpa, rastejando no chão, para exprimir seu medo e sua adoração pelo Sol, pela Lua, pelo vento, pela chuva e por qualquer brutamontes que afirme ser o porta-voz dessas entidades, desde que suas palavras sejam ininteligíveis e sua máscara, assustadora o bastante – ele deseja, implora, rasteja e morre, deixando a vocês, como momentos de sua visão da existência, as monstruosidades distorcidas de seus ídolos, meio homens e meio animais, imagens do mundo do não A.\n“ É esse o estado intelectual dos seus mestres modernos. É o mundo do selvagem que eles querem instaurar para vocês.\n“Se vocês querem saber de que maneiras eles pretendem lançar mão para engendrar esse mundo, entre em qualquer sala de aula universitária e ouvirão os professores dizendo a seus filhos que o homem não pode ter certeza de nada, que sua consciência não tem qualquer validade, que ele é incapaz de aprender fatos ou leis da existência, que é incapaz de conhecer uma realidade objetiva. Então que padrão de verdade e conhecimento têm esses professores? Tudo aquilo em que os outros acreditam, respondem eles. Não existe conhecimento, eles ensinam; porém apenas já acreditar que vocês mesmos existem é um ato de fé, que não é mais válido do que a crença, defendida por algum outro indivíduo, na ideia de que ele tem o direito de matar vocês. Os axiomas da ciência são atos de fé e não são mais válidos do que a crença na revelação, defendida por um místico. Acreditar que a luz elétrica pode ser produzida por um gerador é um ato de fé e não é mais válido que acreditar que ela pode ser produzida por um pé de coelho beijado debaixo da escada numa noite de lua nova – a verdade é qualquer coisa que as pessoas queiram que seja, e ‘as pessoas’ significam todo mundo menos vocês. A realidade é tudo aquilo que as pessoas resolvam que seja; não há fatos objetivos, há apenas desejos arbitrários de pessoas. O homem que busca o conhecimento num laboratório com tubos de ensaio e lógica é um tolo antiquado e supersticioso; o verdadeiro cientista é aquele que anda fazendo pesquisas de opinião – e se não fosse a ganância egoísta dos fabricantes de vigas de aço, que estão interessados em obstruir o progresso da ciência, vocês saberiam que a cidade de Nova York não existe, porque uma pesquisa de opinião realizada com a totalidade da população do mundo concluiria, por uma maioria esmagadora, que as crenças das pessoas proíbem a existência de tal lugar.\n“Há séculos que os místicos do espírito vêm proclamando que a fé é superior à razão, porém não ousam negar a existência da razão. Os místicos dos músculos, herdeiros e produtos dos do espírito, levaram adiante o trabalho de seus predecessores e concretizaram seu sonho: proclamam que tudo é fé e dizem que isso é se revoltar contra as crendices. Revoltando-se contra afirmações carentes de provas, proclamam que nada pode ser provado; revoltando-se contra o conhecimento sobrenatural, proclamam que nenhum conhecimento é possível; revoltando-se contra os inimigos da ciência, proclamam que esta é uma superstição; revoltando-se contra a escravização da mente, proclamam que esta não existe.\n“Se vocês abrem mão do seu poder de percepção, se aceitam trocar o padrão da objetividade pelo da coletividade e pensam aquilo que a humanidade acha que devem pensar, muito em breve seus olhos – dos quais vocês abriram mão – verão uma outra mudança ocorrer: os seus mestres se tornarão os senhores da coletividade, e se, então, vocês se recusarem a lhes obedecer, protestando que eles não são a totalidade da humanidade, eles responderão: ‘Como vocês podem saber que não somos? Ser? Onde encontraram essa palavra antiquada?’\n“Se duvidam que seja esse o objetivo deles, observem com que persistência e paixão os místicos dos músculos estão tentando fazê-los esquecer que o conceito de ‘mente’ algum dia existiu. Observem a verborragia tortuosa, as palavras com significados de borracha, os termos flutuantes por meio dos quais eles tentam evitar reconhecer o conceito de ‘pensamento’. A sua consciência, segundo eles, consiste em ‘reflexos’, ‘reações’, ‘experiências’, ‘instintos’ e ‘impulsos’ – e eles se recusam a identificar os meios pelos quais adquiriram esses conhecimentos, a identificar o ato que estão realizando quando falam sobre eles e o ato que vocês realizam quando os ouvem. As palavras têm o poder de ‘condicionar’ vocês, dizem eles, e se recusam a identificar a razão pela qual as palavras têm o poder de mudar o seu… silêncio. O estudante que lê um livro o compreende por meio de um processo de… silêncio. O cientista que trabalha numa invenção está envolvido numa atividade de… silêncio. O psicólogo que ajuda um neurótico a resolver um problema e a se livrar de um conflito o faz por meio de… silêncio. O industrial… silêncio não existe. Uma fábrica é um ‘recurso natural’, como uma árvore, uma pedra ou uma poça de lama.\n“O problema da produção, dizem eles, já foi resolvido e não merece ser estudado; a única questão que seus ‘reflexos’ ainda têm que resolver é a da distribuição. Quem resolveu o problema da produção? A humanidade, respondem. Qual foi a solução? Os produtos estão aí. Como foi que eles apareceram? De um modo qualquer. O que causou seu aparecimento? Nada tem causas.\n“Eles proclamam que todo homem que nasce tem o direito de existir sem trabalhar, e, apesar das leis da realidade, tem o direito de receber sua ‘subsistência mínima’ – comida, roupa, casa – sem fazer nenhum esforço, porque tal lhe cabe por direito de nascença. Receber tais coisas de quem? Silêncio. Todo homem, proclamam eles, é proprietário de um quinhão equânime dos benefícios tecnológicos criados no mundo. Criados por quem? Silêncio. Covardes histéricos que se fazem passar por defensores aos industriais agora definem o objetivo da economia como ‘um ajuste entre os desejos ilimitados dos homens e os bens produzidos em quantidade limitada’. Produzidos por quem? Silêncio. Arruaceiros intelectuais que se fazem passar por professores desprezam os pensadores do passado, afirmando que as teorias sociais deles se baseavam na premissa puramente teórica de que o homem é um ser racional – mas como isso não é verdade, afirmam eles, deve ser estabelecido um sistema que possibilite ao homem existir apesar de ser irracional, o que quer dizer: desafiar a realidade. Quem tornará isso possível? Silêncio.\nQualquer pessoa medíocre é capaz de publicar planos para controlar a produção da humanidade, quer concorde com suas estatísticas, quer discorde delas. O fato é que ninguém questiona o direito de impor planos pela força das armas. Impor a quem? Silêncio. Mulheres que não têm o que fazer, cujo dinheiro provém do nada, pois que nada tem causas, viajam pelo mundo e voltam afirmando que os povos atrasados deste planeta exigem um padrão de vida mais elevado. Exigem de quem? Silêncio.\n“E, para impedir qualquer investigação sobre a diferença entre uma aldeia de selvagens e a cidade de Nova York, eles apelam para a obscenidade-mor de explicar o progresso industrial do homem – os arranha-céus, as pontes pênseis, os motores e os trens – afirmando que o homem é um animal que possui um ‘instinto de fazer ferramentas’.\n“Querem saber o que está errado com o mundo? O que vocês estão vendo agora é a consequência final da doutrina da ausência de causas, a doutrina do imerecido. Todas as gangues de místicos, do espírito ou dos músculos, estão lutando umas com as outras, disputando o poder de mandar em vocês, rosnando que o amor é a solução de todos os problemas do seu espírito e que o chicote é a solução de todos os problemas do seu corpo – isso porque vocês concordaram com a afirmativa de que não existe mente. Concedendo ao homem menos dignidade do que se concede ao gado, ignorando o que um adestrador de animais poderia lhes dizer – nenhum animal pode ser treinado por meio do medo; o elefante torturado pisoteia seu torturador, recusando-se a trabalhar para ele –, acham que o homem vai continuar a produzir válvulas eletrônicas, aviões supersônicos, máquinas que fragmentam átomos e telescópios interestelares tendo por recompensa uma ração de carne e por incentivo uma chicotada no lombo.\n“Não se iludam quanto ao caráter dos místicos. Através dos séculos, o objetivo deles sempre foi minar a sua consciência e sua única volúpia sempre foi a do poder – o poder de dominá-los pela força.\n“Dos rituais dos curandeiros da selva, que distorciam a realidade, transformando-a em absurdos grotescos, deformavam as mentes de suas vítimas e as enchiam de terror pelo sobrenatural, no decorrer de séculos de estagnação – passando pelas doutrinas sobrenaturais da Idade Média, que mantinham os homens acocorados na lama do chão de seus casebres, com medo de que o demônio lhes roubasse a sopa que haviam trabalhado 18 horas para poder conseguir –, até o professorzinho sorridente e maltrapilho que afirma que o seu cérebro não tem capacidade de pensar, que o homem não tem meios de percepção e tem de obedecer cegamente à vontade onipotente da sociedade, essa força sobrenatural – tudo isso tem o mesmo objetivo: reduzir vocês a uma massa inerte que abre mão da validade de sua consciência.\n“Mas isso não pode ser feito sem o seu consentimento. Se permitem que isso seja feito, vocês merecem.\n“Quando vocês ouvem um místico falar sobre a impotência da mente humana e começam a duvidar da sua consciência, e não da dele; quando permitem que o seu precário estado de semirracionalidade seja abalado por qualquer afirmação e concluem que é mais seguro confiar na certeza e nos conhecimentos superiores do místico, vocês estão fornecendo, pela sua aprovação, a única fonte de certeza que ele possui. O poder sobrenatural que o místico teme, o espírito incognoscível que ele adora, a consciência que ele julga onipotente é a consciência de vocês.\n“O místico é aquele que abriu mão da própria mente ao primeiro contato com as mentes dos outros.\nEm algum momento da sua infância distante, quando o seu entendimento da realidade entrou em conflito com as afirmações dos outros, as ordens arbitrárias e as exigências contraditórias dos outros, ele cedeu a um medo da independência tão abjeto que renunciou à sua faculdade racional. Na encruzilhada da opção entre ‘eu sei’ e ‘eles dizem’, o místico escolheu a autoridade dos outros, optou por se submeter em vez de compreender, a crer em vez de pensar. A fé no sobrenatural começa como fé na superioridade dos outros. Sua rendição assumiu a forma do sentimento de que ele tem que ocultar sua falta de entendimento de que os outros possuam algum conhecimento misterioso que só ele ignora, de que a realidade é qualquer coisa que os outros queiram que seja, através de algum meio que lhe será negado para todo o sempre.\n“Daí em diante, com medo de pensar, ele se vê à mercê de sentimentos não identificados. Estes passam a ser seu único guia, seu único vestígio de identidade pessoal. O místico se agarra a eles com uma possessividade feroz – e, quando pensa, é só com o objetivo de se esforçar para esconder de si próprio que a natureza de seus sentimentos é o terror.\n“Quando um místico afirma que sente a existência de um poder superior à razão, é bem verdade que ele sente algo, só que o poder em questão não é um superespírito onisciente universal, e sim a consciência do primeiro gaiato que passou por ele, ao qual ele submeteu a própria razão. O místico é movido pela vontade de causar impressão, de enganar, bajular, trapacear, impor à força essa consciência onipotente dos outros. ‘Eles’, os outros, são a única chave da realidade de que o místico dispõe, e este acha que só pode existir se explorar o poder misterioso dos outros e lhes extorquir seu integral consentimento. ‘Eles’ são seu único meio de percepção, e, como o cego que depende da visão de um cachorro, o místico sente que tem de acorrentá-los para poder viver. Controlar a consciência dos outros passa a ser sua única paixão – a volúpia do poder é uma erva daninha que só cresce nos terrenos baldios de uma mente abandonada.\n“Todo ditador é um místico, e todo místico, um ditador em potencial. O místico quer que os homens lhe obedeçam, não que concordem com ele. Quer que rendam suas consciências a suas afirmações, seus decretos, seus desejos, seu caprichos do mesmo modo que a consciência dele se rende às deles. Ele quer lidar com os homens por meio da fé e da força – não tem nenhuma satisfação em ganhar o consentimento dos outros se, para isso, for necessário lançar mão de fatos e da razão. A razão é o inimigo que ele teme e, ao mesmo tempo, considera precário. Para ele, a razão é um instrumento usado para burlar. Sente que os homens possuem algum poder mais forte que a razão – e é apenas impondo-lhes uma crença sem causas ou uma obediência forçada que ele se sente certo de que adquiriu controle sobre o dom místico que lhe faltava. Sua volúpia é de mandar, não de convencer – a convicção exige um ato de independência e se baseia numa realidade objetiva absoluta. O que ele quer é exercer poder sobre a realidade e sobre o meio que os homens têm para percebê-la: sua mente. Quer poder colocar sua vontade entre a existência e a consciência, como se, ao concordar em falsificar uma realidade sob as instruções do místico, os homens estivessem criando a realidade.\n“Assim como o místico é um parasita no plano da matéria, uma vez que expropria a riqueza criada pelos outros, ele também é um parasita no plano do espírito, pois saqueia as ideias criadas por outros – e assim se coloca abaixo do nível do louco, que cria a própria distorção da realidade, e se coloca ao nível de um parasita da loucura, que busca uma distorção criada por outrem.\n“Só existe um estado que satisfaz o desejo de infinito, de não causalidade, de não identidade, que caracteriza o místico: a morte. Quaisquer que sejam as causas ininteligíveis que ele atribua a seus sentimentos incomunicáveis, todo aquele que rejeita a realidade rejeita a existência – e os sentimentos que o impelem daí em diante são o ódio por todos os valores da vida humana e a paixão por todos os males que o destroem. O místico aprecia o espetáculo do sofrimento, da pobreza, da subserviência e do terror; tais coisas lhe proporcionam uma sensação de triunfo, uma prova da derrota da realidade racional. Porém não existe outra realidade.\n“Qualquer que seja o suposto beneficiário do místico, seja ele Deus ou aquela gárgula sem corpo que ele chama de ‘povo’, qualquer que seja o ideal que proclama em termos de alguma dimensão sobrenatural – na verdade, na realidade, na Terra, seu ideal é a morte, seu desejo é matar, seu único prazer é torturar.\n“A destruição é o único fim já realizado pela doutrina dos místicos, e é o único fim que, como vocês estão vendo, eles estão atingindo agora, e se a destruição causada por seus atos não os fez questionar suas doutrinas, se afirmam serem movidos pelo amor, porém não mudam de ideia apesar das pilhas de cadáveres à sua frente, é porque a verdade a respeito das almas deles é pior do que a desculpa obscena que vocês lhes concederam: a desculpa de que o fim justifica os meios e os horrores por eles praticados são meios de atingir fins mais nobres. A verdade é que esses horrores são os fins deles.\n“Vocês, que são depravados o bastante para acreditar que conseguiriam se adaptar à ditadura de um místico e poderiam lhe agradar obedecendo às suas ordens, saibam que não há como deixá-lo satisfeito: quando lhe obedecem, ele passa a dar ordens contrárias, pois o que quer é a obediência pela obediência, a destruição pela destruição. Vocês, que são abjetos o bastante para acreditar que podem negociar com um místico cedendo às suas extorsões, saibam que não há como comprá-lo, pois o suborno que ele quer é a sua vida, devagar ou depressa, conforme estejam dispostos a dá-la – e o monstro que ele quer subornar é aquela coisa silenciada em sua mente, que o impele a matar para não ver que a morte que ele deseja é a sua própria.\n“Vocês, que são inocentes o bastante para acreditar que as forças que estão soltas no seu mundo agora são movidas pela ganância do saque material – essa briga dos místicos pelos despojos de guerra é apenas uma cortina de fumaça para ocultar das mentes deles a natureza de sua verdadeira motivação. A riqueza é um meio da vida humana, e eles pedem riquezas por imitação aos seres vivos, para mentir a si próprios que desejam viver. Porém essa entrega obscena ao luxo saqueado não é prazer, e sim fuga. Eles não querem possuir a sua fortuna: querem que vocês a percam. Não querem ter sucesso, e sim que vocês fracassem. Não querem viver, e sim que vocês morram. Não desejam nada, só odeiam a existência e vivem correndo, tentando não descobrir que o ódio que sentem é inspirado pelas próprias pessoas.\n“Vocês, que jamais compreenderam a natureza do mal, que acham que eles são apenas ‘idealistas desencaminhados’ – que o Deus que vocês inventaram lhes perdoe! Eles são a essência do mal, eles, esses objetos antivida que buscam, devorando o mundo, preencher o zero altruístico de suas almas. Não é sua riqueza que eles querem. Eles fazem parte de uma conspiração contra a mente, ou seja, contra a vida e o homem.\n“É uma conspiração sem líder e sem direção, e os marginais aleatórios do momento que faturam sobre a agonia de uma região ou outra são a escuma que se forma sobre a torrente que irrompe da represa rachada do esgoto dos séculos, e do reservatório do ódio à razão, à lógica, à capacidade, à realização, ao prazer, armazenado por todo anti-humano lacrimejante que prega a superioridade do ‘coração’ sobre a mente.\n“É uma conspiração de todos aqueles que não querem viver, mas escapar impunes, de todos os que tentam falsear só um pedacinho da realidade e são atraídos, por sentimento, por todos os que estão falseando outros pedacinhos – uma conspiração que une, por meio da evasão, todos os que têm como valor o zero: o professor que, sendo incapaz de pensar, sente prazer em estropiar as mentes de seus alunos; o negociante que, para proteger sua estagnação, sente prazer em acorrentar a capacidade dos seus concorrentes; o neurótico que, para defender seu ódio de si próprio, sente prazer em humilhar homens cheios de amor-próprio; o incompetente que sente prazer em prejudicar as realizações; o medíocre que sente prazer em derrubar tudo o que é grande; o eunuco que se realiza castrando todo prazer – e todos os intelectuais que lhes dão munição, todos os que pregam que a imolação da virtude transforma vícios em virtudes. A morte é a premissa das teorias deles, a morte é o objetivo das ações deles na prática – e vocês são suas últimas vítimas.\n“Nós, que éramos os amortecedores colocados entre vocês e a natureza da sua doutrina, agora não estamos mais entre vocês para salvá-los dos efeitos dessa doutrina que optaram por seguir. Não estamos mais dispostos a pagar com nossas vidas as dívidas que contraíram nas suas vidas, nem o déficit moral acumulado por todas as gerações que vieram antes de vocês. Vocês viveram todo esse tempo endividados – e eu sou o homem que veio para cobrar a dívida.\n“Eu sou o homem cuja existência os seus silêncios lhes permitiam ignorar. Sou o homem que vocês não queriam que vivesse nem que morresse – não queriam que eu vivesse, porque tinham medo de saber que eu assumira a responsabilidade do que vocês haviam se esquivado e medo de constatar que suas vidas dependiam de mim; não queriam que eu morresse, porque sabiam isso.\n“Há 12 anos, no tempo em que eu trabalhava no seu mundo, eu era um inventor. Era membro de uma profissão que foi a última a surgir na história da humanidade e será a primeira a desaparecer no processo de volta ao infra-humano. O inventor é o homem que pergunta “por quê?” ao universo e não deixa que nada se interponha entre essa resposta e sua mente.\n“Como o homem que descobriu a utilização do vapor ou o que descobriu o uso do petróleo, descobri uma fonte de energia que sempre existiu, desde que o mundo é mundo, mas que os homens não sabiam como usar senão como objeto de culto e de terror, como matéria de lendas sobre deuses trovejantes.\nCompletei o modelo experimental de um motor que teria trazido uma fortuna a mim e àqueles que me empregavam, um motor que teria aumentado a eficiência de todos os equipamentos que usam energia e que teria acrescentado a bênção do aumento de produtividade a cada hora que vocês passam ganhando o seu sustento.\n“Então, certa noite, numa assembleia na fábrica, ouvi proferirem a minha sentença de morte, por ter realizado o que realizei. Ouvi três parasitas afirmarem que o meu cérebro e a minha vida eram de sua propriedade, que meu direito de viver era condicional e dependia de eu satisfazer os desejos deles. O objetivo da minha capacidade, disseram eles, era servir às necessidades daqueles que eram menos capazes que eu. Eu não tinha o direito de viver, disseram eles, por demonstrar competência para a vida; o direito que eles tinham à vida era incondicional, por serem incompetentes.\n“Então compreendi o que havia de errado com o mundo, o que destruía os homens e as nações e onde se devia lutar a batalha pela vida. Compreendi que o inimigo era uma moralidade invertida – e que seu único poder era a minha aprovação a ela. Vi que o mal era impotente – que ele era o irracional, o cego, o antirreal – e que a única arma que garantia seu triunfo era a disposição dos bons de servi-lo. Do mesmo modo que os parasitas ao meu redor estavam proclamando que dependiam totalmente da minha mente e julgavam que eu aceitaria voluntariamente uma servidão que não tinham poder de me impor, do mesmo modo que contavam com a minha autoimolação para ter meios de pôr em prática seu plano, também em todo o mundo, e no decorrer de toda a história da humanidade, em todas as versões e formas, das extorsões de parentes parasitas às atrocidades dos países coletivizados, são os bons, os capazes, os homens racionais que agem como seus próprios destruidores, que entregam o sangue de sua virtude e deixam que o mal lhes transmita o veneno da destruição, garantindo dessa maneira o poder da sobrevivência para o mal e a impotência da morte para seus valores. Vi que chega um ponto, na derrota de todo homem virtuoso, em que o mal necessita do consentimento desse homem para vencer – e que nenhum mal que os outros lhe possam fazer terá sucesso se ele lhes negar seu consentimento. Vi que eu podia dar fim aos absurdos cometidos por vocês, pronunciando mentalmente uma única palavra.\nPronunciei-a: ‘não’.\n“Larguei aquela fábrica. Abandonei o mundo de vocês e me dediquei à tarefa de alertar suas vítimas e lhes oferecer o método e a arma para os combater. O método era a recusa a se curvar diante da punição.\nA arma era a justiça.\n“Se querem saber o que perderam quando eu os abandonei e meus grevistas desertaram o seu mundo, coloquem-se num lugar deserto, jamais explorado pelo homem, e perguntem a si próprios de que modo e por quanto tempo seriam capazes de sobreviver caso se recusassem a pensar, sem ninguém para lhes dizer o que fazer. Ou então, se optassem por pensar, perguntem a si próprios quanto suas mentes seriam capazes de descobrir. Perguntem a quantas conclusões chegaram por seus próprios meios durante toda a vida e quanto tempo passaram repetindo ações aprendidas com os outros. Perguntem a si próprios se seriam capazes de descobrir como se cultiva a terra, como se faz uma plantação, se seriam capazes de inventar a roda, a manivela, a bobina, o gerador, a válvula eletrônica – então decidam se vão considerar os homens capazes exploradores que vivem do fruto do seu trabalho e roubam a riqueza que vocês produzem. Resolvam se ousam acreditar que têm o poder de escravizar esses homens. Que as suas mulheres contemplem uma mulher da selva, de rosto enrugado e seios flácidos, moendo farinha numa tigela, hora após hora, século após século – e que perguntem a si próprias se o seu ‘instinto de fazer ferramentas’ bastará para criarem geladeiras, máquinas de lavar e aspiradores de pó, e se, caso contrário, elas querem destruir aqueles que criaram tudo isso, e não o fizeram ‘por instinto’.\n“Olhem ao seu redor, seus selvagens que acham que as ideias são criadas pelos meios de produção, que uma máquina não é o produto do pensamento humano, e sim um poder místico que produz pensamento humano. Vocês jamais descobriram a era industrial. Atêm-se a uma moralidade de bárbaros, do tempo em que uma forma miserável de subsistência era obtida com o esforço muscular dos escravos. Todo místico sempre quer escravos, para se proteger da realidade material que teme. Mas vocês, seus selvagens grotescos, olham sem nada ver para os arranha-céus que os cercam, para as chaminés das fábricas, e sonham escravizar os cientistas, os inventores e os industriais que criam as coisas materiais. Quando vocês pedem a propriedade coletiva dos meios de produção, estão pedindo a propriedade coletiva da mente. Ensinei a meus grevistas que a única resposta que vocês merecem é: ‘Pois tentem!’\n“Vocês afirmam serem incapazes de explorar as forças da matéria inanimada, porém se propõem a explorar as mentes de homens capazes de realizar feitos dos quais vocês não são capazes. Afirmam que não podem sobreviver sem nós, porém se propõem a determinar as nossas condições de sobrevivência.\nAfirmam que precisam de nós, porém têm a impertinência de se arrogar o direito de mandar em nós pela força – e pensam que nós, que não temos medo da natureza física que os apavora, vamos ter medo de um idiota qualquer que convenceu vocês a votar nele para tentar mandar em nós.\n“Vocês se propõem a estabelecer uma ordem social baseada nos seguintes princípios: vocês são incompetentes para viver as próprias vidas, porém têm competência para mandar nas dos outros. São incapazes de viver em liberdade, mas têm capacidade para se tornarem governantes onipotentes. São incapazes de garantir o próprio sustento por meio de sua inteligência, mas têm capacidade suficiente para julgar políticos e elegê-los para cargos que lhes conferem poderes totais sobre atividades que vocês jamais viram, sobre ciências que jamais estudaram, sobre realizações das quais nunca ouviram falar, sobre indústrias gigantescas nas quais vocês, pela própria estimativa que fazem de sua capacidade, não conseguiriam trabalhar como assistentes de lubrificador.\n“Esse ídolo do seu culto ao zero, esse símbolo de impotência – o dependente congênito – é a imagem que vocês têm do homem. É o seu padrão de valor, a cuja imagem tentam refazer suas almas. ‘É humano!’, exclamam vocês em defesa de toda depravação, atingindo o estágio de autodegradação em que se tenta fazer com que ‘humano’ signifique fraqueza, estupidez, vadiagem, mentira, fracasso, covardia e fraude e se pretende exilar da espécie humana o herói, o pensador, o produtor, o inventor, o forte, o decidido, o puro – como se ‘sentir’ fosse humano, mas pensar não fosse; como se o fracasso, e não o êxito, fosse humano; como se a corrupção, não a virtude, fosse humana. Como se fosse própria do homem a premissa da morte, e não a premissa da vida.\n“Para nos privar primeiro da honra e depois de nossa riqueza, vocês sempre nos consideraram escravos que não merecem reconhecimento moral. Elogiam qualquer empreendimento que se pretenda não lucrativo e maldizem os homens que ganharam os lucros que tornaram viável o empreendimento.\nConsideram ‘de interesse público’ todo projeto que sirva àqueles que não pagam, pois não é do interesse público prestar serviços aos que pagam. ‘Benefício público’ é tudo aquilo dado como esmola; comerciar é prejudicar o público. ‘Bem-estar do público’ é o bem-estar daqueles que não o merecem; os que o merecem não precisam de bem-estar. Para vocês, “o público” é todo aquele que não conseguiu atingir nenhuma virtude, nenhum valor. Quem quer que os atinja, quem quer que forneça os produtos necessários à sobrevivência de vocês deixa de ser considerado parte do público, da espécie humana.\n“Qual foi o ato de silenciar que lhes permitiu ter esperanças de ser possível fugir às consequências desse lodo de contradições e planejá-lo como uma sociedade ideal, quando o ‘não’ das suas vítimas bastava para demolir toda a sua estrutura? O que permite a qualquer mendigo insolente exibir suas chagas aos que são melhores do que ele e lhes implorar ajuda em tom de ameaça? Vocês, como ele, exclamam que estão contando com a nossa piedade, mas sua esperança secreta é o código moral que lhes ensinou a contar com o nosso sentimento de culpa. Vocês pretendem fazer com que nos sintamos culpados de nossas virtudes na presença dos seus vícios, suas feridas e seus fracassos – culpados de ter sucesso, culpados de gozar a vida que vocês maldizem, embora nos implorem que os ajudemos a viver.\n“Vocês queriam saber quem é John Galt? Sou o primeiro homem capaz que se recusou a encarar a capacidade como motivo para sentimentos de culpa. Sou o primeiro a não fazer penitência por minhas virtudes, a não deixá-las serem usadas como instrumento para a minha destruição. O primeiro a não querer sofrer o martírio nas mãos daqueles que desejavam que eu morresse em nome do privilégio de mantê-los vivos. O primeiro a lhes dizer que não precisava deles e que até aprenderem a lidar comigo como comerciantes, trocando valor por valor, teriam de existir sem mim, como eu existiria sem eles. O primeiro a lhes dizer que os faria aprender de quem é a necessidade e de quem a capacidade – e, se o padrão é a sobrevivência do homem, quem seria capaz de garanti-la.\n“Fiz, deliberada e intencionalmente, aquilo que historicamente sempre foi feito por omissão silenciosa. Sempre houve homens inteligentes que entraram em greve, em protesto e em desespero, sem, porém, conhecer o significado do próprio ato. O homem que abandona a vida pública para pensar, sem, no entanto, compartilhar seus pensamentos; o homem que resolve passar a vida na obscuridade, fazendo trabalho braçal, guardando para si próprio o fogo de sua inteligência, sem jamais lhe dar forma, expressão nem realidade, recusando-se a usá-la num mundo que ele despreza; o homem que é derrotado pela repulsa, que renuncia antes de começar, que prefere desistir a ceder, que só dá uma parcela mínima de sua capacidade, desarmado pela ânsia por um ideal jamais encontrado – tais homens estão em greve contra a irracionalidade, em greve contra o seu mundo e os seus valores. Mas, ao não encontrar os próprios valores, abandonam a busca do conhecimento – nas trevas de seu desespero indignado, que é justificado sem que conheçam a justificativa, apaixonado sem que tenham desejo –, concedem a vocês o poder da realidade, abrem mão dos incentivos de suas mentes e morrem na amargura e na inutilidade, rebeldes que jamais conheceram o objeto de sua rebelião, amantes que jamais descobriram seu amor.\n“A época infame que vocês chamam de Idade das Trevas foi um período de greve da inteligência, em que os homens capazes optaram pela clandestinidade e viveram em segredo, estudando escondidos, e morreram, destruindo as obras de suas mentes, quando apenas um pequeno punhado dos mais bravos mártires permaneceu para manter viva a espécie humana. Todos os períodos dominados por místicos foram eras de estagnação e miséria, em que a maioria dos homens estavam em greve contra a existência, trabalhando para ganhar menos do que o mínimo necessário à subsistência, sem deixar nada senão migalhas para ser saqueado pelos poderosos, recusando-se a pensar, a se aventurar, a produzir, pois quem se apropriava de seus lucros e constituía a mais alta autoridade para decidir o que era certo ou errado era o capricho de algum degenerado fantasiado investido da dignidade de superior à razão por direito divino e pelo poder de um porrete. A estrada da história do homem é uma sequência de silêncios e imensidões estéreis erodidas pela fé e pela força, com apenas uns poucos momentos de luz do sol, em que a energia libertada dos homens dotados de mentes realizou maravilhas que fizeram vocês se deslumbrarem, admirarem e imediatamente destruírem.\n“Mas isso não acontecerá desta vez. O tempo dos místicos acabou. Vocês vão ser destruídos por seu próprio irrealismo. Nós, os racionais, sobreviveremos.\nEu liderei a greve dos mártires que jamais haviam abandonado vocês antes. Dei a eles a arma que lhes faltava: o conhecimento do próprio valor moral. Ensinei-lhes que o mundo é nosso, quando o quisermos, em virtude do fato de que a nossa moralidade é a moralidade da vida. Eles, as grandes vítimas que produziram todas as maravilhas do breve florescimento da humanidade, eles, os industriais, os conquistadores da matéria, não haviam descoberto a natureza do seu direito. Já sabiam que lhes cabia o poder, mas eu lhes ensinei que também lhes cabia a glória.\n“Vocês, que ousam nos considerar moralmente inferiores a qualquer místico que afirme ter visões sobrenaturais; vocês, que brigam como abutres por migalhas saqueadas, porém dão mais valor a uma cartomante do que a um empresário; vocês, que zombam do negociante por considerá-lo ignóbil, porém exaltam o artista pretensioso – a base dos seus padrões é aquele miasma místico que emana dos pântanos primevos, aquele culto à morte que tacha de imoral o comerciante por ser ele quem os mantém vivos.\nVocês, que afirmam que querem transcender as preocupações mesquinhas do corpo, o trabalho mesquinho de atender apenas às necessidades físicas, me digam quem é escravizado pelas necessidades físicas: o hindu que trabalha de sol a sol puxando um arado para ganhar uma tigela de arroz ou o americano que dirige um trator? Quem é o conquistador da realidade física: o homem que dorme numa cama de pregos ou o que dorme num colchão de molas? Qual é o monumento ao triunfo do espírito humano sobre a matéria: os barracos imundos à margem do Ganges ou os arranha-céus de Nova York?\n“Se vocês não aprenderem a responder a essas perguntas e a encarar com reverência as realizações da mente humana, não permanecerão por muito mais tempo neste mundo, que amamos e não permitiremos que vocês o amaldiçoem. Não vão escapar de fininho, como tantos já fizeram. Eu abreviei o curso normal da história e os fiz descobrir a natureza do pagamento que queriam que fosse passado adiante para outrem. Agora vocês terão de gastar suas últimas forças vitais para dar o imerecido aos adoradores e servidores da morte. Não façam de conta que uma realidade malévola os derrotou – vocês foram derrotados pelas próprias evasivas. Não façam de conta que vão morrer por um nobre ideal – vocês vão morrer para servir de pasto aos que odeiam a humanidade.\n“Mas para aqueles, dentre vocês, que ainda guardam algum vestígio de dignidade e de vontade de viver a própria vida, ofereço a oportunidade de fazer uma opção. Pensem se vocês querem morrer por uma moralidade que jamais praticaram, em que jamais acreditaram. Parem à beira da autodestruição e examinem seus valores e sua vida. Antes vocês sabiam fazer um inventário dos seus bens. Agora façam um inventário de suas mentes.\n“Desde pequenos, vocês vêm ocultando um segredo culposo: no fundo, nunca quiseram seguir essa moralidade, buscar a autoimolação. Sempre temeram e odiaram esse código, mas nem ousam dizê-lo a si próprios; vocês não têm esses ‘instintos’ morais que os outros afirmam sentir em si próprios. Quanto menos vocês os sentiam, mais alto proclamavam o seu amor altruístico pelos outros, seu desejo de servi-los, com medo de que descobrissem seu eu verdadeiro, o eu que vocês traíram, que sempre mantiveram escondido, como um esqueleto no porão de seu corpo. E eles, que, ao mesmo tempo, eram tapeados por vocês e os tapeavam, eles os escutavam e aprovavam com veemência suas palavras, com medo de que vocês descobrissem que eles escondiam o mesmo segredo. A vida entre vocês é um gigantesco fingimento, uma farsa que um representa para o outro, cada um se achando o único diferente, o único culpado, cada um atribuindo a autoridade moral ao incognoscível que só os outros conhecem, cada um falseando a realidade que acha que os outros querem que ele falseie, nenhum com a coragem de quebrar o círculo vicioso.\n“Qualquer que seja a solução sórdida que vocês tenham adotado para conviver com esse código inviável, qualquer que seja o equilíbrio miserável que tenham atingido, misto de cinismo e superstição, vocês ainda preservam a raiz, a premissa letal: a ideia de que o que é moralmente correto é incompatível com o que é prático. Desde pequenos, vocês fogem do terror de uma escolha que jamais ousaram identificar explicitamente: de um lado, o que é prático – tudo aquilo que vocês precisam fazer para existir, tudo o que dá certo, que realiza os seus objetivos, que lhes proporciona alimento ou prazer, que lhes traz lucro, é mau –; de outro, o que é bom e moralmente correto, mas não é prático – tudo o que dá errado, destrói, frustra, tudo o que faz mal a vocês e lhes proporciona prejuízos ou dor. Na verdade, a escolha é esta: ser moralmente direito ou viver.\n“O único resultado dessa doutrina assassina foi separar a moralidade da vida. Vocês foram criados com a ideia de que as leis morais não têm relação com a tarefa de viver, senão como obstáculos e ameaças; que a existência humana é uma selva amoral em que vale tudo e qualquer coisa funciona. E, nessa névoa de definições cambiantes que envolve uma mente congelada, vocês esquecem que os males amaldiçoados pela sua crença eram as virtudes necessárias à vida e chegam a acreditar que os males são os meios práticos da existência. Esquecendo que o ‘bem’ não prático era o auto sacrifício, vocês acreditam que o amor-próprio não é prático; esquecendo que o ‘mal’ prático era a produção, acreditam que o roubo é prático.\n“Balançando-se como um galho ao sabor dos ventos numa selva amoral, vocês não ousam ser inteiramente maus nem viver completamente. Quando são honestos, sentem-se otários; quando são desonestos, sentem terror e vergonha. Quando são felizes, sua felicidade é diluída pela culpa; quando sofrem, a dor é aumentada pela sensação de que seu estado natural é a dor. Vocês sentem piedade dos homens que lhes inspiram admiração, pois acreditam que eles estão fadados a fracassar; invejam os que lhes inspiram ódio, pois acreditam que eles é que sabem viver. Sentem-se desarmados quando se veem frente a frente com um canalha: vocês acham que o mal está fadado a ganhar, visto que a moralidade é impotente, não é prática.\n“Para vocês, a moralidade é um espantalho constituído de dever, tédio, castigo e dor, um cruzamento da primeira professora que vocês tiveram na escola fundamental com o coletor de impostos de agora, um espantalho colocado num campo estéril, sacudindo uma vara para afastar os seus prazeres – porque isso, para vocês, quer dizer um cérebro empapado de álcool, uma prostituta animalesca, o estupor de um imbecil que aposta dinheiro numa corrida de animais, pois o prazer não pode ser algo moralmente correto.\n“Se vocês identificarem suas verdadeiras crenças, encontrarão uma tripla maldição – de si próprios, da vida e da virtude – na conclusão grotesca a que chegaram: vocês acreditam que a moralidade é um mal necessário.\n“Vocês não entendem por que vivem sem dignidade, amam sem paixão e morrem sem resistência?\nNão entendem por que, de todos os lados, só se ouvem perguntas sem respostas, por que a sua vida é dilacerada por conflitos insolúveis, por que vocês vivem tendo que fazer escolhas artificiais, como optar pela alma ou pelo corpo, pela mente ou pelo coração, pela segurança ou pela liberdade, pelo lucro privado ou pelo bem público?\n“Vocês se queixam de não encontrar respostas? Como pretendiam encontrá-las? Vocês rejeitam seu instrumento de percepção – sua mente – e depois reclamam que o universo é um mistério. Jogam fora a chave, depois choram porque todas as portas estão trancadas para vocês. Partem em busca do irracional, depois maldizem a existência por não fazer sentido.\n“A escolha de que vocês estão tentando se esquivar há duas horas – enquanto ouvem minhas palavras e tentam não ouvi-las – é a fórmula do covarde expressa na frase: “Mas não é preciso partir para soluções extremas!” A solução extrema que vocês vivem tentando evitar é a aceitação do fato de que a realidade é absoluta, de que A é A e a verdade é verdadeira. Um código moral impossível de praticar, que exige a imperfeição e a morte, lhes ensinou a dissolver todas as ideias numa neblina, a não permitir definições firmes, a considerar todos os conceitos aproximações e todas as regras de conduta elásticas, a achar exceções a todos os princípios, a transigir em todos os valores, a ficar sempre no meio. Ao obrigá-los, por meio de extorsão, a aceitar absolutos sobrenaturais, esse código os forçou a rejeitar o absoluto da natureza. Tornando impossíveis os julgamentos morais, tornou vocês incapazes de emitir um julgamento racional. Um código que os proíbe de atirar a primeira pedra os proíbe de admitir a identidade das pedras e de saber quando se está sendo apedrejado.\n“O homem que se recusa a julgar, que nem concorda nem discorda, que afirma não haver absolutos e acredita desse modo se esquivar das responsabilidades – esse homem é responsável por todo o sangue que está sendo derramado agora no mundo. A realidade é absoluta, a existência é absoluta, um grão de poeira é absoluto e uma vida humana também é absoluta. Viver ou morrer é algo absoluto. Ter um pedaço de pão ou não tê-lo, isso também é algo absoluto. Poder comer o pão ou vê-lo ser devorado por um saqueador, isso também é algo absoluto.\n“Há dois lados em toda questão: um está certo e o outro, errado, mas o meio é sempre mau. O homem que está errado ainda guarda algum respeito pela verdade, mesmo que apenas por assumir a responsabilidade da escolha. Mas o homem do meio é o calhorda que silencia a verdade para fingir que não há escolha nem valores, que está disposto a escapulir de todas as batalhas, a lucrar com o sangue dos inocentes ou a rastejar perante os culpados, que faz justiça condenando à prisão tanto o ladrão quanto a vítima, que resolve os conflitos obrigando o sábio e o insensato a encontrarem uma solução intermediária que agrade a ambos. Qualquer transigência entre a comida e o veneno só pode representar uma vitória para a morte. Qualquer transigência entre o bem e o mal só pode ser favorável ao mal. É como na transfusão de sangue que tira do bem para abastecer o mal: aquele que transige faz o papel de tubo de transfusão.\n“Vocês que são meio racionais, meio covardes vivem passando o conto do vigário na realidade, mas a vítima da sua vigarice são vocês mesmos. Quando os homens reduzem sua virtude a valores aproximados, então o mal ganha a força de absoluto, quando a lealdade a um objetivo inarredável é abandonada pelos virtuosos, ela é assumida pelos canalhas – e o que se vê é o espetáculo indecente de um bem aviltado, transigente, traiçoeiro, e um mal intransigente e farisaico. Assim como vocês se renderam aos místicos dos músculos quando eles lhes disseram que a ignorância consiste em afirmar que se sabe, agora vocês também se rendem quando eles gritam que a imoralidade consiste em emitir juízos morais. Quando berram que é egoísmo ter certeza de que se tem razão, vocês se apressam a lhes dizer que não têm certeza de nada. Quando eles gritam que é imoral se apegar às suas convicções, vocês lhes dizem que não têm convicção nenhuma. Quando os valentões das repúblicas populares europeias rosnam acusações de intolerância dirigidas a vocês, porque vocês não acham que o seu desejo de viver e a vontade deles de os matar não passam de uma diferença de opinião – vocês se acovardam e se apressam a explicar que não são intolerantes para com nenhum horror. Quando algum vagabundo descalço em alguma pocilga na Ásia grita ‘Como ousam ser ricos?’, vocês pedem desculpas e lhe pedem paciência, prometendo-lhe que vão dar tudo o que têm.\n“Vocês chegaram ao beco sem saída da traição que cometeram quando aceitaram que não tinham o direito de viver. Primeiro vocês acreditavam que era apenas uma questão de ‘não ser intransigente’: aceitavam que era imoral viver para si próprios, porém era correto viver para seus filhos. Depois aceitaram que era egoísmo viver para seus filhos, porém era certo viver para a sua comunidade. Depois aceitaram que era egoísmo viver para a sua comunidade, mas era certo viver para a pátria. Agora vocês deixam este país, o maior de todos, ser devorado pela ralé dos quatro cantos do mundo, aceitando que é egoísmo viver para a pátria, e que o dever moral de cada um é viver para todo o mundo. O homem que não tem direito de viver não tem o direito de ter valores e jamais poderá se ater a eles.\n“No fim dessa estrada de traições sucessivas, desprovidos de armas, de certezas, de honra, vocês cometem a traição final e assinam seu atestado de falência intelectual: enquanto os místicos dos músculos das repúblicas populares afirmam serem os defensores da razão e da ciência, vocês aceitam proclamar que a fé é o seu princípio fundamental; que a razão está do lado daqueles que os destroem, mas que o seu lado é o da fé. Para o que ainda resta de honestidade racional das mentes confusas e torturadas dos seus filhos, vocês declaram que não podem oferecer argumentos racionais para defender as ideias que criaram este país, que não há justificativa racional para a liberdade, a propriedade, a justiça, os direitos, que tais coisas se baseiam numa intuição mística e só podem ser aceitas por uma questão de fé, que a razão e a lógica estão do lado do inimigo, porém a fé é superior à razão. Vocês afirmam a seus filhos que é racional saquear, torturar, escravizar, expropriar, assassinar, mas que eles devem resistir às tentações da lógica e se apegar à disciplina do irracionalismo redentor – que os arranha-céus, as fábricas, os rádios, os aviões foram gerados pela fé e pela intuição mística, enquanto a fome, os campos de concentração e os pelotões de fuzilamento foram gerados por uma forma racional de existência –, e declaram que a Revolução Industrial foi uma revolta de homens cheios de fé contra a época de razão e lógica denominada Idade Média. Ao mesmo tempo, vocês afirmam às mesmas crianças que os saqueadores que mandam nas repúblicas populares vão ultrapassar este país em produção material, visto que eles são os representantes da ciência, porém é mau dar valor à riqueza material, então declaram que se deve renunciar à prosperidade. Vocês afirmam que os ideais dos saqueadores são nobres, só que eles não os levam a sério, mas vocês sim; que seu objetivo ao combater os saqueadores é apenas realizar os objetivos deles, que eles não poderão concretizar, mas vocês sim; e que a maneira de combatê-los é dar a eles a sua riqueza. Depois vocês não entendem por que seus filhos se tornam valentões do povo ou delinquentes enlouquecidos, nem por que as conquistas dos saqueadores estão cada vez chegando mais perto das suas portas, e concluem que a culpa é da estupidez humana, afirmando que as massas são imunes à razão.\n“Vocês silenciam o espetáculo público e descarado da luta dos saqueadores contra a mente, e o fato de que os horrores mais sanguinolentos por eles cometidos visam punir o crime de pensar. Silenciam o fato de que a maioria dos místicos dos músculos começaram como místicos do espírito, que vivem trocando de posição, que os homens que vocês chamam de materialistas e espiritualistas não passam das duas metades do mesmo ser humano dissecado, sempre buscando se completar, mas passando, ao fazê-lo, da destruição da carne para a da alma e vice-versa – que eles vivem correndo das suas universidades para as colônias de escravos da Europa e para a lama mística da Índia, buscando qualquer refúgio contra a realidade, qualquer forma de fugir da mente.\n“Silenciam essas coisas e se atêm à sua hipocrisia da ‘fé’ a fim de silenciar a consciência do fato de que os saqueadores utilizam o código moral de vocês para lhes tirar vantagens; de que os saqueadores são os verdadeiros praticantes da moralidade que vocês só seguem até certo ponto; de que eles a praticam da única maneira que ela pode ser praticada: transformando a Terra em altar de sacrifício; de que a sua moralidade os proíbe de combatê-los do único modo que eles podem ser combatidos: recusando-se a se oferecer ao sacrifício como animais e afirmando com orgulho seu direito de existir; de que, para combatê-los até o fim, e com absoluta retidão, é a moralidade deles que vocês têm que rejeitar.\n“Vocês silenciam esse fato, porque o seu amor-próprio está preso àquele ‘altruísmo’ místico que jamais tiveram nem praticaram, porém passaram tantos anos fingindo possuir, pois a ideia de denunciá-lo os aterroriza. Nenhum valor é mais elevado do que o amor-próprio, porém vocês o investiram em ações falsificadas – e agora a sua moralidade os jogou numa armadilha em que são obrigados a proteger seu amor-próprio lutando pela doutrina da autodestruição. A ironia macabra é que essa necessidade de amor-próprio, que vocês não conseguem explicar nem definir, pertence à minha moralidade, não à sua – é a marca objetiva do meu código, minha prova dentro da sua alma.\n“Graças a um sentimento que ele não aprendeu a identificar, porém retém desde que tomou consciência da própria existência, desde que descobriu que é obrigado a fazer escolhas, o homem sabe que sua necessidade desesperada de amor-próprio é uma questão de vida ou morte. Como ser dotado de consciência com poder de escolha, ele sabe que precisa conhecer o próprio valor a fim de manter sua vida. Sabe que tem de estar certo – estar errado numa ação implica uma ameaça à sua vida; estar errado como pessoa, ser mau, significa ser desqualificado para a existência.\n“Todo ato na vida do homem depende da vontade; o próprio ato de obter alimento ou comê-lo implica que a pessoa que ele preserva merece ser preservada; todo prazer que ele tenta gozar implica que a pessoa que o procura merece prazer. Ele não tem escolha quanto à sua necessidade de amor-próprio; sua única possibilidade de escolha diz respeito ao padrão com base no qual ele o medirá. E ele comete seu erro fatal quando faz com que esse padrão que protege a sua vida passe a servir à sua destruição, quando escolhe um padrão que contradiz a existência e joga seu amor-próprio contra a realidade.\n“Toda forma de dúvida infundada de si mesmo, todo sentimento de inferioridade, de autodesvalorização secreta, é, na verdade, o medo oculto de ser incapaz de arcar com a existência.\nPorém, quanto maior o terror, mais o homem se agarra com unhas e dentes às doutrinas assassinas que o sufocam. Nenhum indivíduo pode sobreviver ao momento em que se declara irremediavelmente mau; se sobrevive, seu instante seguinte é a loucura ou o suicídio. Para fugir disso – se ele escolheu um padrão irracional –, ele irá fingir, escapar, silenciar. Vai privar a si próprio da realidade, da existência, da felicidade, da mente, e terminará privando-se do amor-próprio, lutando para preservar essa ilusão, para não correr o risco de descobrir sua ausência. Ter medo de encarar uma questão implica a aceitação de que a realidade é a pior possível.\n“Não é nenhum dos crimes que vocês já tenham cometido que lhes infunde à alma essa sensação de culpa permanente, não é nenhum fracasso, erro ou falha sua, e sim o silêncio por meio do qual vocês tentam se evadir deles. Não é nenhum pecado original nem deficiência pré-natal desconhecida, e sim a consciência e o fato de sua omissão básica, o ato de anular a própria mente, de se recusar a pensar. O medo e a culpa são as suas emoções crônicas, são reais e vocês as merecem, mas eles não provêm das razões superficiais que vocês inventam para disfarçar a causa delas; não vêm do seu ‘egoísmo’, da sua fraqueza nem da sua ignorância, e sim de uma ameaça concreta e básica à sua existência: o medo decorre do fato de que vocês abandonaram a arma que possibilita a sobrevivência; a culpa, da consciência de que vocês o fizeram voluntariamente.\n“O eu que vocês traíram é a sua mente; amor-próprio é confiar na capacidade própria de pensar. O eu que buscam, aquele eu essencial que não podem exprimir nem definir, não consiste nas suas emoções nem nos seus sonhos desconexos, e sim no seu intelecto, aquele juiz do seu supremo tribunal, o qual vocês destituíram para poder ser desviados do seu caminho, à mercê de todo vigarista que chamam de ‘sentimento’. Depois se arrastam pela escuridão que vocês próprios criaram, numa busca desesperada por um fogo sem nome, impelidos por uma pálida visão de uma madrugada vista e perdida.\n“Observem a persistência, nas mitologias, da lenda de um paraíso que os homens possuíram certa vez, a cidade de Atlântida ou o Jardim do Éden ou algum reino de perfeição, sempre no passado. A raiz dessa lenda se encontra não no passado da espécie, mas no de cada homem. Vocês ainda guardam uma vaga ideia – não nítida como uma lembrança, e sim difusa, como a dor de uma saudade sem esperanças – de que em algum momento da sua primeira infância, antes de aprenderem a se submeter, a absorver o terror do irracional e questionar o valor da sua mente, conheceram um estado radiante de existência, a independência de uma consciência racional encarando um universo aberto. Esse é o paraíso que vocês perderam e que buscam – e que pode ser seu quando quiserem.\n“Alguns de vocês jamais virão a saber quem é John Galt. Mas aqueles que experimentaram ao menos um momento de amor à vida e de orgulho de ser amante da vida, ao menos um instante em que encararam a Terra e a abençoaram com o olhar, esses conheceram o estado de ser homem – e eu sou o único homem que sabia que esse estado não pode ser traído. Sou o homem que sabia o que o tornava possível e que resolveu coerentemente praticar e ser aquilo que vocês praticaram e foram naquele momento único.\n“Vocês são livres para fazer essa escolha. Para optar por se dedicar ao mais elevado potencial de si próprios, é preciso aceitar o fato de que o ato mais nobre que jamais se realizou foi o ato mental de compreender que 2 mais 2 são 4.\n“Sejam quem forem – vocês que estão sozinhos com as minhas palavras neste momento, só vocês e sua honestidade para ajudá-los a entender –, ainda há tempo de optar por ser homem, mas o preço é começar do início, colocar-se nu diante da realidade e, corrigindo um erro histórico que custou muito caro, declarar: ‘Existo, portanto vou pensar.’\n“Aceitem o fato irrevogável de que a sua vida depende da sua mente. Admitam que toda a sua luta, suas dúvidas, suas falsificações, suas evasivas nada mais eram do que uma tentativa de fugir da responsabilidade de uma consciência com poder de escolha – uma busca do conhecimento automático, da ação instintiva, da certeza intuitiva –, e, embora dissessem que ansiavam pelo estado dos anjos, o que vocês buscavam era o estado dos animais. Aceitem, como seu ideal moral, a tarefa de se tornar homens.\n“Não digam que têm medo de confiar na sua mente porque sabem muito pouco. Vocês acham mais seguro se entregar aos místicos e jogar fora o pouco que sabem? Vivam e ajam dentro dos limites do seu conhecimento e os ampliem até o fim da vida. Redimam a mente da casa de penhores da autoridade.\nAceitem o fato de que vocês não são oniscientes, mas saibam que bancar o zumbi não vai torná-los oniscientes; aceitem o fato de que a sua mente é falível, mas admitam que se livrar dela não vai torná-los infalíveis; aceitem o fato de que um erro que cometeram por iniciativa própria é mais seguro do que 10 verdades aceitas por fé, porque a sua iniciativa lhes dá os meios de corrigi-lo, ao passo que a mera aceitação destrói a sua capacidade de distinguir a verdade do erro. Substituam o seu sonho de autômatos oniscientes, aceitem o fato de que todo conhecimento que o homem adquire é fruto da própria vontade e do próprio esforço, e que isso é o que o distingue no Universo, essa é a sua natureza, sua moralidade, sua glória.\n“Joguem fora essa justificativa ilimitada para o mal que consiste em afirmar que o homem é imperfeito. Com base em que padrões vocês o amaldiçoam quando dizem isso? Aceitem o fato de que, no campo da moralidade, qualquer coisa que não seja a perfeição não serve. Porém a perfeição não se mede por mandamentos místicos que ordenam que se faça o impossível, e a estatura moral do homem não deve ser medida por questões que não dependem da sua escolha. O homem tem uma única alternativa básica: pensar ou não, e é essa a medida da sua virtude. A perfeição moral é a racionalidade absoluta, não o seu grau de inteligência, porém a utilização integral e implacável da sua mente; não a extensão dos seus conhecimentos, e sim a aceitação da razão como um absoluto.\n“Aprendam a reconhecer a diferença entre os erros de conhecimento e os deslizes morais. Um erro de conhecimento não é um deslize moral, desde que vocês estejam dispostos a corrigi-lo; apenas um místico julgaria os seres humanos tomando como padrão uma onisciência impossível e automática. Porém um deslize moral é a escolha consciente de um ato que vocês sabem ser mau, ou o evadir-se conscientemente do conhecimento, o fechar de olhos ou da mente. Aquilo que não sabem não pode representar uma acusação moral contra vocês; mas o que vocês se recusam a saber é marca da infâmia que cresce na sua alma. Tenham toda a tolerância possível com os erros de conhecimento, não perdoem nem aceitem nenhum deslize moral. Até prova em contrário, absolvam os que buscam o saber, porém tratem como assassinos em potencial aqueles depravados insolentes que exigem coisas de vocês, anunciando que não têm razões nem buscam razão nenhuma, que se baseiam apenas nos ‘sentimentos’ – e aqueles que rejeitam uma argumentação irrefutável dizendo: ‘Isso é só lógica’, o que quer dizer: ‘Isso é só a realidade.’ O único plano que se opõe ao da realidade é o plano e a premissa da morte.\n“Aceitem o fato de que a concretização da sua felicidade é o único objetivo moral da sua vida, e que a felicidade – não a dor nem a estupidez autocomplacente – é a prova da sua integridade moral, visto que é a prova e o resultado da sua lealdade à realização dos seus valores. A felicidade era a responsabilidade que vocês temiam, e ela exigia aquela espécie de disciplina racional que não se valorizavam o bastante para assumir – e a esterilidade ansiosa da sua vida é o monumento à sua insistência em se evadir da consciência de que não há substituto moral para a felicidade, não há covarde mais desprezível do que o homem que abandonou a batalha pela sua própria felicidade, temendo afirmar seu direito à existência, faltando-lhe a coragem e a lealdade à vida que têm uma ave ou uma planta que procura o sol. Joguem fora os trapos que protegem o vício a que vocês chamam virtude: a humildade. Aprendam a valorizar-se a si próprios, ou seja, a lutar pela sua felicidade. E, quando tiverem aprendido que o orgulho é a soma de todas as virtudes, vocês aprenderão a viver como homens.\n“Um passo básico na aprendizagem do amor-próprio é encarar como sinal de canibalismo toda exigência de ajuda. O homem que exige ajuda de vocês está afirmando que a sua vida é propriedade dele – e, por mais repugnante que isso seja, há algo ainda mais repugnante: concordar e aceitar. Perguntam vocês: ‘É bom ajudar outro homem?’ Não, se ele afirma que se trata de um direito dele ou de um dever moral seu; sim, se isso é o que vocês desejam, com base no prazer egoísta que lhes proporciona o valor da pessoa e da luta do outro. O sofrimento como tal não é valor; só a luta do homem contra o sofrimento é.\nSe optarem por ajudar um homem que sofre, façam-no apenas com base nas virtudes dele, na sua luta para se salvar, na sua racionalidade, ou no fato de que seu sofrimento é imerecido. Nesse caso, seu ato continua sendo uma forma de comércio, e a virtude dele é o pagamento da sua ajuda. Mas ajudar um homem desprovido de virtudes, ajudá-lo apenas porque ele está sofrendo, aceitar seus defeitos, sua necessidade, como algo que imputa a vocês uma obrigação, é aceitar que um zero hipoteque os seus valores. Um homem desprovido de virtudes odeia a existência e age com base na premissa da morte.\nAjudá-lo é sancionar seu mal e manter sua carreira de destruição. Seja um centavo que não vai lhes fazer falta ou um sorriso simpático a que ele não fez jus, dar tributo a um zero é trair a vida e todos aqueles que tentam lutar por ela. Foram centavos e sorrisos assim que fizeram a desolação do seu mundo.\n“Não digam que a minha moralidade é dura demais para vocês praticarem e que a temem como o desconhecido. Todos os momentos de vida que vocês já experimentaram foram vividos segundo os valores do meu código. Porém vocês o sufocaram, negaram, traíram. Insistiram em sacrificar as suas virtudes em benefício dos seus vícios, e o melhor dos homens em benefício do pior. Olhem ao seu redor: tudo o que vocês fizeram à sociedade fizeram a suas almas antes; uma coisa é imagem da outra. Esse amontoado de destroços que é o seu mundo agora é a forma física da traição que cometeram contra os seus valores, os seus amigos, os seus defensores, o seu futuro, o seu país, contra vocês próprios.\n“Nós – a quem vocês chamam, mas que não vamos mais atender – vivíamos entre vocês, porém não nos reconheciam, se recusavam a pensar e a nos ver tais como éramos. Não reconheceram o motor que inventei – e ele se tornou, no seu mundo, um pedaço de ferro-velho. Não reconheceram o herói na sua alma – e não me reconheceram quando passei por vocês na rua. Quando gritaram em desespero, chamando o espírito inalcançável que sabiam ter abandonado o seu mundo, vocês lhe deram o meu nome, mas o que estavam chamando era o seu amor-próprio traído. Vocês não poderão recuperar um sem o outro.\n“Quando vocês não reconheceram a mente do homem e tentaram governar seres humanos pela força, aqueles que se submeteram não tinham mentes de que abrir mão e os que as tinham eram homens que não se submetem. Assim, o homem de gênio produtivo assumiu no seu mundo o papel de playboy e se tornou um destruidor de riquezas, optando por destruir sua fortuna para não entregá-la a homens armados. Assim, o pensador, o homem da razão, assumiu no seu mundo o papel de pirata, para defender seus valores pela força contra a sua força, para não se submeter ao domínio da brutalidade.\nEstão me ouvindo, Francisco d’Anconia e Ragnar Danneskjöld, meus primeiros amigos, companheiros de luta e de exílio, em nome de quem e em homenagem a quem estou falando agora?\n“Fomos nós três que demos início àquilo que estou agora completando. Fomos nós três que resolvemos vingar este país e libertar sua alma aprisionada. Este país, o maior de todos, foi construído com base na minha moralidade – a inviolável supremacia do direito do homem à existência –, porém vocês temiam admitir esse fato e ser homens à altura dos que construíram este país. Vocês olhavam, sem entender, para uma realização sem par na história do mundo e saquearam seus efeitos e silenciaram sua causa. Na presença desses monumentos à moralidade humana que são as fábricas, as estradas e as pontes, vocês insistiam em tachar este país de imoral e o progresso que o caracteriza de ‘ganância material’. Insistiam em pedir desculpas pela grandeza deste país ao ídolo da fome primeva, o decadente ídolo europeu de um vagabundo leproso e místico.\n“Este país – produto da razão – não poderia sobreviver com base na moralidade do sacrifício. Ele não foi construído por homens que buscavam a autoimolação ou pediam esmolas. Não podia se sustentar com base na separação mística que divorciou a alma do homem de seu corpo. Não podia viver alimentado pela doutrina mística que tachava de mau este mundo e de depravados todos os que nele alcançavam o sucesso. Desde o início, este país representou uma ameaça à antiga dominação dos místicos. Na brilhante e efêmera explosão de sua juventude, este país exibiu a um mundo incrédulo a grandeza da qual o homem era capaz, a felicidade que era possível na Terra. Era uma coisa ou outra: ou os Estados Unidos ou os místicos. Os místicos sabiam disso; vocês não. Vocês deixaram que eles os infectassem com o culto à necessidade – e este país se tornou um gigante no corpo com um anão parasita no lugar da alma, enquanto sua alma viva foi obrigada a viver na clandestinidade, para trabalhar e alimentar vocês em silêncio, sem nome, sem honras; sua alma e seu herói: o industrial. Você está me ouvindo agora, Hank Rearden, a maior das vítimas que vinguei?\n“Nem ele nem nenhum de nós voltaremos enquanto não estiver livre o caminho da reconstrução deste país, enquanto as ruínas da moralidade do sacrifício não tiverem sido retiradas da nossa frente. O sistema político de um país se baseia no seu código de moralidade. Vamos reconstruir o sistema americano com base na premissa moral que foi sua raiz, mas que vocês encaravam como se fosse um passado escuso, na sua tentativa desesperada de escapar do conflito entre essa premissa e a sua moralidade mística: a premissa de que o homem é um fim em si, não o meio para os fins dos outros; de que a vida do homem, sua liberdade, sua felicidade são dele por um direito inalienável.\n“Vocês que perderam a noção de direito, que oscilam numa hesitação impotente entre a ideia de que os direitos são uma dádiva divina, uma dádiva sobrenatural a ser aceita pela fé, e a ideia de que os direitos são uma dádiva da sociedade, a ser desrespeitada ao bel-prazer arbitrário da sociedade – a fonte dos direitos do homem não é a lei divina nem as leis das assembleias legislativas, e sim a lei da identidade. A é A – e o homem é o homem. Os direitos são condições da existência exigidos pela natureza humana para a sua sobrevivência. Para que o homem possa viver na Terra, é direito que ele use a sua mente, é direito que aja com base em seu livre-arbítrio, é direito que trabalhe por seus valores e guarde o produto do seu trabalho. Se a vida na Terra é seu objetivo, ele tem o direito de viver como um ser racional: a natureza lhe proíbe o irracional. Qualquer grupo, qualquer gangue, qualquer nação que tente negar os direitos do homem está errada, ou seja, é má, é antivida.\n“Direitos são um conceito moral – e a moral é uma questão de escolha. Os homens têm a liberdade de não optar pela sobrevivência do homem como padrão de sua moralidade e de suas leis, mas não a de se esquivar do fato de que a alternativa é uma sociedade de canibais, que existe por algum tempo devorando o que tem de melhor e depois cai como um corpo canceroso, quando os saudáveis já foram comidos pelos doentes, quando os racionais já foram consumidos pelos doentes, quando os racionais já foram consumidos pelos irracionais. Esse sempre foi o destino histórico das sociedades, mas vocês se esquivaram do conhecimento da causa. Estou aqui para enunciá-lo: o agente de retribuição foi a lei da identidade, da qual vocês não podem se esquivar. Assim como o homem não pode viver por meio do irracional, também não o podem dois homens, nem 2 mil, nem 2 bilhões. Do mesmo modo que um homem não pode vencer desafiando a realidade, também não o pode uma nação, um país, um mundo.\nA é A. O restante é uma questão de tempo, que depende da generosidade das vítimas.\n“Assim como o homem não pode existir sem seu corpo, também não pode haver direitos sem o direito de transformar os direitos que se tem em realidade – pensar, trabalhar e guardar para si os resultados do trabalho –, o que implica o direito de propriedade. Os modernos místicos dos músculos que propõem a alternativa fraudulenta ‘direitos humanos’ em oposição a ‘direitos de propriedade’, como se aqueles pudessem existir sem estes, estão fazendo uma última tentativa grotesca de restabelecer a doutrina da alma em oposição ao corpo. Somente um fantasma pode existir sem propriedade material; somente um escravo pode trabalhar sem o direito de guardar para si o produto de seu esforço. A doutrina segundo a qual os ‘direitos humanos’ são superiores aos ‘direitos de propriedade’ simplesmente significa que alguns seres humanos têm o direito de transformar os outros em propriedade. Como os competentes nada têm a ganhar dos incompetentes, isso quer dizer que os incompetentes têm o direito de ter como propriedade sua aqueles que são melhores do que eles e usá-los como gado produtor. Quem considera isso humano e direito não tem direito de ser considerado humano.\n“A origem dos direitos de propriedade é a lei da causalidade. Toda propriedade e todas as formas de riqueza são produzidas pela mente e pelo trabalho do homem. Do mesmo modo que não se pode ter efeitos sem causas, também não se pode ter riqueza sem a sua fonte: a inteligência. Não se pode forçar a inteligência a trabalhar: aqueles que têm capacidade de pensar não trabalham sob compulsão; os que se submetem não produzem muito mais do que o preço do chicote necessário para mantê-los escravizados.\nSó se pode adquirir os produtos de uma mente aceitando as condições do proprietário, por meio do comércio e do consentimento voluntário. Qualquer outra política em relação à propriedade do homem é uma política de criminosos, independentemente do número de pessoas que a defendam. Os criminosos são selvagens que só pensam a curto prazo e morrem de fome quando não há mais vítimas para serem sacrificadas – do mesmo modo que vocês estão morrendo de fome hoje, vocês que acreditavam que o crime podia ser uma coisa ‘prática’ se o seu governo decretasse que o roubo era legal e a resistência a ele era ilegal.\n“O único objetivo correto de um governo é proteger os direitos do homem, ou seja: protegê-lo da violência física. Um governo correto é apenas um policial, atuando como agente da legítima defesa do homem, e, como tal, pode recorrer à força apenas contra aqueles que tomam a iniciativa de usar a força.\nAs únicas funções corretas de um governo são: a polícia, para proteger o cidadão dos criminosos; o Exército, para proteger o cidadão de invasores estrangeiros; e os tribunais, para proteger a propriedade e os contratos das violações e fraudes, para resolver disputas por meio de regras racionais, de acordo com leis objetivas. Porém um governo que toma a iniciativa de empregar a força contra homens que não a usaram contra ninguém – a utilização de compulsão armada contra vítimas desarmadas – é uma máquina infernal que visa aniquilar a moralidade: um tal governo deixa de ser protetor do homem para ser seu mais mortal inimigo; de policial passa a criminoso investido do direito de usar da violência contra vítimas privadas do direito de legítima defesa. Um governo assim substitui a moralidade pela seguinte regra de conduta social: vocês podem fazer o que quiserem com o próximo, desde que a sua gangue seja maior do que a dele.\n“Apenas um brutamontes, um tolo ou um inconsequente pode aceitar viver nessas condições ou concordar em dar a seus semelhantes um cheque em branco contra sua vida e sua mente, aceitar a doutrina de que os outros têm o direito de fazer o que bem entenderem com a sua pessoa, de que a vontade da maioria é onipotente, de que a força física dos músculos e das maiorias substituiu a justiça, a realidade e a verdade. Nós, os homens proprietários de mentes, que somos comerciantes, não senhores de escravos nem escravos, não trabalhamos com cheques em branco nem os aceitamos. Não convivemos nem trabalhamos com nenhuma forma de não objetividade.\n“Enquanto os homens, na época da barbárie, não tinham a noção de realidade objetiva e acreditavam que a natureza física era governada pelo capricho de demônios incognoscíveis, não era possível haver pensamento, ciência, produção. Só quando os homens descobriram que a natureza era um absoluto firme e previsível é que puderam confiar em seus conhecimentos, escolher seu rumo, planejar seu futuro e, lentamente, emergir das cavernas. Agora vocês colocaram a indústria moderna, com sua imensa complexidade de precisão científica, de volta nas mãos de demônios incognoscíveis – sob o poder imprevisível dos caprichos arbitrários de burocratas feios e ocultos. O fazendeiro não investe o esforço de um verão se não puder calcular a probabilidade de ter uma boa colheita. Porém vocês querem que gigantes da indústria, que fazem planos em termos de décadas, investem em termos de gerações e fecham contratos por 99 anos, continuem a trabalhar e a produzir sem saber que capricho aleatório vai pela cabeça de qual funcionário aleatório e irá cair sobre eles em que momento para destruir todo o seu trabalho. Os vagabundos e os trabalhadores braçais vivem e fazem planos em função de um dia. Quanto mais privilegiada a mente, mais longo o prazo. O homem cuja visão só concebe um casebre pode continuar a construir sobre as suas areias movediças, para ganhar um lucro imediato e depois ir embora.\nO que concebe arranha-céus não pode. Tampouco ele dedicará 10 anos de trabalho exaustivo à tarefa de inventar um novo produto quando sabe que gangues de mediocridades poderosas manipulam as leis em detrimento dele, para prendê-lo, limitá-lo, obrigá-lo a cair, quando ele entende que, se lutar e vencer e tiver sucesso, eles lhe roubarão as recompensas e a sua invenção.\n“Enxerguem além do momento presente, vocês que exclamam que temem competir com homens de inteligência superior, que a mente deles é uma ameaça à sua subsistência, que os fortes não dão chances aos fracos num mercado de comércio voluntário. O que determina o valor material do seu trabalho?\nNada senão o esforço produtivo da sua mente. Se vocês vivessem numa ilha deserta, quanto menos eficiente o seu cérebro, menos renderia seu trabalho físico – e vocês poderiam passar a vida toda realizando uma mesma tarefa sempre repetida, fazendo uma plantação rudimentar e caçando com arco e flecha, incapazes de ir além disso. Mas quando vivem numa sociedade racional, em que os homens são livres para comerciar, vocês recebem uma vantagem preciosa: o valor material do seu trabalho é determinado não apenas pelos seus esforços, mas também pelos esforços das mais brilhantes mentes produtivas que há no mundo que os cerca.\n“Quando vocês trabalham numa fábrica moderna, são pagos não apenas pelo seu trabalho, mas também por toda a genialidade produtiva que tornou possível aquela fábrica: pelo trabalho do industrial que a construiu, pelo do investidor que economizou dinheiro para arriscá-lo num empreendimento novo, pelo do engenheiro que projetou as máquinas que vocês estão operando, pelo do inventor que criou o bem que vocês produzem no seu trabalho, pelo do cientista que descobriu as leis envolvidas na produção desse bem, pelo do filósofo que ensinou os homens a pensar – por tudo aquilo que vocês vivem criticando.\n“A máquina, forma concretizada de uma inteligência viva, é o poder que amplia o potencial da sua vida aumentando a produtividade do seu tempo. Se vocês trabalhassem como ferreiros na Idade Média dos místicos, toda a sua capacidade de ganhar dinheiro se resumiria a uma barra de ferro produzida pelas suas mãos após dias e mais dias de trabalho. Quantas toneladas de trilhos vocês produzem por dia se trabalham para Hank Rearden? Ousariam dizer que a quantia que ganham foi criada apenas pelo seu trabalho físico e que aqueles trilhos são o produto dos seus músculos? O padrão de vida daquele ferreiro medieval é tudo a que os seus músculos fazem jus; o restante é um presente de Hank Rearden.\n“Todo homem é livre para subir tanto quanto puder ou quiser, porém ele só sobe na medida em que utilizar sua mente. O trabalho braçal em si não vai além do momento. O homem que só realiza trabalho braçal consome o valor material equivalente ao da própria contribuição ao processo de produção e não gera mais nenhum valor, nem para si próprio nem para os outros. Mas o que produz uma ideia em qualquer campo no domínio da razão – o homem que descobre novos conhecimentos – será para sempre um benfeitor da humanidade. Os produtos materiais não podem ser compartilhados, pois pertencem sempre àqueles que os consomem. É apenas o valor de uma ideia que pode ser compartilhado com um número ilimitado de homens, fazendo com que todos se tornem mais ricos sem que ninguém seja sacrificado ou leve prejuízo, elevando a capacidade produtiva do trabalho de todo cidadão, não importa quem ele seja. É o valor do próprio tempo que os homens de mente forte transferem para os mais fracos, permitindo que trabalhem em empregos por eles criados enquanto dedicam seu tempo a realizar novas descobertas. Isso é uma troca em que os dois lados saem ganhando. O interesse da mente é sempre o mesmo, qualquer que seja o grau de inteligência, quando se trata de homens que querem trabalhar e não ganhar aquilo a que não fizeram jus.\n“Em proporção à energia mental que gastou, o homem que cria uma nova invenção só recebe uma pequena porcentagem de seu valor em termos de pagamento material, por maior que seja a fortuna que ganhe. Porém o que trabalha como faxineiro na fábrica que produz essa invenção recebe um pagamento enorme em proporção ao esforço mental que seu trabalho exige dele. E o mesmo se dá com todos os cargos intermediários, em todos os níveis de ambição e capacidade. O homem que se encontra no topo da pirâmide intelectual contribui para todos aqueles que se encontram embaixo, mas não recebe nada mais do que seu pagamento material, sem receber nenhum bônus intelectual dos outros que se acrescente ao valor do seu tempo. O homem na base da pirâmide, que sozinho morreria de fome por causa de sua total inépcia, não contribui com nada para aqueles que se encontram acima, porém recebe o bônus de todos os seus cérebros. É essa a natureza da ‘concorrência’ entre os intelectualmente fortes e os fracos. É essa a ‘exploração’ em consequência da qual vocês maldizem os fortes.\n“Era esse o serviço que prestávamos a vocês de bom grado. O que pedíamos em troca? Nada, senão a liberdade. Pedíamos que nos dessem liberdade para atuar, liberdade para pensar e trabalhar no que bem entendêssemos, para correr os riscos que quiséssemos e arcar com os prejuízos que sofrêssemos, para ganhar nossos lucros e fazer nossas fortunas, para apostar na sua racionalidade, submeter nossos produtos ao seu discernimento para fins de comércio voluntário, com base no valor objetivo do nosso trabalho e na capacidade das suas mentes de enxergar esse valor, liberdade para confiar na sua inteligência e honestidade e só lidar com suas mentes. Era esse o preço que pedíamos e que vocês rejeitaram por achá-lo alto demais. Resolveram achar que era injusto que nós, que retiramos vocês das choupanas e lhes demos apartamentos modernos, rádios, cinemas e automóveis, tivéssemos palácios e iates. Resolveram que vocês tinham o direito de receber seu salário, mas nós não tínhamos o direito de receber nossos lucros; que vocês não queriam que lidássemos com as suas mentes e sim com as suas armas. Nossa resposta foi: ‘Pois que se danem!’ E foi o que de fato aconteceu. Vocês se danaram.\n“Vocês não queriam competir em termos de inteligência, agora estão competindo em termos de brutalidade. Não queriam que as recompensas fossem conferidas aos produtores de sucesso, então agora vivem numa disputa em que as recompensas vão para os saqueadores de sucesso. Achavam cruel e egoísta os homens trocarem valor por valor, então agora têm uma sociedade altruísta em que se troca extorsão por extorsão. O seu sistema é uma guerra civil legalizada, em que os homens formam gangues e disputam o controle das leis, que são empregadas como porretes para derrubar rivais, até que uma outra gangue as arranca das mãos da anterior e as usa para agredir outras gangues, todas elas afirmando que servem a um bem jamais especificado de um público jamais especificado. Vocês disseram que não viam diferença entre poder econômico e poder político, entre o poder do dinheiro e o poder das armas – nenhuma diferença entre recompensa e punição, entre compra e roubo, entre prazer e medo, entre vida e morte. Pois agora estão aprendendo qual é a diferença.\n“Alguns de vocês haverão de dar como desculpa a sua ignorância, suas limitações intelectuais. Porém os mais culpados de vocês são os homens que tinham a capacidade de saber, mas optaram por silenciar a realidade, que se dispuseram a vender sua inteligência e cinicamente se tornaram servidores da força: a raça desprezível de místicos da ciência que afirmam se dedicar a algum tipo de ‘saber puro’ – cuja pureza consiste em afirmarem que esse saber não tem nenhuma utilidade prática no mundo –, que reservam a lógica para a matéria inanimada, porém acreditam que lidar com homens não é coisa que peça nem mereça a racionalidade, que desprezam o dinheiro e vendem a alma por um laboratório mantido por saqueadores. E como não há ‘saber não prático’ nem atos ‘desinteressados’, como desprezam a utilização da ciência deles para servir à vida, fazem a ciência servir à morte, ao único objetivo prático que ela pode ter para os saqueadores: o de criar armas de coação e destruição. Eles, os intelectuais que querem fugir dos valores morais, são os malditos deste mundo, é deles a culpa que não tem perdão. Está me ouvindo, Dr. Robert Stadler?\n“Mas não é a ele que quero me dirigir. Falo para aqueles entre vocês que ainda guardam algum vestígio de soberania em suas almas, ainda não vendidas nem marcadas com o carimbo: ‘A serviço dos outros.’ Se, em meio ao caos de motivos que levou vocês a ligar o rádio hoje, havia um desejo honesto, racional, de entender o que há de errado no mundo, vocês são os homens a quem eu queria me dirigir.\nSegundo meu código moral, tem-se a obrigação de dar uma explicação racional àqueles que estão envolvidos e que estão se esforçando para entender. Quanto aos que estão se esforçando para não me entender, nada tenho a ver com eles.\n“Falo àqueles que desejam viver e reconquistar a honra de suas almas. Agora que vocês conhecem a verdade a respeito do seu mundo, parem de apoiar aqueles que os estão destruindo. A única coisa que possibilita o mal é a sanção que vocês lhe dão. Retirem-na. Retirem o seu apoio. Não tentem viver sob as condições impostas pelos seus inimigos, nem ganhar num jogo em que as regras são estabelecidas por eles. Não queiram cair nas graças daqueles que os escravizaram, não peçam esmolas aos que os roubaram, seja sob a forma de subsídios, de empréstimos ou de empregos. Não passem para o lado deles para conseguir de volta o que tiraram de vocês, roubando seus semelhantes. É inútil tentar garantir a própria sobrevivência aceitando subornos para consentir na própria destruição. Não se esforcem pelo lucro, pelo sucesso nem pela segurança se o preço é uma hipoteca sobre o seu direito de viver. Essa hipoteca jamais poderá ser paga inteiramente. Quanto mais lhes pagarem, mais eles exigirão; quanto maiores os valores que vocês ambicionarem ou realizarem, mais vulneráveis e impotentes vocês se tornarão. O sistema deles é uma forma de chantagem branca que visa roubar seu sangue, não com base nos seus pecados, e sim no seu amor à vida.\n“Não tentem subir aceitando as condições dos saqueadores, nem subir uma escada quando as cordas estão nas mãos deles. Não permitam que eles toquem na única força que os mantém no poder: a ambição de vocês. Entrem em greve, como eu fiz. Usem suas mentes e capacidades só para vocês mesmos, ampliem seus conhecimentos, desenvolvam suas capacidades, porém não compartilhem seus conhecimentos com os outros. Não tentem produzir uma fortuna com um saqueador montado às suas costas. Permaneçam no primeiro degrau da escada, não ganhem mais que o mínimo necessário para a sobrevivência, não ganhem nem mesmo um tostão adicional que ajude a sustentar o Estado dos saqueadores. Já que vocês são prisioneiros, ajam como prisioneiros e não os ajudem a fazer de conta que vocês são homens livres. Tornem-se os inimigos silenciosos e incorruptíveis que eles tanto temem.\nQuando os obrigarem a fazer algo, obedeçam – mas jamais se ofereçam como voluntários para nada.\nJamais deem um passo em direção a eles voluntariamente, nunca lhes concedam um desejo, uma súplica, um objetivo. Não ajudem um assaltante a fingir que está agindo como seu amigo e benfeitor.\nNão ajudem seus carcereiros a fingir que a prisão deles é o estado natural da existência. Não os ajudem a falsear a realidade. Essa falsificação é a única represa que contém o secreto terror deles, o terror de saber que são incapazes de viver. Abram as comportas e deixem que eles se afoguem – a sua aprovação é o único colete salva-vidas que eles têm.\n“Se tiverem oportunidade de fugir para algum lugar remoto fora do alcance deles, fujam, mas não para viverem como bandidos nem para criar uma gangue que vá concorrer com a deles; construam uma vida produtiva independente com aqueles que aceitam o seu código moral e estão dispostos a lutar por uma existência humana. Vocês não têm nenhuma chance de saírem vitoriosos com uma moralidade da morte, nem com o código da fé e da força. Sua bandeira deve ser aquela que será adotada pelos honestos: o pavilhão da vida e da razão.\n“Ajam como seres racionais e tenham por objetivo se tornarem congregadores de todos aqueles que anseiam por uma voz íntegra. Ajam com base nos seus valores racionais, estejam sozinhos no meio de seus inimigos ou com um punhado de amigos por vocês escolhidos, ou na posição de fundadores de comunidades modestas na fronteira do renascimento do homem.\n“Quando o Estado dos saqueadores cair por terra, privado de seus melhores escravos, quando descer ao nível do caos impotente, como as nações místicas do Oriente, e se dissipar com gangues de ladrões digladiando-se entre si – quando os defensores da moralidade do sacrifício morrerem junto com seu ideal –, então haveremos de voltar.\n“Abriremos os portões da nossa cidade àqueles que merecem entrar, da nossa cidade de fábricas, oleodutos, pomares, mercados e lares invioláveis. Agiremos como coordenadores das comunidades ocultas fundadas por vocês. Tendo por símbolo o cifrão – o símbolo do dólar, o símbolo do livre-câmbio e das mentes livres –, vamos retomar este país das mãos dos selvagens impotentes que jamais descobriram sua natureza, seu significado, seu esplendor. Os que quiserem se juntar a nós o farão; os que não o fizerem não terão poder para nos deter. As hordas de selvagens jamais constituíram obstáculos para os homens que marcham sob o estandarte da mente.\n“Então este país voltará a ser um santuário para essa espécie em vias de extinção: o ser racional. O sistema político que construiremos se resume numa única premissa moral: nenhum homem pode arrancar nenhum valor de outro por meio da força física. Todo homem vencerá ou perderá, viverá ou morrerá por seu discernimento moral. Se não souber usá-lo e for derrotado, ele será sua única vítima. Se achar que seu discernimento é insuficiente, não poderá usar uma arma para aperfeiçoá-lo. Se optar por corrigir seus erros a tempo, o exemplo que terá para seguir será o daqueles que lhe são superiores, que o orientarão e o ajudarão a aprender a pensar, porém terá fim a infâmia de se pagar com a vida pelos erros dos outros.\n“Neste mundo, vocês poderão se levantar de manhã com a disposição de espírito que conheceram na infância: aquela sensação de entusiasmo, aventura e certeza que provém da consciência de que se está lidando com um universo racional. Nenhuma criança tem medo da natureza. É o seu medo dos homens que desaparecerá, o que atrofia suas almas, o medo que vocês adquiriram nos seus primeiros contatos com o que há de incompreensível, de imprevisível, de contraditório, de arbitrário, de oculto, de falsificado, de irracional nos homens. Viverão num mundo de seres responsáveis, que serão tão coerentes e confiáveis quanto os fatos. A garantia de seu caráter será um sistema de existência em que a realidade objetiva é o padrão e o juiz. Suas virtudes serão protegidas, mas não seus vícios e suas fraquezas. O que há de bom em vocês será protegido, mas não o que têm de mau. O que receberão dos homens não será caridade, nem piedade, nem misericórdia, nem perdão dos pecados, e sim um único valor: justiça. E, quando olharem para os outros ou para si próprios, vocês sentirão não repulsa, suspeita ou culpa, e sim um único sentimento: respeito.\n“É esse o futuro que vocês têm capacidade de conquistar. Ele exige luta, como qualquer valor humano. Toda vida é uma luta voltada para um objetivo, e sua única escolha é a de uma meta. Vocês querem prosseguir na sua luta atual ou querem lutar pelo meu mundo? Querem prosseguir numa luta que consiste em se agarrar a galhos precários enquanto deslizam por um barranco que termina num abismo, numa luta em que as privações que se sofre são irreversíveis e as vitórias que se obtém só servem para tornar mais próxima a destruição? Ou querem se empenhar numa luta que consiste em subir de patamar a patamar, numa ascensão constante, até o alto, uma luta em que as privações são investimentos no futuro, e as vitórias ganhas os trarão cada vez mais perto do mundo de seu ideal moral, de modo que, mesmo que vocês morram antes de chegar ao ponto em que o sol brilha com toda a força, ao menos chegarão a ser atingidos pelos seus primeiros raios? É essa a escolha que cabe a vocês fazer.\nQue suas mentes e seu amor à vida decidam.\n“Minhas últimas palavras serão dirigidas àqueles heróis que porventura ainda estejam escondidos no mundo, prisioneiros não de suas evasivas, mas de suas virtudes e de sua coragem desesperada. Meus irmãos espirituais, examinem suas virtudes e a natureza dos inimigos a quem vocês estão servindo. Os que os destroem os dominam por meio da sua resistência, da sua generosidade, da sua inocência, do seu amor: a resistência que arca com os fardos deles; a generosidade que atende aos gritos de desespero deles; a inocência que é incapaz de conceber a maldade deles e que, na dúvida, acredita neles e se recusa a condená-los sem compreender, sem poder compreender as motivações que os impelem; o amor, o seu amor à vida, que os faz acreditar que também eles são homens e amam a vida. Porém o mundo de hoje é o que eles queriam; a vida é objeto de seu ódio. Deixem para eles essa morte que adoram. Em nome da sua magnífica dedicação a esta terra, abandonem esses inimigos, não desperdicem a grandeza de suas almas realizando o triunfo da maldade que há nas almas deles. Está me ouvindo… meu amor?\n“Em nome do que há de melhor em vocês, não sacrifiquem este mundo àqueles que são o que há de pior nele. Em nome dos valores que os mantêm vivos, não deixem que sua visão do homem seja distorcida pelo que há de feio, covarde, irracional naqueles que jamais chegaram a merecer o título de homens. Não esqueçam que o que caracteriza o homem é a postura ereta, a mente intransigente, a capacidade de percorrer estradas infinitas. Não deixem que se apague o seu fogo insubstituível, fagulha por fagulha, nos pântanos do desespero do ‘mais ou menos’, do ‘não é bem isso’, do ‘ainda não’, do ‘de jeito nenhum’. Não deixem morrer o herói que vive em suas almas, solitário e frustrado por nunca ter conseguido atingir a vida merecida. Examinem sua estrada e a natureza da sua luta. O mundo que vocês desejavam pode ser conquistado: ele existe, é real, é possível, é seu.\n“Mas para conquistá-lo é necessário dar toda a sua dedicação e romper totalmente com o mundo do passado, com a doutrina segundo a qual o homem é um animal a ser oferecido em sacrifício, que existe para proporcionar prazer aos outros. Lutem pelo valor das próprias pessoas. Lutem pela virtude do seu orgulho. Lutem pela essência do homem: sua mente racional soberana. Lutem com a certeza radiante e a retidão absoluta de saber que a moralidade da vida é sua, que é sua a luta por toda realização, por todo valor, por toda grandeza, por toda bondade, por toda felicidade que já existiu nesta Terra.\n“Vocês vencerão quando estiverem prontos para pronunciar o juramento que proferi no início de minha luta. E, para aqueles que querem saber o dia em que hei de voltar, repetirei agora meu juramento perante todo o mundo: Juro, por minha vida e por meu amor a ela, que jamais viverei por outro homem, nem pedirei a outro homem que viva por mim.”", "mediaType": "text/plain" } }, "id": "https://www.minds.com/api/activitypub/users/650525645859729410/entities/urn:activity:788550977962643457/activity" } ], "id": "https://www.minds.com/api/activitypub/users/650525645859729410/outbox", "partOf": "https://www.minds.com/api/activitypub/users/650525645859729410/outboxoutbox" }